terça-feira, 16 de abril de 2013

A elevação dos juros entre a marcha da insensatez e o puro oportunismo



J. Carlos de Assis*

Tome cuidado com quem, diante de um problema complexo, alega que só
tem um jeito de acabar com ele. Em geral, é o jeito errado. Em sua
obra monumental, “The Great Wave” (A Grande Onda), que trata da
evolução dos preços no mundo ocidental desde a Idade Média aos nossos
dias, o historiador econômico David Fischer identifica sete tipos de
inflação segundo a suas causas, aos quais, na lista abaixo, acrescento
dois tipos especificamente brasileiros. São eles:

1.Expansão exagerada da oferta monetária.
2.Aumentos excepcionais de demanda agregada.
3.Contração da oferta/quebras de safras.
4.Inflação de custos/espiral salários-preços.
5.Aumentos de preços administrados.
6.Bolhas especulativas.
7.Expectativas.
A essas eu acrescento:

       8. Inflação inercial.

       9. Inflação de origem cambial.

É evidente que, num processo inflacionário aberto, muitas dessas
causas atuam em conjunto. Numa situação de inflação moderada, porém, é
perfeitamente possível identificar suas causas principais. E a causa
principal da inflação brasileira hoje, moderada como é – alguns
centésimos de ponto percentual eventualmente acima da margem superior
da meta – não é de origem monetária, ou seja, não é do tipo que se
pode combater eficazmente com o único instrumento da elevação da taxa
de juros para criar desemprego e conter a demanda.

A razão é que, para empresas e para os ricos, não temos uma moeda
simples, mas uma moeda remunerada. Mais de um terço da dívida
mobiliária pública são constituídos por títulos públicos que rendem
juros diariamente no open à brasileira, e funcionam como caixa de seus
titulares. Num mercado financeiro padrão, uma elevação da taxa básica
de juros leva ao retraimento do crédito. Aqui a maioria das empresas
aumenta sua liquidez monetária quando os juros sobem.

Essa é a principal razão pela qual não existe um conflito de
interesses em torno de juros entre empresas dos setor produtivo e
empresas financeiras. Quando se trata de elevar juros, todas saem
ganhando. Por certo que empresas que não têm dinheiro aplicado no open
e dependem de algum crédito bancário saem perdendo. Mas essas são
minoria. Além disso, a relação “normal” taxa básica de juros e taxas
de juros de empréstimo é tão baixa que uma elevação de alguns pontos
percentuais da primeira praticamente não afeta a segunda. Por isso que
Alexandre Shwarztman, antes do BC e hoje do marcado, quer logo um
aumento de 4 pontos na taxa básica.

Diga-se de passagem que essa distorção estrutural do nosso sistema
financeiro não é culpa só do PT. Vem de longe. Num livro de 1985, “O
Grande Salto para o Caos”, a professora Maria da Conceição Tavares e
eu a denunciamos extensivamente. O curioso é que os chamados
economistas ortodoxas não conseguem percebê-la e insistem em
mecanismos de controle de inflação via indução da queda da demanda ou
do aumento de desemprego com o aumento da taxa de juros que, dada a
nossa institucionalidade, tem um custo muitas vezes superior ao de um
país normal.

Contudo, o fetiche de que só existe um meio de combater a inflação
tem um apelo fantástico entre acadêmicos, oportunistas e vigaristas,
cada um com sua razão. Acadêmicos porque as equações do modelo são
muito elegantes do ponto de vista matemático (“uma regra de três
metida a besta”, como diz meu amigo e co-autor, o matemático Francisco
Antonio Doria); oportunistas e vigaristas, simplesmente porque ganham
com a “moeda financeira” do open à brasileira.

Estamos às vésperas de uma reunião do Copom. Criou-se todo um clima
para o aumento da taxa básica de juros. O único efeito relevante
disso, se acontecer, é que haverá um aumento concomitante da dívida
pública, do déficit nominal e, portanto, da necessidade de remunerar
de forma crescente a dívida pública indexada à Selic. É a correção
monetária da moeda, a pior forma de inflação, na medida em que acentua
um processo inercial já presente nos preços dos serviços públicos.
Seria este, realmente, o único jeito de combater a inflação, sabendo
que a inflação já está cedendo?

Na I Guerra Mundial – conta a historiadora Bárbara Tuchman, em “A
Marcha da Insensatez” - quando exércitos alemães e franceses se
defrontavam, em 1917, no impasse da guerra de trincheiras sem
possibilidade de vitória para nenhum dos lados, o Estado Maior alemão
concluiu que teria uma derrota certa com a eventual entrada dos EUA na
guerra. Mas os EUA relutavam. Sabia-se, porém, que estavam firmemente
comprometido a defender a liberdade dos mares. Acontece que os alemães
estavam produzindo submarinos numa escala de mil por ano. O que fazer
com eles? Parecia que a única coisa a fazer era deflagrar a guerra
submarina. E deflagraram!

*Economista, professor de Economia Internacional da UEPB, autor,
entre outros livros, de “O Universo Neoliberal em Desencanto” e “A
Razão de Deus”.

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