Obcecada com vitória geopolítica na Europa Oriental, Washington
envolveu-se com grupos que defendem “supremacia branca” e atacam
comunistas, anarquistas e judeus
Por Max Blumenthal, no Alternet | Tradução Cauê Seignemartin Ameni
Quando os protestos na capital da Ucrânia chegaram a um desfecho,
este fim-de-semana, as demonstrações de extremistas fascistas e
neo-nazistas assumidos tornaram-se evidentes demais para serem
ignoradas. Desde o início dos protestos, quando manifestantes lotaram a
praça central para combater a polícia ucraniana e exigir a expulsão do
corrupto presidente pró-russia Viktor Yanukovich, as ruas estavam cheias
de pelotões de extrema-direita, prometendo defender a pureza étnica de
seu país.
Bâners dos partidários da “supremacia branca” e bandeiras dos confederados norte-americanos [escravocratas] foram fixadas dentro da prefeitura de Kiev ocupada. Manifestantes içaram
bandeiras da SS nazista e símbolos do poder branco sobre a estátua
tombada de Lenin. Depois que Yanukovich fugiu do palácio estatal de
helicóptero, os manifestantes destruíram
a estátua dos ucranianos que morreram lutando contra a ocupação alemã
durante a Segunda Guerra Mundial. Saudações nazistas e o símbolo do Wolfsangel tornaram-se cada vez mais comuns na praça Maiden. Forças neo-nazi estableceram “zonas autonômas” em torno de Kiev.
Um grupo anarquista chamado União Ucraniana Antifascista tentou
juntar-se aos manifestantes de Maiden, mas encontrou dificuldades, com
ameaças de violência das gangs neo-nazis itinerantes da praça. “Eles
disseram que os anarquistas são gente como judeus, pretos e comunistas. E
nem havia comunistas entre nós, foi um insulto”, ”, disse um integrante do grupo.
“Está cheio de nacionalistas aqui — incluindo nazistas”,
continuou o antifascista. “Eles vieram de toda Ucrânia, e são cerca de
30% dos manifestantes.”
Um dos “três grandes” partidos políticos por detrás dos protestos é o
ultra-nacionalista Svoboda, liderado por Oleh Tyahnybok, que clama
pela “libertação” de seu país da “máfia judaico-moscovita”. Após a
condenação, em 2010, de John Demjanjuk, um vigilante dos campos de
extermínio que teria participado da morte de 30 mil pessoas no campo de
extermínio nazista de Sobibor, Tyahnybok propôs à
Alemanha declará-lo um herói que “lutou pela verdade”. No parlamento
ucraniano, onde o Svoboda detém inéditos 37 assentos, o vice de
Tyahnybok, Yuiy Mykhalchyshyn, cita com frequência Joseph Hoebbels. Ele
próprio fundou um thinktank originalmente chamado de Centro de Pesquisa Política Goebbels. Segundo Per Anders Rudling,
acadêmico especialista em movimentos neofascista na Europa, o
auto-intitulado “nacional socialista” Mykhalchyshyn é o principal elo
entre a ala oficial do partido Svoboda e as milícias neonazistas, como
o Right Sector.
Right Sector é um grupo nebuloso, que se auto-intitula “nacionalista autônomo”. Seus membros são identificados pelo jeito skinhead de
trajar, estilo de vida ascético e fascínio pela violência nas ruas.
Armado com escudos e porretes, o grupo ocupou as linhas de frente das
batalhas nas manifestações deste mês, enchendo o ar com seu tradicional
canto: “A Ucrânia, acima de tudo!”. Em um vídeo-propaganda recente [veja
abaixo], o grupo prometeu lutar “contra a degeneração e o liberalismo
totalitário, pela tradição moral nacional e os valores familiares.” Com o
Svoboda ligado a uma constelação de partidos neofascistas
internacionais por meio da Aliança dos Movimentos Nacionais Europeus, o Right Sector promete levar seu exército de jovens desiludidos a “uma grande Reconquista Europeia”.
As políticas abertamente pró-nazistas do Svoboda não impediram
o senador americano John McCain, de falar num comício do partido, ao
lado de Tyahnybok; nem evitaram que a secretária-assistente do Estado,
Victoria Nuland, desfrutasse de um encontro amigável com o líder do Svoboda, em fevereiro. Ansioso por se defender de acusações de anti-semitismo, o dirigente hospedou
recentemente o embaixador israelense da Ucrânia. “Eu gostaria de pedir
aos israelenses que respeitassem também nossos sentimentos patriotas”,
Tyahnybok observou.
“Provavelmente, todos os partidos do Knesset [parlamento de Israel] são
nacionalistas. Com a ajuda de Deus, deixe-nos ser assim também.”
Numa conversa telefônica vazada com
o embaixador dos EUA na Ucrânia, Geoffrey Pyatt, Nuland revelou seu
desejo de que Tyahnybok permaneça “do lado de fora”, mas que se consulte
com Arseniy Yatsenyuk, o preferido dos EUA para substituir Yanukovich,
“quatro vezes por semana.” Em 5 de dezembro de 2013, na Conferência da
Fundação EUA-Ucrânia, Nuland destacou
que Washington havia investido 5 bilhões de dólares para “desenvolver
habilidades e instituições democráticas” na Ucrânia, embora não tenha
acrescentado nenhum detalhe.
“O movimento da praça Maiden incorporou os princípios e valores que
são os pilares de todas as democracias livres”, proclamou Nuland.
