Léa Maria Aarão Reis no Carta Maior
Nove
milhões de idosos foram incluídos na sociedade brasileira no espaço de
tempo da última década. É muita coisa. Neste período, inúmeras
iniciativas foram tomadas pelo estado e são bem-vindas. “Mas ainda há um
descompasso entre elas e a realidade”, diz, com razão, o médico Renato
Veras, especialista em envelhecimento da população, idealizador e
diretor-geral da Universidade da Terceira Idade (Unati), da Uerj, com
mais de dois mil alunos maiores de 60 anos de idade e com cursos para
cuidadores de idosos e outros profissionais da área. Para Veras, a
situação de vulnerabilidade dos mais velhos, hoje, é até mais complexa
do que antes, quando eles eram praticamente invisíveis aos olhos do
estado. Hoje, há menos nascimentos e as mortes são adiadas. O número de
contribuintes diminui e o de beneficiários aumenta enquanto o país tem
24,85 milhões de brasileiros com mais de 50 anos de idade.
A
história (real) da senhora dizendo para a filha que vai buscá-la no
hospital, curada, é emblemática: “Agora está muito difícil morrer, minha
filha”.
Na
maioria dos países ocidentais a questão da aposentadoria é a grande
discussão. Os aposentados de hoje fizeram um acordo social lá atrás, em
um mundo que passou, para usufruir a aposentadoria durante seis, sete
anos. Agora vivem mais vinte, trinta anos e o modelo antigo não cabe
mais no corpo dessas pessoas – serviu para outro período no qual a
expectativa de vida era menor.
Na
França, há três anos, os aposentados foram para as ruas em massa
exigindo o cumprimento de direitos que se encontravam ameaçados pelo
governo neoliberal de Sarkozy. Eles invocavam as regras elaboradas
quando começaram a trabalhar – naquele mesmo ambiente do qual falávamos;
que não existe mais. Na Europa, os idosos, assim como os jovens, estão
sendo as primeiras vítimas do desmantelamento do sistema de bem-estar
social operado com empenho pelas políticas de austeridade dos governos conservadores, de direita.
Na
Argentina, um dia a galinha dos ovos de ouro de alguns banqueiros
deixou de botá-los para se dedicar aos idosos, como comentam, com humor,
certos analistas portenhos. O governo estatizou os fundos de pensão, a
medida resultou em pouco tempo em um aumento em termos reais da renda
média dos aposentados e incluiu no sistema todos os idosos maiores de 65
anos - os que contribuíram ou não para o sistema previdenciário.
No
Brasil, o descompasso nas aposentadorias é gritante. Acompanha a
renitente desigualdade social. E se insere em uma divisão anacrônica de
castas: por um lado, ao estado cabe pagar altos benefícios aos seus
funcionários diretos que se aposentam (como aos militares e seus
descendentes mulheres solteiras, por exemplo). Por outro, para os que se
valem do INSS, os valores são achatados. Estima-se que 10% do total de
aposentados recebem valores milionários. Quantos deles conseguiram
chegar ao teto de 4159,00 – não se sabe.
Sabe-se,
sim, que entre 17 milhões de aposentados brasileiros 220 mil pessoas
recebem benefícios entre 3 000,00 e o limite. O fator previdenciário
criado durante o governo neoliberal do PSDB reduziu em cerca de 30% os
valores do benefício anteriormente calculado sobre dez salários mínimos -
na época, R$415,90. Hoje, sem o fator, o teto seria de R$7240,00.
Naquele
momento, a cantilena tinha vários tons. O primeiro: “O Brasil envelhece
e não tem como sustentar os velhinhos”, como diziam ex-funcionários do
Ipea na ocasião. O segundo: “É preciso flexibilizar a Previdência.” O
terceiro tom, o mais desafinado, se tornou célebre: “Há velhinhos que
são vagabundos”.
Alguns
mantras persistem até aqui com variáveis de falsas notas – ou
esperanças. Promessas alvissareiras não cumpridas foram ensaiadas na
primeira campanha para presidente de Luiz Inácio Lula da Silva. O fator
previdenciário, dizia-se, seria analisado e mudado (ou abolido). Até
hoje ele vigora, impávido.
