Transcrito do site Democracia & Política
Eva Golinger
Venezuela, 2014: “EUA apoiaram os opositores violentos”
Por Eva Golinger, em entrevista à Juan Manuel Karg, do "Tiempo Argentino", sob o título “EE UU apoyó a los opositores violentos”. Artigo traduzido pelo "pessoal da Vila Vudu" e postado no "Redecastorphoto"
"Filha de família venezuelana, Eva Golinger [*] nasceu em New York em 1973. Premiada várias vezes por suas pesquisas acadêmicas, estuda atualmente a ingerência dos EUA na Venezuela e em outros países da América Latina. É conhecida por seus livros, dentre outros "El código Chávez y La agresión permanente", [1] no qual decifra a vinculação das agências norte-americanas USAID e NED com várias tentativas de desestabilizar a Venezuela. "Tiempo Argentino" (TA) entrevistou-a, com exclusividade, para ouvir sua opinião sobre os eventos recentes na Venezuela, as semelhanças com a tentativa de golpe de estado de 2002, diferenças na oposição, solidariedade continental com o governo de Maduro e a ligação entre esses fatos e o momento econômico pelo qual a Venezuela está passando.
TA – Depois da violência durante uma manifestação da oposição, o oficialismo rapidamente denunciou que Leopoldo López, ex-prefeito de Chacao e que, em 2002, assinou o Decreto Carmona, estava por trás daquilo. O Decreto Carmona suprimiu as garantias constitucionais e “formalizou” o golpe de Estado. Qual sua opinião sobre tudo isso? A senhora vê alguma relação entre o golpe de 2002 e o que houve 4ª-feira passada (12/2/2014)?
Leopoldo López
Eva Golinger – Há semelhança muito contundente entre o que se passa hoje na Venezuela e o golpe de Estado em abril de 2002 contra o presidente Hugo Chávez. Por exemplo, durante o golpe de 2002, os veículos da imprensa-empresa privada tiveram papel protagonista, distorcendo os fatos e “desnoticiando” o que se passava no país, tanto nacional como internacionalmente, para justificar qualquer tipo de ação contra o governo. Usaram franco-atiradores para matar chavistas e opositores nas ruas durante as manifestações, e tudo passou a ser manipulado para responsabilizar o governo pelo massacre.
O governo dos EUA condenou imediatamente o governo de Chávez, condenação que se baseou nas mentiras publicadas, e também imediatamente reconhecer o governo dos golpistas, que só permaneceu dois dias no poder, de 11 a 13 de abril. De fato, Washington havia apoiado o golpe desde o início, inclusive com dinheiro para os grupos envolvidos, e ajuda de equipamentos militares e de estrategistas políticos e de comunicações.
Agora, se vê algo parecido com os veículos da imprensa-empresa privada na Venezuela, e também os meios internacionais, que mentem sem parar sobre a violência, culpando o governo de Nicolás Maduro por tudo que acontece, quando, na realidade, são os manifestantes da oposição que estão provocando toda a violência. Nas manifestações de 12/2/2014, houve três mortos, opositores e chavistas. As autoridades venezuelanas já informaram que dois desses jovens – um chavista e um opositor – foram mortos por tiros que partiram da mesma arma. É claro que isso sugere a presença de um franco-atirador ou de um agente infiltrado para matar gente dos dois lados e, assim, provocar mais violência de um lado contra o outro.
Nicolás Maduro caminha com o povo venezuelano
Já se sabe também que os veículos internacionais estão divulgando imagens de protestos e atos de repressão em outros países (Grécia, Cingapura, Chile, Egito, Argentina – em 2001) e noticiando que seriam imagens da Venezuela, para divulgar falsa imagem do governo venezuelano como repressor.
Mas o governo dos EUA apoiou os opositores violentos desde o início – com dinheiro e apoio político. O Departamento de Estado já fez declarações “condenando” o governo de Maduro por uma suposta repressão contra os manifestantes e exortando que “respeite os seus direitos humanos”.
