Para surpresa dos analistas, foi aprovado um Imposto sobre Transações
Financeiras, que começará a ter vigência em 2014 em 11 países
europeus. Como era de se esperar, a proposta está sendo bombardeada
pelos analistas e colunistas vinculados à banca, em todos os meios de
comunicação.
Paulo Kliass
As conseqüências da crise econômico-financeira têm afetado de forma
particular os países menos consolidados da União Européia. As
propostas apresentadas pela chamada “troika” chegam a assustar apenas
pela expectativa de seu possível anúncio. É assim que ficou conhecida
a trinca institucional composta pelo Fundo Monetário Internacional
(FMI), pelo Banco Central Europeu (BCE) e pela Comissão Européia (CE).
Até o momento, os representantes desses organismos têm trabalhado em
sintonia e bem articulados entre si, com a edição de medidas que
visam, em tese, encontrar soluções para a crise no espaço do velho
continente.
Ocorre que, ao fazermos um balanço preliminar da atuação desses
órgãos, torna-se evidente uma espécie de esquizofrenia funcional.
Quando se trata de salvar os grandes conglomerados do sistema
financeiro e todo o mundo empresarial que gira em seu entorno, a
“troika” não tem poupado esforços. O BCE e os próprios governos
nacionais têm injetado recursos orçamentários trilionários para evitar
a quebra dos bancos e instituições assemelhadas, com o discurso de que
eles são “grandes demais para quebrar” (expressão que veio do jargão
em inglês “too big to fail”). Assim, cai por toda terra todo o
discurso de que não haveria recursos disponíveis nos orçamentos para
executar as políticas sociais e os novos investimentos necessários em
infra-estrutura. Isso porque, em oposição às benesses oferecidas
graciosamente para o financismo, a troika recomenda aos governos dos
países integrantes da União Européia muita austeridade e seriedade no
controle do gasto público. Leia-se: corte radical nas despesas. Os
resultados dessa política irresponsável nós temos assistido nos casos
de Irlanda, Portugal, Grécia e Espanha, entre outros. As conseqüências
são o aprofundamento da recessão, o aumento do desemprego e a redução
significativa das políticas de bem estar social.
Até o FMI já admite taxar as transações financeiras
No entanto, a profundidade da crise que assola o território europeu é
de tal monta que, por vezes, os próprios espaços institucionais de
tais organismos multilaterais apresentam contradições, de acordo com o
discurso do momento e com a correlação de forças em seu interior
naquele período. O FMI, por exemplo, já iniciou um lento movimento de
alguma renovação interna e começa a apresentar proposições que apontam
em direção distinta daquela ortodoxia radical e cega que tanto marcou
os anos de ouro do apogeu do neoliberalismo.
Um dos temas, até anteontem considerado como um grande tabu entre os
economistas do “establishment”, é a medida conhecida como Taxa Tobin.
Trata-se de um imposto a ser aplicado sobre as transações financeiras
em escala internacional e que teria o efeito de promover algum grau de
redistribuição de renda no interior dos países que o adotassem ou em
nível global, caso se converta em medida aceita pelo conjunto das
nações. De certa forma, a nossa antiga Contribuição Provisória sobre
Movimentação Financeira (CPMF) era um tributo de natureza semelhante,
mas de uso apenas no plano doméstico. Foi instituída para dar
sustentabilidade financeira aos recursos necessários para saúde e seu
fim tem provocado sérias perdas para esse setor, tão estratégico e
sempre tão carente de verbas públicas.
Mas a novidade é que a realidade concreta da crise tem se revelado
tão dura que até o FMI já começa a admitir a possibilidade de
implementação da Taxa Tobin em nível global. As dificuldades são
enormes, pois a engenheira diplomática para fazer valer uma medida
desse porte é bastante complexa.
Os “lobbies” da banca sobre seus próprios governos nacionais e sobre
as instâncias multilaterais são conhecidos e a resistência à sua
aceitação ainda é muito grande. A começar por países como Estados
Unidos e Inglaterra, por exemplo. Mas o movimento em prol da medida
avança, na trilha oferecida por movimentos que lutam por uma nova
ordem econômica mundial. É o caso da ATTAC, sigla da “Associação para
a Taxação das Transações Financeiras para Ajuda aos Cidadãos”, criada
da França em 1998. Rapidamente, a iniciativa começou a ganhar espaço
na cena internacional, muito na onda do altermundismo e das
articulações em torno das diversas etapas do Fórum Social Mundial.
