O engenheiro agrônomo Maurício Antônio Lopes, presidente da EMBRAPA
A EMBRAPA é o maior patrimônio tecnológico brasileiro
“Na véspera de assumir a presidência da EMBRAPA, em outubro, o engenheiro agrônomo Maurício Antônio Lopes telefonou para o senador Delcídio Amaral (PT-MS) para conversar sobre o projeto de lei que previa a abertura de capital da estatal de pesquisa agropecuária. A proposta, de autoria do senador, visava capitalizar a empresa e fortalecê-la na competição com as multinacionais de sementes.
O projeto,
que já havia sido rejeitado pela “Comissão de Agricultura e Reforma
Agrária” do Senado, em 2009, voltara à tona em meio a acaloradas
discussões sobre o papel da empresa, que viu sua participação de mercado
cair vertiginosamente nos últimos anos. Lopes não deixou dúvidas sobre
sua posição. Disse que era contra esse modelo de capitalização, mas
apresentou alternativa, mais restrita, que se encontra em gestação: a
criação de uma subsidiária privada, de capital fechado, para
comercializar as tecnologias da EMBRAPA e com a liberdade de se tornar
sócia em novas empresas.
Em dezembro, Amaral, que confirmou o telefonema, comemorou a aprovação, na Comissão
de Assuntos Econômicos do Senado, de um substitutivo de autoria do
senador Gim Argello (PTB-DF) a seu Projeto de Lei 222/2008. Começava a
sair do papel a “Embrapa Tecnologias S.A”. (EMBRAPATEC). Como queria
Lopes.
Quer
dizer que, ao optar pela subsidiária e abdicar da abertura do capital, o
presidente da estatal quer dar de bandeja o mercado brasileiro de
sementes de grandes culturas como soja e milho a múltis como Monsanto e
Syngenta? E que a Embrapa, cujas pesquisas tornaram viável a ocupação do
Brasil central por um agronegócio que se fortalece a cada ano, perdeu
de vez esse bonde?
Em entrevista ao jornal “Valor”,
Maurício Lopes não titubeia ao afirmar que, desse ponto de vista, sim.
Mas a questão, para ele, não é essa, porque a EMBRAPA não foi criada
para brigar por um lugar nesse bonde. As grandes culturas foram, são e
serão importantes, mas a estatal tem outras obrigações e compromissos
como empresa pública, e é na janela de "outros bondes" que ela quer
estar.
Com o
sucesso que obteve no desenvolvimento de variedade adaptadas ao Cerrado,
numa época de carência de pesquisas privadas, a EMBRAPA chegou a ter
60% do mercado brasileiro de sementes de soja e 30% do de milho. Hoje,
as participações caíram para 9% e 1%, respectivamente, e não há qualquer
intenção de recuperar todo o terreno perdido.
Segundo Lopes, é interessante para a estatal manter fatias de 7% a 12% nesses mercados - "até porque não sabemos o que vai acontecer no mundo no futuro"
-, mas medir forças com as grandes múltis seria infrutífero e colocaria
em risco centenas de outros projetos que, sem a EMBRAPA, não existiriam
dada a falta de apelo - ou de retorno financeiro - para as companhias privadas.
"Não é
inteligente, seguro ou prudente para um país como o Brasil deixar o
setor público completamente fora desse ambiente. Mas não queremos ir ao
mercado competir. Há investimentos de alto risco e de longo prazo em
jogo", diz. E surpreende, dada sua especialização.
Agrônomo
formado na Universidade Federal de Viçosa (MG), Lopes fez mestrado em
genética na “Purdue University”, nos EUA, doutorado em genética
molecular na “University of Arizona” e pós-doutorado no “Departamento de
Agricultura da FAO” em Roma.
Pesquisador
da EMBRAPA desde 1989, foi líder do programa de melhoramento de milho da
estatal, chefe de pesquisa e desenvolvimento da “Embrapa Milho e Sorgo”
e diretor-executivo de pesquisa e desenvolvimento da empresa antes de
assumir a presidência.