Mesmo
aos tropeços, o idoso brasileiro, assim como a da população de baixa
renda que não participava do mercado de consumo, começou a se fazer
presente. Hoje, o idoso compra mais medicamentos (por força da
longevidade esticada), viaja, alimenta-se melhor. No entanto, sua
fragilidade foi ampliada. Há mais casos de diabetes, hipertensão,
disfunções cardiovasculares, mal de Alzheimer, doenças senis e crônicas
ou degenerativas próprias da velhice, como as relacionadas às
articulações - artrose, artrite, osteoporose – que exigem novos gastos.
No entanto, a parcela da população idosa protegida socialmente passou de
74% em 1992 para 82% em 2013.
O
certo é que a partir de algum ponto, na medida em que a idade avança, o
indivíduo custa mais ao estado, lembra Veras. Já a pequena classe média
que deseja usufruir de uma velhice confortável, um envelhecer com
qualidade, equilibra-se com sérias restrições no orçamento por conta dos
altos valores dos planos de saúde privada, uma área pouco regulada e
com serviços que, com freqüência, não correspondem aos preços
estipulados.
Mas
o quadro geral permite esperanças renovadas. Serve lembrar que saúde,
bem-estar e autoestima constituem a base da vida do idoso e o leva, mais
confiante, a consumir. O chamado mercado maduro surge e traz
um público alvo ideal (antes ele era marginalizado) com menos
inadimplência, onde o consumo é reflexivo, a rede de contatos do
cliente/comprador é poderosa e há forte fidelização de marcas e
serviços.
Caso
o indivíduo aprecie o produto, o seu preço, o local e/ou o atendimento
do serviço ele firmará o hábito e não mudará. Conservador no que diz
respeito ao consumo, raramente o idoso nutre o interesse pela novidade, o
que é uma característica marcante do jovem. Por isto, neste mercado maduro
que tende a crescer cada vez mais e com uma rapidez que vai atropelando
todas as pesquisas e expectativas, farmácias criam cartões especiais
com descontos para os mais velhos; agências de viagens oferecem pacotes
especiais na baixa temporada; profissões novas se expandem, como a de
cuidadores e professores de educação física especialistas em exercícios
para os velhos. Faculdades abrem cursos com turmas especiais – nelas o
número de mulheres é esmagador. Na internet, o contingente de indivíduos
a partir de 50 anos é o que apresenta, segundo a Pnad/2012, o maior
percentual de internautas no país: 20,5%.
O
perfil de formadores de opinião dos idosos também é uma força. Eles são
influentes nos hábitos familiares e participam de decisões de compras
importantes. Ter um idoso na família, no passado, muitas vezes era um
fardo. Hoje, pode até ser fonte de renda porque mesmo aposentados, 35%
dos homens continuam trabalhando.
“Os
idosos dependentes da geração de baixo são em menor número do que o
grupo daqueles que apoiam essa geração que vem atrás. Portanto, eles são
menos apoiados do que apoiam os mais jovens”, registra a demógrafa Ana
Amélia Camarano, coordenadora de pesquisas de População e Cidadania do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Segundo Camarano, há um
ano, “nos 11% da população brasileira idosa, 24% dela chefia os
domicílios brasileiros. Um quarto desses domicílios, portanto, são
chefiados por idosos. E mais: 56% da renda familiar vem do idoso em nada
menos que 10 milhões de domicílios no país.”
Dados
surpreendentes. Para Camarano, a associação entre dependência e
envelhecimento é uma visão estática que “ignora os avanços tecnológicos,
principalmente na medicina, e a ampliação da cobertura dos benefícios
da seguridade social.”
Quais as soluções para assegurar uma velhice digna a todos brasileiros?
Investimento maciço na população idosa com parcelas significativas do
orçamento destinadas a este segmento? As entidades e as associações de
aposentados precisam pressionar. Nas manifestações de junho de 2013, na
tarde para a qual foram convocadas a ir para o Centro do Rio de Janeiro,
era ínfima a presença de indivíduos aposentados ou em vias de descansar
ou, em outros casos, de ser descartado.
Compreende-se
que idosos, pelas limitações da idade, tenham mais restrições para se
fazerem presentes nas ruas. Mas nem por isso os novos velhos são
invisíveis. Continuam votando, por exemplo. Mesmo não sendo obrigados ao
dever do voto, constituem um eleitorado de pelos menos dez milhões de
homens e mulheres.
Pena
que não foram lembrados, no discurso de fim de ano da presidenta Dilma
Rousseff, ao lado das minorias contempladas com o seu registro
presidencial: mulheres, jovens, negros, deficientes, indígenas e
quilombolas. E os idosos? Eles não continuam sendo “velhinhos
vagabundos”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário