Por Breno Altman, especial para o 247
O jornalista Clóvis Rossi, um dos mais respeitados do país, escreveu
ontem, na Folha de S.Paulo, artigo intitulado “Hora de dizer a verdade
a Maduro”, criticando a posição atual do governo brasileiro acerca da
crise venezuelana. Seu texto considera, a partir dos números das
últimas eleições presidenciais, que o vizinho ao norte está “rachado
ao meio”. E conclui: apoiar o presidente Nicolás Maduro seria “dar às
costas à metade da população venezuelana, erro que nenhum país
sério pode cometer.”
Traz vício de origem o apelo à neutralidade e a eventual papel moderador
que poderia desempenhar a diplomacia brasileira. Rossi, com a elegância
de sempre, mas desconhecimento sobre o assunto, parece estar
abordando situação normal de conflito. Como se fosse, por exemplo, uma
competição eleitoral ou um rallypacífico de setores oposicionistas.
O venerando repórter atropela o próprio registro que encabeça sua
coluna, ao lembrar do golpe de Estado que derrubou Hugo Chávez em
2002, para vender versão edulcorada e neutra dos acontecimentos em
curso, insinuando que se trata de um choque legítimo entre blocos
políticos.
Nem mesmo o governador de Miranda e ex-candidato presidencial da
direita, Henrique Capriles, acredita nessa lorota. Faz questão de
manter distância regulamentar da aventura extremista apelidada de
la salida pelos white blocs do golpismo venezuelano. Ali está em
curso, novamente, operação violenta e articulada para apear do
poder um presidente constitucional.
Não pode haver hesitação quando está em jogo a democracia.
Defender a legalidade e a soberania popular é a tarefa fundamental
dos governos da região, a começar pela mais importante de todas
essas nações. A presidente Dilma Rousseff, ao subscrever nota
incisiva do Mercosul e declaração inequívoca da Comunidade de
Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), dá demonstração
de grandeza e liderança. Contemporizar com o golpismo, como sugere
Rossi, seria atitude pusilânime e apequenada.
Os interesses que se movem nas sombras do vandalismo oposicionista
são tão perigosos quanto os objetivos dos grupos ensandecidos que
fantasiam tomar Miraflores de assalto. A guerra cibernética e midiática,
manipulando informações e imagens, sinaliza que o discurso de Barak
Obama, alinhado à intentona da direita, não se esgota no palavrório.
A Casa Branca dá sinais que considera a derrocada de Maduro, já e
agora, um componente fundamental de sua geopolítica para o petróleo
e a América Latina.
O silêncio brasileiro, portanto, não seria apenas desfeita à causa
democrática que tanto sangue, suor e lágrimas custou ao continente.
Nações que desejam construir caminhos autônomos, em aliança com
seus parceiros naturais, devem ter na solidariedade uma política de
Estado. Fraquejar nessas horas significaria retirar os sapatos diante
de quem aspira retornar à época em que esse canto do mundo aceitava
ser o quintal de uma potência imperialista.
Por fim, a tese da “divisão ao meio” é falácia para subtrair legitimidade
de um governo soberano. Desde quando uma pequena diferença eleitoral
torna iguais quem ganhou e quem perdeu na escolha popular? Está
correto um jornalista do calibre de Clóvis Rossi omitir que o chavismo
venceu 17 das 18 contendas eleitorais que travou desde 1998? Que
elegeu 20 dos 23 governadores nas últimas disputas regionais? E 75%
dos prefeitos em consulta às urnas há menos de três meses?
O presidente Nicolás Maduro tem reagido com firmeza e equilíbrio para
deter a onda de violência e os planos de sublevação. Cumpre obrigação
de preservar a democracia e a paz como manda a lei, mas sua aposta
principal é convocar às ruas seus compatriotas, em defesa da
Constituição. Estende as mãos para quem não compactua com o
golpismo, ao mesmo tempo que promete ser implacável contra os que
quiserem usurpar o poder pela força.
Não poderia ser outra a atitude do governo que não ombreá-lo na
resistência legalista. As correntes reacionárias podem reclamar o
quanto quiserem, e Clóvis Rossi pode lhes oferecer consolo, mas a
Venezuela não está isolada como o Chile de Allende ou o Brasil de
João Goulart, a bel prazer dos que almejam destruir as instituições democráticas.
http://www.brasil247.com/pt/247/mundo/130959/Altman-Hora-de-
dizer-a-verdade-para-Cl%C3%B3vis-Rossi.htm
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