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O colorado Horacio Cartes (foto) encabeçará
um novo governo com amplíssimo apoio na Câmara e no Senado. Ele também
obteve um triunfo fragoroso na capital Assunção. Para os dois grandes
vizinhos, o Brasil e a Argentina, o desafio será como criar instrumentos
para ir medindo os passos do presidente colorado com mais agudeza que a
demonstrada por ambos nos últimos anos.
Buenos Aires – O amplo triunfo de Horacio Cartes parece indicar uma nítida correção
de um período que poderia ficar como uma anomalia da história
paraguaia. O primeiro capítulo dessa fase anômala foi o governo do
centro-esquerdista Fernando Lugo. O segundo, depois do golpe de palácio
contra Lugo, o mandato de dez meses do Partido Liberal Radical Autêntico
(PLRA). Jamais havia governado um presidente de centro-esquerda. Desde o
general José Félix Estigarribia Insaurralde, que governou entre 1939 e
1940, nunca um liberal. Desde então o Paraguai foi sempre para o Partido
Colorado. Muitas vezes por eleições. E muitos anos por tirania. O longo
ciclo de Alfredo Stroessner terminou em 1989, com o golpe de Andrés
Rodríguez, que iniciou uma transição sustentada pelo então presidente
argentino Raúl Alfonsín.
Martín Granovsky - Página 12
Data: 24/04/2013
A investigadora argentina Lorena Soler, uma das poucas especialistas sobre o Paraguai no Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Tecnológicas (Conicet/Argentina), definiu Cartes como “um empresário obscuro, dedicado entre outras coisas ao comércio ilegal de tabaco com o Brasil”.
A verdade é que esse personagem é o que encabeçará um novo governo colorado que terá amplíssimo apoio na Câmara e no Senado. Cartes também obteve um triunfo fragoroso na capital Assunção.
Fizeram um mau cálculo os liberais se pensaram que a presidência de Federico Franco, o vice de Lugo que acabou substituindo-o depois do processo político mais curto da história, com menos de 48 horas em junho de 2012, culminaria em uma presidência validada pelo voto popular.
Naquele momento Franco enviou sua prima para negociar um governo bipartidário com Cartes. O empresário lhe disse que os senadores colorados apoiariam o golpe no Senado, mas que Franco deveria governar sozinho. Transmitiu-lhe que ficasse tranquilo e completasse o mandato.
Nisso surgiu a candidatura liberal de Efraín Alegre. Os resultados de domingo sepultaram a esperança e demonstraram que Cartes já vislumbrava em 2011 o que queria e o que poderia conseguir: que os liberais se queimassem sozinhos e, diante da escassa construção e da divisão da centro-esquerda, ficasse claro para todos que o Paraguai é colorado ou não é.
Os liberais e os colorados têm linhas internas que vão da direita à esquerda, como o peronismo ou o radicalismo na Argentina. A diferença é que, enquanto peronistas e radicais nunca pilotaram governos inconstitucionais, os colorados têm em sua história o stronismo e os liberais anotaram no último período o mandato golpista de Franco.
Os resultados das duas forças de centro-esquerda confirmaram que a edificação de partidos sólidos durante a presidência de Lugo foi uma enorme debilidade que facilitou o golpe e domingo não colocou nenhum dos dois candidatos em segundo lugar.
O jornalista e dirigente político Mario Ferreiro e a Frente Guasú de Aníbal Carrillo ficaram longe de colorados e também de liberais. Lugo foi o candidato a senador de Carrillo.
Ferreiristas e luguistas têm diante de si uma possibilidade aberta. Terminado o período em que cada qual tentava mostrar sua força relativa por presunções ou pesquisas de intenção de voto, agora dispõem de dados que lhes permitiriam articularem ações e inclusive uma frente, sabendo quem é quem em cada canto do Paraguai. Se conseguirem coordenar pelo menos seus legisladores, darão lugar a um conglomerado com capacidade de crítica testemunhal, visibilidade pública como para formar parte de uma eventual ferramenta política fora do Parlamento e, também, para fixar-se em posição de resistência aproveitando alguma fissura dos dois partidos majoritários.
