POR MARK WEISBROT transcrito do Blog Vale Pensar
O New York Times começou sua reportagem sobre a Venezuela na última
sexta-feira dizendo que “a única estação de televisão que transmite
regularmente vozes críticas ao governo foi vendida no ano passado e os
novos proprietários têm suavizado a sua cobertura de notícias”.
O Comitê para a Proteção dos Jornalistas, CPJ, escreveu na semana
passada: “Quase todas as estações de TV na Venezuela ou são controladas
ou aliadas do governo de Nicolás Maduro e ignoraram os protestos em todo
o país”.
Antes de se entregar às autoridades, o líder da oposição Leopoldo López
afirmou: “Nós já não temos qualquer meio de comunicação livre para nos
expressar na Venezuela”.
Estas afirmações são verdadeiras ou falsas? Declarações similares são
feitas repetidamente nas principais agências de notícias internacionais e
geralmente aceitas como verdadeiras. No entanto, esta deve ser uma
questão factual, independentemente se alguém simpatiza com a oposição, o
governo ou nenhum dos dois.
Os dados publicados pelo Carter Center sobre
a cobertura da mídia durante a campanha para as últimas eleições
presidenciais, em abril do ano passado, indicam que os dois candidatos
foram representados de forma bastante equilibrada na cobertura
televisiva.
Nós vamos voltar para o relatório do Carter Center, mas primeiro façamos
uma verificação rápida com base em eventos recentes da cobertura.
Podemos olhar para as transmissões das maiores emissoras de televisão do
país. A maior é a Venevisión, de propriedade do magnata da mídia e
bilionário Gustavo Cisneros. Segundo o Carter Center, ela tem cerca de
35% da audiência de notícias durante “eventos de interesse
jornalístico-chaves recentes”.
Se olharmos para a sua cobertura desde que os protestos começaram em 12
de fevereiro, podemos encontrar muitas ocasiões em que “vozes críticas
ao governo” e líderes da oposição aparecem “regularmente”. Por
exemplo, aqui está uma entrevista da
Venevisión com Tomás Guanipa, líder do grupo oposicionista Primero
Justicia (Justiça Primeiro) e com um representante do partido na
Assembleia Nacional. Ele defende os protestos e acusa o governo de
torturar estudantes.
Aqui está uma longa entrevista com
María Corina Machado, uma das líderes da oposição mais proeminentes e
linha-dura, que procura derrubar Maduro. Ela também acusa o governo de
torturar os alunos e defende o aspecto mais controverso dos protestos em
curso: argumenta que as pessoas têm o direito de derrubar o governo
democraticamente eleito. (Isso é algo que não iria aparecer na TV na
maioria dos países do mundo; na Venezuela, as ameaças de derrubar o
governo viraram realidade e houve várias tentativas nos últimos 12
anos). Esta entrevista é da Globovisión, a estação que a reportagem do
New York Times reclama que tenha “suavizado sua cobertura”.
Os dados acima mostram que a declaração do New York Times é falsa, uma
vez que a Venevisión e outras emissoras transmitiram regularmente essas
vozes críticas no passado e ainda o fazem. Mas também mostram que a
implicação do repórter do Times de que a venda de alguma forma tornou a
Globovisión uma TV amiga do governo é altamente enganosa. Sim, ela tem
“suavizado sua abordagem”. Saiu de algo comparável à Fox News com
esteróides para algo como NBC, CBS ou CNN nos EUA: uma cobertura de
notícias que segue a norma jornalística segundo a qual deve haver algum
equilíbrio. Agora, para muitos direitistas nos Estados Unidos, se você
não é Fox News, você é um apologista da administração Obama.
Os exemplos acima, assim como os links abaixo, mostram que a frase de
abertura do New York Times é falsa. Da mesma forma, a declaração CPJ é
falsa: as emissoras de TV com maioria de telespectadores na Venezuela
não são “controladas ou aliadas de Maduro” e nem têm “ignorado os
protestos em todo o país”.
Isso não quer dizer que eles não se envolvam com auto-censura: eles o
fazem. Isso é verdade em todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos
(onde atinge níveis extremos em certas questões). Na Venezuela, há uma
história por trás da relutância de alguns canais de TV de mostrar
imagens em tempo real de violência em manifestações: em 2002, os
principais canais manipularam cenas de tiroteios durante uma
manifestação e através de transmissões repetidas convenceram grande
parte da país e do mundo que as forças do governo haviam cometido um
massacre, o que justificaria um golpe militar. Oito meses mais tarde, a
indústria petrolífera controlada pela oposição nacional e empresas de
propriedade da oposição entraram em greve, mais uma vez com a intenção
declarada de derrubar o governo. As principais emissoras convidaram as
pessoas a sair às ruas e derrubar o governo.
Mas, em qualquer caso, as manifestações e os pontos de vista dos
manifestantes ainda são bastante visíveis na mídia privada, que tem
entre 74 e 92 por cento da audiência televisiva, dependendo do que está
acontecendo no país.
Mas, novamente, voltemos para a verificação dos fatos. As estações de
televisão privadas são “controladas ou aliadas” do governo? Ao invés de
apenas olhar para a cobertura de acontecimentos recentes, podemos usar
um estudo mais sistemático do Carter Center sobre cobertura importante
da última campanha presidencial, em abril de 2013. Eles descobriram que:
A
distribuição por canais mostra que estações privadas dedicaram mais
tempo ao candidato Henrique Capriles Radonski, sua campanha e seus
eleitores (73%), com uma percentagem muito menor (19%) dedicada ao
candidato do partido do governo, Nicolás Maduro, sua campanha e seus
eleitores. O desequilíbrio na cobertura no canal estatal, no entanto,
foi ainda mais acentuada. Noventa por cento da cobertura esteve focada
no candidato do governo, enquanto as atividades de campanha de seu
oponente receberam quase 1 por cento de atenção.
E:
Em
relação ao tom da cobertura nos meios de comunicação públicos, o
monitoramento constatou 91% de cobertura positiva para o candidato
Nicolás Maduro. Capriles não tinha cobertura positiva (91% dos registros
foram negativos, enquanto os restantes 9% eram neutros). Na mídia
privada, Henrique Capriles recebeu 60% de cobertura positiva (23%
negativa e 17% neutra), enquanto Maduro teve 28% de cobertura positiva
(54% negativa e 18% neutra).
Agora, isso indica um viés mais forte na mídia pública (pró-governo) do
que na TV privada (pró-oposição). No entanto, o Carter Center informa
que a TV privada tem, para “eventos-chaves de interesse jornalístico”
cerca de 74% da audiência, com a participação do estado em apenas 26%.
As declarações segundo as quais toda a TV é “controlada ou aliada do
governo” são claramente mentirosas. A TV estatal pode cantar os louvores
de Maduro durante todo o dia, mas a mídia privada atinge várias vezes
mais pessoas com um viés oposto.
Finalmente, existem as cadeias, em que todas as estações transmitem os
discursos do presidente (essa lei é anterior à era Chávez). No entanto, o
presidente Maduro não usou cadeias durante o período da campanha,
apenas uma antes do lançamento da candidatura. O período de
monitoramento do Carter Center é de 28 de março a 16 de abril e o
relatório incluiu quatro cadeias nos dois dias após a eleição.
Leopoldo López é um político e ele deve ser perdoado por suas hipérboles
(como os críticos de direita do presidente Barack Obama nos Estados
Unidos, que o chamam de “ditador socialista”). Mas o New York Times e o
CPJ devem ser mais cuidadosos para não apresentar alegações falsas como
fato.
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