Ou seja,
Lopes fez carreira em uma das frentes de maior concorrência, mais
investimentos e melhor remuneração da pesquisa agrícola, mas faz questão
de afirmar que não perdeu a noção do todo.
Daí porque
seria impensável dirigir todos os esforços da EMBRAPA, com seu orçamento
total da ordem de R$ 2 bilhões por ano e os entraves burocráticos que
limitam sua agilidade, para bater de frente com grupos como Monsanto,
que só em pesquisas investe mais de US$ 1 bilhão.
Para as
grandes culturas, Lopes defende que a saída da EMBRAPA é mesmo a
cooperação com a iniciativa privada, sem abrir mão do controle das
tecnologias que desenvolve. E a postura se estende também a produtos de
escala menor. Ao todo, dos cerca de 980 projetos tocados pela estatal
atualmente, 350 são financiados com recursos de fora do orçamento
definido pelo governo.
"A
inovação só acontece quando as novidades são incorporadas e chegam no
campo. Em um mercado que vem mudando com rapidez, com forte
concentração, as parcerias podem facilitar esse processo. Temos muitos
negócios, que são complexos. Só em melhoramento, são 64″.
Com a
criação da EMBRAPATEC, a estatal ganhará espaço para a comercialização
de seus produtos e fortalecerá sua atuação exterior, arranhada depois
que o braço internacional criado para isso foi desativado por não
cumprir, em alguns negócios, todos os trâmites burocráticos previstos,
levantando suspeitas. Lopes ainda não era o presidente da empresa, mas
minimiza o fato.
Mais
importante que isso, porém, são os "bondes" nos quais a EMBRAPA, que
comemora em Brasília nesta semana seus 40 anos, quer estar: automação, alimentos nutracêuticos e sustentabilidade, três grandes temas que influenciam cada vez mais os rumos de produção e comercialização de produtos do agronegócio.
"A mão de
obra está cada vez mais escassa e esse será um grande problema para a
agricultura. Lidar bem com isso dependerá de políticas públicas e
ciência. O trabalho no campo tem que ser menos penoso, até para
facilitar a sucessão nas propriedades, uma vez que muitos filhos de
produtores já não querem dar continuidade ao trabalho dos pais".
Entre as
pesquisas feitas nessa frente e que tendem a ser aceleradas, estão
máquinas e equipamentos e novas ferramentas voltadas à agricultura de
precisão, que reduz desperdícios e eleva produtividades.
O binômio
“políticas públicas e ciência” volta a ser citado por Lopes no caso dos
alimentos nutracêuticos, aqueles capazes de proporcionar benefícios
extras à saúde. "No futuro, se não mudar o paradigma da cura para o
da prevenção, os sistema de saúde não vão aguentar. Por isso, a
agricultura será fundamental".
Com um
detalhe. Ainda que seja perfeitamente possível desenvolver novas
variedades de soja ou milho com características nutracêuticas, culturas
de menor escala como as hortaliças e frutas terão grande peso nesse
mercado, e muitas delas não interessam aos grupos privados.
E, claro, há a sustentabilidade da produção, já responsável por mudanças importantes. "Será
preciso 'descarbonizar' o setor, cuja emissão é grande. Temos as
emissões entéricas dos bovinos, dejetos e grande uso de nitrogênio. Sem
falar dos desafios com as mudanças climáticas". Segundo Lopes, há
400 pesquisadores da EMBRAPA envolvidos em trabalhos sobre diferentes
pontos ligados às mudanças climáticas. Com elas, prevê, haverá nova
dinâmica de migração da produção, "e é hora de abrir novos caminhos".
Para ele,
são novos caminhos que serão percorridos independentemente das futuras
mudanças na administração da empresa, que dependem do partido que ocupa o
Planalto ou mesmo da linha política predominante em um mesmo partido ou
governo. "Uma das palavras que mais uso é 'processo'. A lógica das
organizações é muito verticalizada, e o pior dos mundos é quanto as
personalidades superam os processos".
FONTE: publicado no jornal “Valor” e transcrito no site “DefesaNet” (http://www.defesanet.com.br/tecnologia/noticia/10587/EMBRAPA---Os-novos-desafios-que-a-norteiam).
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