Por Igor Fuser - Brasil de Fato
Andres AZP/CC
Mídia venezuelana e internacional difundem uma versão distorcida dos fatos; a aposta da direita é tornar o país ingovernável
25/02/2014
Por Igor Fuser
Nos últimos dias a Venezuela voltou às manchetes dos jornais do mundo
devido a uma série de manifestações de rua. Abaixo, apresento uma série
de mentiras alardeadas pela chamada “grande mídia” e as suas respectivas
verdades.
Mentira: Os opositores saíram às ruas porque estão descontentes com os rumos do país e querem melhorar a situação.
Verdade: O que está em curso na Venezuela é o chamado
“golpe em câmera lenta”, que consiste em debilitar gradualmente o
governo até gerar as condições para o assalto direto ao poder. O atual
líder oposicionista, Leopoldo López, não esconde esse objetivo, ao
pregar aos seus partidários que permaneçam nas ruas até o que ele chama
de “La Salida”, ou seja, a derrubada do governo. O roteiro golpista,
elaborado com a participação de agentes dos Estados Unidos, combina as
manifestações pacíficas com atos violentos, como a destruição de
patrimônio público, bloqueio de ruas e atentados à vida de militantes
chavistas. A mídia venezuelana e internacional tem um papel de destaque
nesse plano, ao difundir uma versão distorcida dos fatos. A aposta da
direita é tornar o país ingovernável. Trata-se de criar uma situação de
caos até o ponto em que se possa dizer que o país está “à beira da
guerra civil” e pedir uma intervenção militar de estrangeiros. Outro
tópico desse plano é a tentativa de atrair uma parcela das Forças
Armadas para a via golpista. Mas isso, até agora, tem se mostrado
difícil.
Mentira: A Venezuela é um regime autoritário, que impõe sua vontade sobre os cidadãos e reprime as manifestações opositoras.
Verdade: Existe ampla liberdade política no país, que é
regido por uma Constituição democrática, elaborada por uma assembleia
livremente eleita e aprovada em plebiscito. Nos 15 anos desde a chegada
de Hugo Chávez à presidência, já se realizaram 19 consultas à população –
entre eleições, referendos e plebiscitos – e o chavismo saiu vitorioso
em 18 delas. Foram eleições limpas e transparentes, aprovadas por
observadores estrangeiros das mais diferentes tendências políticas,
inclusive de direita. O ex-presidente estadunidense Jimmy Carter, que
monitorou uma dessas eleições, declarou que o sistema de votação
venezuelano é “o melhor do mundo”. Esse mesmo sistema eleitoral
viabilizou a conquista de inúmeros governos estaduais e prefeituras pela
oposição. Há no país plena liberdade de expressão, sem qualquer tipo de
censura.
Mentira: Quem está protestando contra o governo é porque “não aguenta mais” os problemas do país.
Verdade: A tentativa golpista, na qual se inserem as
manifestações da direita, reflete o desespero da parcela mais extremista
da oposição, que não se conforma com o resultado das eleições de 2013.
Esse setor desistiu de esperar pelas próximas eleições presidenciais, em
2019, ou mesmo pelas próximas eleições legislativas, em 2016, ou ainda
pela chance de convocar um referendo sobre o mandato do presidente
Nicolás Maduro, no mesmo ano. Essas são as regras estabelecidas pela
Constituição – qualquer coisa diferente disso é golpe de Estado. A
direita esperava que, com a morte de Chávez, o processo de
transformações sociais conhecido como Revolução Bolivariana,
impulsionado pela sua liderança, entrasse em declínio. Apostava também
na divisão das fileiras chavistas, abrindo caminho para seus inimigos. A
vitória de Maduro – o candidato indicado por Chávez – nas eleições de
abril de 2013, ainda que por margem pequena (1,7% de diferença),
frustrou essa expectativa. Uma última cartada da oposição foi lançada
nas eleições municipais de dezembro do ano passado. Seu líder, Henrique
Capriles (duas vezes derrotado em eleições presidenciais), disse que
elas significariam um “plebiscito” sobre a aprovação popular do governo
federal. Mas os votos nos candidatos chavistas superaram os dos
opositores em mais de 10%, e o governo ganhou em quase 75% dos
municípios. Na época, a economia do país já apresentava os problemas que
agora servem de pretexto para os protestos, e ainda assim a maioria dos
venezuelanos manifestou sua confiança no governo de Maduro. Diante
disso, um setor expressivo da oposição resolveu apelar para o caminho
golpista.
Mentira: O governo está usando violência para reprimir os protestos.
Verdade: Nenhuma manifestação foi reprimida. O único
confronto entre policiais e opositores ocorreu no dia 17 de fevereiro,
quando, ao final de um protesto, grupos de choque da direita atacaram
edifícios públicos no centro de Caracas, incendiando a sede da
Procuradoria- Geral da República e ferindo dezenas de pessoas. Nestas
últimas semanas, as ações violentas da oposição têm se multiplicado pelo
país. A casa do governador (chavista) do Estado de Táchira foi invadida
e depredada. Caminhões oficiais e postos de abastecimento têm sido
destruídos. Recentemente, duas pessoas, que transitavam de motocicleta,
morreram devido aos fios de arame farpado que opositores estendem a fim
de bloquear as ruas.
Mentira: O governo controla a mídia.
Verdade: Cerca de 80% dos meios de comunicação
pertencem a empresas privadas, quase todas de orientação opositora. Mas o
governo recebe o apoio das emissoras estatais e também de centenas de
rádios e TVs comunitárias, ligadas aos movimentos sociais e às
organizações de esquerda. Isso garante a pluralidade política e
ideológica na mídia venezuelana – algo que, infelizmente, não existe no
Brasil, onde a direita controla quase totalmente os meios de
comunicação.
Mentira: Os Estados Unidos acompanham a situação à
distância, preocupados com os direitos humanos e os valores
democráticos, para que não sejam violados.
Verdade: Desde a primeira posse de Chávez, em 1999, o
governo estadunidense tem se esforçado para derrubar o governo
venezuelano e devolver o poder aos políticos de direita. Está amplamente
comprovado o envolvimento dos Estados Unidos no golpe de 2002, quando
Chávez foi deposto por uma aliança entre empresários, setores militares e
emissoras de televisão. Desde então, a oposição tem recebido dinheiro e
orientação de Washington.
Mentira: Os problemas no abastecimento transformaram a vida cotidiana num inferno.
Verdade: Existe, de fato, a falta constante de certos
bens de consumo, como roupas, produtos de higiene e limpeza e peças para
automóveis, mas o acesso aos produtos essenciais (principalmente
alimentos e medicamentos) está garantido para o conjunto da população.
Isso ocorre graças à existência de uma rede de 23 mil pontos de venda
estatais, espalhados por todo o país, sobretudo nos bairros pobres. Lá,
os preços são pelo menos 50% menores do que os valores de mercado,
devido aos subsídios oficiais. É importante ressaltar que o principal
motivo da escassez não é nem a inexistência de dinheiro para realizar
importações nem a incapacidade do governo na distribuição dos produtos.
Grande parte das mercadorias em falta são contrabandeadas para a
Colômbia por meio de uma rede clandestina à qual estão ligados
empresários de oposição.
Mentira: A atual onda de protestos é protagonizada pela juventude, que está em rebelião contra o governo.
Verdade: Os jovens que participam dos protestos
pertencem, na sua quase totalidade, a famílias das classes alta e
média-alta, que constituem a quarta parte da população. Isso pode
facilmente ser constatado pela imagem dos estudantes que aparecem na
mídia. São, quase todos, brancos – grupo étnico que não ultrapassa 20%
da população venezuelana, cuja marca é a mistura racial. E não é por
acaso que os redutos dos jovens oposicionistas sejam as faculdades
particulares e as universidades públicas de elite. Os jovens opositores
são minoria. Do contrário, como se explica que o chavismo ganhe as
eleições em um país onde 60% da população têm menos de 30 anos? Uma
pesquisa recente, com base em 10 mil entrevistas com jovens entre 14 e
29 anos, revelou que 61% deles consideram o socialismo como a melhor
forma de organização da sociedade, contra 13% que preferem o
capitalismo.
Mentira: A economia venezuelana está em colapso.
Verdade: O país enfrenta problemas econômicos, alguns
deles graves, como a inflação de mais de 56% nos últimos 12 meses. Mas
não se trata de uma situação de falência, como ocorre na Europa. A
Venezuela tem superávit comercial, ou seja, exporta mais do que importa,
e possui reservas monetárias para bancar ao menos sete meses de compras
no exterior. É um país sem dívidas. A principal dificuldade econômica é
a falta de crédito, causada pelo boicote dos bancos internacionais.
Mentira: A insegurança pública está cada vez pior.
Verdade: A Venezuela enfrenta altos níveis de
criminalidade, assim como outros países latino-americanos, inclusive o
Brasil. Esse tema é uma das prioridades do governo Maduro, que chegou a
mobilizar tropas do Exército no policiamento de certas áreas urbanas,
com bons resultados. A melhoria da segurança pública foi justamente o
tema do diálogo entre o governo e a oposição, iniciado no final do ano
passado, por iniciativa do presidente. O próprio Chávez, em seu último
mandato, criou a Polícia Nacional Bolivariana, a fim de compensar as
deficiências do aparato de segurança tradicional, famoso pela corrupção.
Outra estratégia é o diálogo com as “gangues” juvenis a fim de
afastá-las do narcotráfico e atraí-las para atividades úteis, como o
trabalho na comunidade e a produção cultural. A grande diferença entre a
Venezuela e o Brasil, nesse ponto, é que lá o combate à criminalidade
ocorre num marco de respeito aos direitos humanos. A política de
segurança pública venezuelana descarta o extermínio de jovens nas
regiões pobres, como ocorre no Brasil.
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