Nada poderia ser mais hipócrita, porque nos EUA o estado jamais permitiu manifestações tão violentas como as que a oposição está fazendo na Venezuela, bloqueando estradas, destruindo edifícios públicos, queimando lixo e pneus nas ruas, lançando coquetéis molotov.
A grande diferença entre 2002 e hoje são os personagens das ações: hoje, são grupos de jovens e estudantes; e em 2002, eram os próprios políticos que antes haviam estado no poder. Sim, os jovens opositores vêm, principalmente, da classe média e da classe alta. Não estão na rua para lutar por direitos populares. O que querem é tomar o poder do povo para “devolvê-lo” às grandes empresas e às elites ricas. E muitos deles fizeram parte de ONGs que recebem centenas de milhares de dólares das agências de Washington ao longo dos últimos sete anos, com o objetivo de treiná-los e formá-los nas táticas e estratégias de desestabilização, para derrotar o governo e pôr aqui um governo que favoreça os interesses dos EUA.
TA – Depois dos eventos da 4ª feira (12/2/2014), vê-se que a oposição conservadora parece seguir duas linhas diferentes. Uma, pode-se dizer, “mais dialoguista”, com Capriles e Falcón, que denunciam o governo, mas têm medo de voltar às ruas; e outra, ainda mais de direita, encabeçada por López e Machado, que quer continuar com os protestos e a confrontação. A que se deve essa mudança na tática de alguns setores da oposição, depois da derrota de dezembro passado? Terão escolhido “outra via” para tentar derrotar Maduro?
Eva Golinger – Sempre houve divisões entre os setores da oposição. Eles não são partido unido, nem partilham a mesma ideologia, como é o caso dos chavistas e do chavismo. Há mais de 20 partidos diferentes na oposição, além das ONGs e outros grupos, cada um com agenda própria. A única ideia comum a todos é o desejo de derrubar o chavismo, agora o governo de Nicolás Maduro. Mas daí a apresentar qualquer alternativa de governo ou modo de governar, que reúna todos esses grupos, não, não há, e jamais houve, em 15 anos.
Henrique Capriles
Então, vivem a operar táticas diferentes, novos “alinhamentos” para a “luta” política deles. Faz alguns meses, Capriles levou seus seguidores à mais extrema violência, quando foi derrotado nas eleições presidenciais, e Maduro foi eleito, em abril de 2013. Mas quando a ação dele resultou na morte de 11 pessoas e teve alto custo político para ele, Capriles baixou o tom. Outros, como Antonio Ledezma, atual prefeito metropolitano da Grande Caracas, que também já tentou convocar golpes, agora está interessado em não perder o poder que tem hoje, para talvez concorrer à presidência, daqui a alguns anos. Quer dizer: cada um tem sua própria agenda.
López e Machado estão mais desesperados: os dois querem ser presidentes “já”; mas a verdade é que têm poder político muito limitado.
TA – A Chancelaria da Venezuela recebeu inúmeras manifestações de solidariedade com a Revolução Bolivariana, ante os eventos desses dias. Argentina, Brasil, Equador, Bolívia, Nicarágua e Cuba manifestaram seu apoio ao governo de Maduro, contra as tentativas de “desestabilizá-lo”. A senhora acredita que o momento político da América Latina e Caribe, com maioria de governos pós-liberais, torna menos provável um golpe de estado na Venezuela?
Eva Golinger – Acredito que, certamente, a união, a força, a consciência da própria soberania que se vê hoje na América Latina, graças aos esforços e ao impulso que lhes deu o presidente Hugo Chávez, serve como principal anteparo e como proteção para os governos democráticos da região. As mostras de solidariedade e apoio, vindas de países da região, ao governo de Maduro comprovam essa força. E não é a primeira vez que a união e a solidariedade regional impedem um golpe de estado por aqui, contra governo progressista: já aconteceu na Bolívia em 2008 e no Equador em 2010. Agora, o apoio oferecido à Venezuela mostra que a região não aceitará outro golpe ou ruptura constitucional contra governo democrático, e isso é muito importante.
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