Para os dois grandes vizinhos, o Brasil e a Argentina, o desafio será como criar instrumentos para ir medindo os passos de Cartes com mais agudeza que a demonstrada por ambos nos últimos anos. Cada país se dá seu próprio governo e ninguém em seu juízo pode criticar Brasília e Buenos Aires por não terem formado uma equipe de intervenção para fortalecer Lugo frente ao golpe e depois para impedir a vitória do “comerciante obscuro”. É verdade que os dois governos se mostraram enérgicos em sua desaprovação ao golpe e na sanção ao Paraguai dentro do Mercosul: o governo de Franco foi suspenso no desfrute de seus direitos plenos como membro do bloco. Mas, no meio da inação inicial e a contundente ação posterior, e descartando qualquer intervenção desmedida, fizeram o que estava ao seu alcance? O Paraguai é um vizinho, e a sorte de um vizinho sempre importa. Pelo destino do vizinho, se um país é generoso, e por interesse próprio, já que nunca é conveniente ter desgostos do outro lado da cerca. O Paraguai é um provedor importante de energia elétrica no Brasil. Com a Argentina, seu papel também é decisivo. O empreendimento binacional de Yacyretá fornece 15% da energia elétrica que os argentinos consomem.
Os governos do Brasil e da Argentina e as forças governantes, o Partido dos Trabalhadores e o kirchnerismo, trataram Lugo como se fosse um irmão. Enquanto, com discrição, desconfiavam de sua capacidade de articulação política, sobretudo quando passou o primeiro ano de governo e com ele se eclipsava a popularidade do ex-bispo ligado à Teologia da Libertação sem que nada permanecesse como um marco institucional.
Com Franco a distância foi ostensível
Que acontecerá com Cartes? As saudações de domingo à noite feitas por Cristina Fernández de Kirchner ao presidente eleito mostram um cenário com espírito prático. Um tema pendente é a volta do Paraguai a um Mercosul que mudou nesse meio tempo. A Venezuela não era membro pleno justamente porque faltava a ratificação do Senado paraguaio. Pode sê-lo quando a Argentina, o Brasil e o Uruguai suspenderam Franco e, já sem veto paraguaio, incorporaram o Estado bolivariano. Enquanto os liberais tratavam, sem consegui-lo, de apresentar internacionalmente Franco como um democrata virtuoso frente a um Hugo Chávez que apresentavam como um ditador, o próprio Cartes poupou o trabalho sujo e teceu elogios ao Mercosul e à Unasul.
Lugo e Franco são reis mortos, um por golpe e outro pela derrota eleitoral dos liberais. Cartes é rei posto graças às eleições de domingo. E a rei morto, rei posto. Não parece haver alternativa senão restaurar a convivência com o Paraguai e, desta vez, cruzar os dedos para que os governos da Argentina e do Brasil recuperem a agudeza perdida. Cartes não é Nicanor Duarte Frutos, o presidente colorado que, por exemplo, apoiou o ingresso da Venezuela ao Mercosul e, sem ser de centro-esquerda, construiu uma boa relação com Luiz Inácio da Silva e Néstor Kirchner. E esconde mistérios que só o tempo e a diplomacia revelarão em toda sua amplitude. Cartes pode cerrar fileiras com a Argentina e o Brasil ainda dentro da dissidência ou pode ser um fator de instabilidade. Nossos leitores conhecem as revelações sobre os despachos do Wikileaks nos quais o Departamento de Estado dos Estados Unidos considerou o Mercosul como uma construção regional antinorte-americana. O bloco não era nem é antinorte-americano, mas muitas vezes para Washington não ser pró significa ser anti. A posição estratégica do Paraguai em um momento tão harmônico da América do Sul obriga a prestar atenção para detectar a tempo qualquer sinal não já de fricção entre sócios, mas de discórdia fabricada com sabor artificial.
Tradução Liborio Júnior
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