Escrito por Guilherme C. Delgado |
A especialização primária
com desindustrialização no comércio externo, acrescida de uma
situação estruturalmente deficitária nas transações com
“Serviços”, caminha para fechar o ano de 2013 com déficit na faixa
de 75 a 80 bilhões de dólares, algo como 3,5% do PIB. Essa
situação vem se deteriorando desde 2008, por meio de dois
agravantes: 1) o déficit da conta de “Serviços” não para de
crescer, pulando dos 50 para a faixa dos 75 bilhões de dólares do
período Lula para o período Dilma, enquanto no início da década
dos anos 2000 (segundo governo FHC) se situara no patamar dos 25
bilhões de dólares; 2) em adição a esse desequilíbrio estrutural,
o comércio exterior de manufaturados sofre o efeito da
‘desindustrialização’, ou seja, crescentemente deixamos de
exportar manufaturados para importá-los. Estima-se em 100 bilhões
de dólares o déficit comercial dos manufaturados ao longo do ano
de 2013
Essa situação de déficits
seguidos e crescentes nas transações externas está bem documentada
empiricamente, já não pode ser escondida mediante discurso
escapista, mas precisa ser interpretada. É algo assim como o
diagnóstico de uma aurora ou de um ocaso, que o observador
experiente não confundirá, bastando saber ler a posição do Sol e a
disposição dos raios solares. Mas identificados objetivamente os
sinais do tempo e constatada a presença de uma aurora ou de um
ocaso (independente da posição ideológica do observador), variam
enormemente os significados do tempo sobre o devir, na percepção e
avaliação dos sujeitos observadores.
Dois fenômenos também
fartamente documentados do ponto de vista empírico se cruzaram
neste ano corrente: a forte concentração de bens primários na
exportação (‘reprimarização’ do comércio externo) e a fuga dos
produtos manufaturados das exportações, trocando de posição para
as importações – a desindustrialização das exportações. E pela
primeira vez desde 1995-99, quando a Balança Comercial foi
seguidamente negativa, poderemos ter uma situação similar em 2013.
Mas a conta da moeda
estrangeira não fecha somente com comércio de mercadorias, daí
porque o tamanho do déficit de Serviços torna-se preocupante,
porque precisa ser financiado com recursos externos. Esses
recursos externos (capitais estrangeiros) acumulam-se na economia,
gerando passivos externos, principalmente as rendas do capital,
geradoras de novos déficits na Conta de Serviços. Essa bola de
neve, quando claramente insolvente, caminha para uma crise
cambial, como a que tivemos em 1999.
A solução para a crise
externa de l999, que foi a de conduzir o sistema econômico para a
via primário-exportadora, seguida de seu irmão siamês, qual seja,
a desindustrialização do comércio externo, não resolve o
desequilíbrio externo. Isto agora está meridianamente claro. O
problema maior está na leitura que o sistema conservador ora faz
do sentido de sair da crise cambial que se desenharia, com a
repetição do último triênio (2010/2013) por mais outro. Parece que
se volta a apostar no aprofundamento da exploração das
“commodities’ do setor primário, especialmente do petróleo, cujos
ritmos de produção precisariam experimentar superexploração em
médio prazo para dar solvência à dependência externa.
A conjuntura atual desenha
certa reversão cíclica dos preços externos de produtos minerais,
exceto petróleo, agrícolas e pecuários, algo que é normal na
história econômica, mas que virou um problema fundamental para a
economia brasileira, dado o caminho estruturado na última década.
Temos algum tempo para
resolver os dilemas do presente. A eleição de 2014 não será igual
à de 1998, quando a mídia sistematicamente escondeu a crise
cambial para não prejudicar a reeleição do presidente Fernando
Henrique. Agora ao contrário, tenta-se forjar uma crise cambial
iminente, que não é verdadeira. Mas é infelizmente uma
meia-verdade, tecida pelo casamento infeliz da ‘reprimarização’
com a desindustrialização do comércio externo, processos que não
são apenas fenômenos empíricos, mas estruturas perversas da
economia política do subdesenvolvimento, recuperadas depois de
1999, mas que precisam ser reformadas em profundidade.
Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
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