Mauro Santayana, na Rede Brasil Atual
O Brasil entra em temporada de
Copa e eleições sob a cobiça de blocos, nações e empresas do mundo. E
tem como adversários internos o complexo de vira-lata de setores da
imprensa e da sociedade
por Mauro Santayana
publicado
16/02/2014 13:05
Agência Brasil
Desde a criação do calendário, pelos sumérios, há 4 mil anos, o desenrolar dos acontecimentos deixou de depender exclusivamente do acaso, para incluir feriados e eventos religiosos e políticos que passaram a datar e servir de palco para a história. O Brasil, neste 14º ano do milênio, contará com dois grandes marcos desse tipo: a Copa do Mundo e as eleições. Eles contribuirão para chamar ainda mais a atenção da população mundial para um país que já é importante, por si só, globalmente. Com todos os nossos problemas, e o complexo de vira-lata de amplos setores da sociedade, somos o quinto maior país em território e população, o segundo maior exportador de alimentos, a sétima economia e o terceiro maior credor individual externo dos Estados Unidos.
Tudo isso obriga não apenas a que o Brasil não possa
ser ignorado, mas faz, também, com que nosso país seja cobiçado, e
esteja sendo ferrenhamente disputado, nos mais variados aspectos da
economia e da geopolítica, pelos principais blocos, nações e empresas do
mundo. O crescimento da dimensão política e econômica da Nação, nestes
primeiros anos do século 21, transformou o Brasil na bola da vez de uma
permanente batalha, entre espoliação e independência, entre o modelo dos
últimos 200 anos e a busca de caminhos alternativos para a construção
do desenvolvimento econômico e social da humanidade. As antigas
potências coloniais e neocoloniais, que lutam para manter nosso país, ou
amplos setores dele, sob sua influência, sabem que esse embate se dará,
na economia, na política, na comunicação, e têm plena consciência do
que está em jogo.
Na economia, é de se esperar que elas reforcem, nos
próximos meses – sempre com a dedicada ajuda da grande mídia –, o
discurso de esvaziamento da importância econômica do Mercosul; de
valorização de mitos neoliberais como o da Aliança do Pacífico; de
fragilidade dos fundamentos de nossa macroeconomia; da existência de um
suposto protecionismo brasileiro, teoricamente responsável pela
diminuição de nosso percentual de participação no comércio mundial –
para o qual só haveria um remédio, o de estabelecer rapidamente acordos
de livre comércio com os países mais ricos.
Assim, enquanto setores da imprensa nacional e
internacional distraem determinadas parcelas da opinião publica, com
alertas sobre a Argentina de Cristina Kirchner, a Venezuela de Nicolás
Maduro e a “bolivarianização” do Brasil e do Mercosul, os Estados Unidos
e a Europa aproveitam para avançar sobre nosso mercado interno,
aumentando, como fizeram em 2013, seus superávits em 50% e 1.000%,
respectivamente.
Às potencias ocidentais e aos seus prepostos não
interessa divulgar que elasdiminuíram quase que na mesma proporção suas
importações de produtos brasileiros no ano passado. Como não é
conveniente ressaltar, também, o fato de que, no comércio com países
“bolivarianos”, como a Venezuela e a Argentina, tivemos um superávit
somado de mais de US$ 10 bilhões em 2013, sem o qual teríamos tido um
enorme déficit comercial.
O mesmo esforço, de distorção e manipulação,
continuará ocorrendo, neste ano, com a “glamourização” da Aliança do
Pacífico, pseudo-organização fomentada pelo México com a ajuda de
Estados Unidos e Espanha, como a última limonada do deserto em termos de
associação comercial. A situação real da AP é tão boa que seu maior
expoente – justamente o país de Zapata –teve crescimento de 1,2% no ano
passado, menos da metade dos 2,5% estimados, no mesmo período, para o
Brasil.