A União Européia cria tributo similar à Taxa Tobin
No Brasil os representantes dos interesses do financismo estremecem
nas bases, só de ouvir uma simples menção ao assunto. Tanto que não há
espaço algum na agenda controlada pelos editores de economia dos
grandes órgãos de comunicação. Nem mesmo a publicação de uma obra
consolidada sobre o tema, editada em uma parceria do IPEA com a
Fundação Alexandre Gusmão (Ministério das Relações Exteriores), ganha
alguma linha ou comentário. Trata-se do livro “Globalização para Todos
– Taxação Solidária sobre os Fluxos Financeiros Internacionais”. Na
obra são recuperadas discussões sobre a matéria e apresentados
trabalhos mais atuais. Assim podem-se perceber previsões de
arrecadação que chegariam a US$ 300 bilhões, caso a taxa seja
implementada em escala global com uma alíquota irrisória de 0,01%.
Apresenta-se, dessa forma, como um bom caminho para custear programas
de combate à miséria e à pobreza no mundo, além de promover algum tipo
preliminar de redistribuição de renda no plano internacional.
E nessa espécie de vácuo de idéias e de políticas para a crise, a
União Européia acabou incorporando uma medida similar em sua agenda
política. Para a grande surpresa da maioria dos analistas, foi
aprovada a criação de um Imposto sobre Transações Financeiras (ITF),
que começará a ter vigência a partir de 01 de janeiro de 2014 em 11
países do espaço europeu. De acordo com a medida, França, Alemanha,
Bélgica, Estônia, Grécia, Espanha, Itália, Áustria, Portugal,
Eslovênia e Eslováquia compõem o primeiro grupo de países a adotar o
novo tributo. No conjunto, eles representam quase 70% da atividade
econômica européia. A partir de eventual sucesso nessa primeira etapa,
a medida seria pouco a pouco ampliada, por meio da incorporação de
outros países ao espaço econômico a ser tributado.
A proposta ainda é muito tímida e não atinge as atividades de
famílias e as pequenas transações realizadas nos bancos comerciais.
Ela busca proteger a chamada “economia real” e não incorpora as
atividades de indivíduos e pequenas empresas nas suas relações com as
instituições financeiras. A intenção é intervir no jogo mais pesado do
financismo, tentando reduzir os ganhos com a especulação pura e
buscando reduzir os riscos inerentes em tais operações que pressupõem
maior risco. Além disso, a meta é a constituição de novos fundos
financeiros para recuperar a ação dos Estados na esfera social. De
qualquer maneira, as previsões iniciais apontam para uma arrecadação
anual equivalente a US$ 40 bilhões.
Importância do sucesso da medida na Europa
Como era de se esperar, a proposta está sendo severamente bombardeada
pelos analistas e colunistas vinculados à banca, em todos os meios de
comunicação. Espera-se, porém, que ela consiga ser aprovada de forma
unânime pelos governos de todos esses países e possa entrar em
atividade a partir do ano que vem. Está prevista uma alíquota de
apenas 0,1% para as operações nas bolsas de valores e de ridículos
0,01% nos chamados “mercados de derivativos” (onde está operando uma
parte substantiva da ameaça especulativa, vinculada ao mercado
financeiro futuro).
Um muito pouco, um quase nada, mas que provoca enorme reação
contrária. Representantes de governos que não participam da União
Européia e que dependem muito da atividade financeira sentem-se bem
ancorados pelo discurso de funcionários públicos norte-americanos. É
de lá que surgem as grandes contestações à medida, alertando - como
sempre! - para o risco de fugas de capitais e de redução da atividade
econômica pela perda de rentabilidade financeira.
As forças políticas progressistas deveriam acompanhar com mais
atenção essa oportunidade a ser gerada pela medida inovadora. O
movimento sindical, o movimento estudantil, o movimento ambientalista,
enfim todos temos a ganhar com a proposta. Parece inequívoco que se
trata de um experimento estratégico, essencial para a possibilidade de
expansão da Taxa Tobin em escala global. A boa aceitação e o sucesso
do ITF poderão servir como certificação para uma proposta de
abrangência internacional. Caso o resultado seja outro, certamente
levará mais tempo ainda para que a riqueza das finanças possa
contribuir, ainda que de forma infinitesimal, para minorar a miséria e
a pobreza do mundo.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela
Universidade de Paris 10.
segunda-feira, 29 de abril de 2013
A União Europeia e a Taxa Tobin
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