Duas semanas depois, 15 mil membros do Svoboda realizaram uma cerimônia
com tochas na cidade de Lviv, em homenagem a Stepan Bandera,
colaborador nazista da Segunda Guerra Mundial e então líder da
Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN-B), pró-fascista. Lviv
tornou-se o epicentro
das atividades neo-fascistas na Ucrânia, com os dirigentes eleitos do
Svoboda liderando uma campanha para renomear o aeroporto (em homenagem
ao líder fascista) e a antiga Praça da Paz. Isso, eles já conseguiram.
Ela honra, agora, o Batalhão Nachtigall, rememorando um grupo, ligado à
OUN-B, que participou diretamente do Holocausto. “Paz’ é um resquício
dos estereótipos soviéticos”, explicou um deputado do Svoboda.
Reverenciado
pelos nacionalistas ucranianos como legendário lutador da liberdade, a
verdadeira história de Bandera foi infame, na melhor das hipóteses.
Depois de participar da campanha para assassinar ucranianos que
defendiam a pacificação com os poloneses, durante a década de 1930, as
forças de Bandera determinaram-se a limpar etnicamente a Ucrânia
ocidental dos poloneses, entre 1943 e 1944. No processo, mataram mais de
90 mil poloneses e muitos judeus, a quem o seguidor mais destacado de
Banderas, o “primeiro ministro” Yaroslav Stetsko, estava determinado a
exterminar. Bandera aferrou-se à ideologia fascista mesmo nos anos do
pós-guerra, defendendo uma Europa etnicamente pura e totalitária,
enquanto o Exército Insurgente Ucraniano (UPA), ligado a ele, travava
uma luta armada sem futuro contra a União Soviética. O banho de sangue
só cessou quando agentes da KGB o assassinaram em Munique, em 1959.
As conexões da Direita
Muitos membros sobreviventes da OUN-B fugiram para a Europa Ocidental
e para os EUA – por vezes, com ajuda da CIA –, onde forjaram
silenciosamente alianças políticas com elementos da direita. “Você tem
que entender, nós somos uma organização subterrânea. Nós passamos anos
em silêncio, alcançando posições de influência”, disse um membro ao
jornalista Russ Bellant, que documentou o ressurgimento do grupo nos
Estados Unidos, em seu livro de 1988, Velhos nazistas, Nova Direita, e o Partido Republicano.
Em Washington, a OUN-B reconstitui-se sob a bandeira do Comitê do Congresso Ucraniano para os EUA [Ukrainian Congress Committee of America (UCCA)],
uma organização composta por “frentes 100% OUN-B”, segundo Bellant. Em
meados da década de 1980, o governo Reagan ligou-se a membros da UCCA. O
líder do grupo, Lev Dobriansky, serviu como embaixador nas Bahamas, e
sua filha, Paula, teve um posto no Conselho de Segurança Nacional.
Reagan recebeu pessoalmente Stetsko, o líder banderista que
supervisionou o massacre de 7 mil judeus em Lviv, na Casa Branca, em
1983.
“Seus problemas são nossos problemas”, disse Reagan para o colaborador nazista. “Seu sonho é o nosso sonho.”
Em 1985, quando o Departamento de Justiça lançou a cruzada para
capturar e processar os criminosos de guerra nazistas, a UCCA agiu
rapidamente, pressionando o Congresso a travar a inciativa. “A UCCA
também tem desempenhado um papel de liderança na oposição de
investigações federais dos supostos criminosos de guerra nazistas, desde
o início da relação entre as entidades, no final dos anos 1970″,
escreveu Bellant. “Alguns membros da UCCA têm muitas razões para se
preocupar. Elas remontam a 1930.”
Ainda hoje uma força lobista ativa e
influente em Washington, a UCCA não parece ter abandonado sua
reverência pelo nacionalismo banderista. Em 2009, no 50º aniversário da
morte de Bandera, o grupo proclamou-o “um símbolo de força e justiça para seus seguidores”, que “continua inspirando a Ucrânia hoje em dia”. Um ano depois, o grupo homenageou
o 60º aniversário da morte de Roman Shukhevych, o comandante do
Batalhão Nachtigall da OUN-B, que massacrou judeus em Lviv e Belarus,
chamando-o de “herói” que “lutou pela honra e justiça…”
De volta a Kiev em 2010, o então
presidente Viktor Yuschenko concedeu a Bandera o título de “Herói
Nacional da Ucrânia”, marcando o ponto culminante dos seus esforços para
construir uma narrativa nacional anti-russa capaz de “higienizar” o
fascismo da OUN-B. (A esposa de Yuschenko, Katherine Chumachenko,
atuou no governo Reagan e foi ex-funcionária da Heritage Foundation,
claramente identificada com a direita “neoconservadora”). Quando o
Parlamento Europeu condenou a proclamação de Yuschenko como uma afronta
aos “valores europeus”, a afiliação ucraniana da UCCA no Congresso
Mundial reagiu com indignação, acusando a UE de “reescrever a história da Ucrânia na Segunda Guerra Mundial”. Em seu site, a UCCA tentou rotular os registros históricos da colaboração de Bandera com os nazistas como “propaganda soviética”.
Após a derrubada de Yanukovich neste mês, a UCCA ajudou a organizar comícios em todas as cidades dos EUA, em apoio aos manifestantes. Quando centenas destes marchavam
pelo centro de Chicago, alguns agitavam bandeiras da Ucrânia, enquanto
outros orgulhosamente carregavam as bandeiras vermelhas e pretas da UPA e
OUN-B. “Os EUA apoiam a Ucrânia!” eles gritavam.
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