Obedecendo à mesma estratégia, os meios de
comunicação europeus e norte-americanos, secundados pela mídia
conservadora brasileira e latino-americana, subirão o tom de sua
campanha contra os Brics, aproveitando momento em que o Brasil ocupa a
presidência de turno, e organiza, como anfitrião, a cúpula que reunirá
em junho, em Brasília, os lideres de Brasil, Índia, China e África do
Sul.
Naturalmente, como ocorre com o nosso comércio com
países como a Venezuela, a grande mídia devera ocultar ou relativizar a
informação de que, nos últimos 12 meses, além do Mercosul, foi também
para a China, e não para os países ocidentais, que aumentamos fortemente
nossas exportações, em 10,4%, e nosso superávit, para quase US$ 9
bilhões.
Considerando-se o que estão ganhando por aqui, é
natural que aumentem as pressões favoráveis a uma rápida assinatura de
um acordo comercial entre o Brasil – com ou sem Mercosul – e a União
Europeia, o que abriria as portas para futuro entendimento desse tipo
com os próprios Estados Unidos.
Essa é uma hipótese que o Brasil terá de analisar sem
pressa e com todo o cuidado. Somadas as remessas de lucro, estimadas em
US$ 24 bilhões em 2013, e o déficit de US$ 26 bilhões no comércio
exterior, apenas com a Europa e os Estados Unidos, já estamos
contribuindo com uma sangria de meia centena de bilhões de dólares por
ano para ajudar as potências ocidentais a enfrentar a crise em que se
encontram. Se compararmos esses US$ 50 bilhões com um ganho quase
equivalente obtido pelo Brasil no comércio com países emergentes –
principalmente América Latina, Caribe, Brics e Mercosul – fica fácil
perceber quem está nos espoliando, e com que tipo de parceiros é
interessante nos associarmos, prioritariamente, no futuro.
Como está ficando difícil para quem não abdica de
continuar explorando, do jeito que puder, nossos recursos e mercado,
colocar no poder governos de direita e assumidamente alinhados com seus
interesses, o objetivo, em 2014, continuará sendo sabotar
institucionalmente o Brasil, mesmo que ele esteja proporcionando
extraordinários ganhos.
A estratégia, nesse caso, passa não apenas pelo
desmantelamento da imagem da nação do ponto de vista econômico, mas
também pela promoção do caos, para dificultar a governabilidade, e
colocar em questão, dentro e fora de território brasileiro, nossa
capacidade de gestão e de realização. É essa linha de ação que alimenta a
tese de que não estamos preparados para organizar grande eventos, como a
Copa e as Olimpíadas, mesmo que, para fazer a omelete, quebrem-se
alguns ovos, prejudicando também a imagem e a situação
político-administrativa de estados e municípios governados pela oposição
também envolvidos com a Copa.
Não será de estranhar, portanto, se houver, nos
próximos meses, infiltração, aproveitamento ou criação de novos
“movimentos”, passíveis de se espraiar para as ruas, e eventuais ações
voltadas para a intimidação do público turístico que nos visitará este
ano, como a sabotagem dos sistemas de transporte e de hospedagem, o
cerco a estádios, incêndios e fechamentos de ruas etc.
A tudo isso se soma a percepção, pelo cidadão comum,
da ausência de um debate político de melhor nível, que possa levar à
discussão de propostas para a formatação de um novo projeto nacional.
Até que ponto isso poderá influenciar a posição do eleitorado? O governo
tem realizado avanços, mas decide cada vez mais sob pressão das
circunstâncias, dos meios de comunicação, do Congresso, da aproximação
das eleições e de uma base aliada fragmentada, mais preocupada com seus
próprios interesses do que com a situação do pais.
E a criminalização da política – tema preferencial da
grande mídia – ajuda a distorcer ainda mais esse quadro, aos olhos do
eleitor, nivelando todos os homens públicos por baixo e facilitando o
trabalho de uma minoria radical, cada vez mais atuante, que odeia a
democracia e sonha com a volta da ditadura e a derrocada do Estado de
Direito.
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