sábado, 13 de abril de 2013

Insustentabilidade dos agrotóxicos

Frei Betto*

O Brasil é o campeão mundial no uso de agrotóxicos no cultivo de
alimentos. Cerca de 20% dos pesticidas fabricados no mundo são despejados
em nosso país. Um bilhão de litros ao ano: 5,2 litros por brasileiro!

Ao recorde quantitativo soma-se o drama de autorizarmos o uso das
substâncias mais perigosas, já proibidas na maior parte do mundo por
causarem danos sociais, econômicos e ambientais.

Pesquisas científicas comprovam os impactos dessas substâncias na vida de
trabalhadores rurais, consumidores e demais seres vivos, revelando como
desencadeiam doenças como câncer, disfunções neurológicas e má formação
fetal, entre outras.

Aumenta a incidência de câncer em crianças. Segundo a oncologista Silvia
Brandalise, diretora do Centro Infantil Boldrini, em Campinas (SP), os
pesticidas alteram o DNA e levam à carcinogênese.

O poder das transnacionais que produzem agrotóxicos (uma dúzia delas
controla 90% do que é ofertado no mundo) permite que o setor garanta a
autorização desses produtos danosos nos países menos desenvolvidos, mesmo
já tendo sido proibidos em seus países de origem.

As pesquisas para a emissão de autorizações analisam somente os efeitos de
cada pesticida isoladamente. Não há estudos que verifiquem a combinação
desses venenos que se misturam no ambiente e em nossos organismos ao longo
dos anos.

É insustentável a afirmação de que a produção de alimentos, baseada no uso
de agrotóxicos, é mais barata. Ao contrário, os custos sociais e
ambientais são incalculáveis. Somente em tratamentos de saúde há
estimativas de que, para cada real gasto com a aquisição de pesticidas, o
poder público desembolsa R$ 1,28 para os cuidados médicos necessários.
Essa conta todos nós pagamos sem perceber.

O modelo monocultor, baseado em grandes propriedades e na utilização de
agroquímicos, não resolveu nem irá resolver a questão da fome mundial (872
milhões de desnutridos, segundo a Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura %u2014 FAO).

Esse sistema se perpetua com a expansão das fronteiras de cultivo, já que
ignora a importância da biodiversidade para o equilíbrio do solo e do
clima, fazendo com que as áreas utilizadas se degradem ao longo do tempo.
Ele cresce enquanto há novas áreas a serem incorporadas, aumentando a
destruição ambiental e o êxodo rural. Em um planeta finito, assolado por
desequilíbrios crescentes, a terra fértil e saudável é cada vez mais
preciosa para garantir a sobrevivência dos bilhões de seres humanos.
Infelizmente não há meio-termo nesse setor. É impossível garantir a
qualidade, a segurança e o volume da produção de alimentos dentro desse
modelo degradante. Não há como incentivar o uso correto de pesticidas.
Isso não é viável em um país tropical como o Brasil, em que o calor faz
roupas e equipamentos de segurança, necessários para as aplicações,
virarem uma tortura para os trabalhadores.

Há que buscar solução na transição agroecológica, ou seja, na gradual e
crescente mudança do sistema atual para um novo modelo baseado no cultivo
orgânico, mantendo o equilíbrio do solo e a biodiversidade, e
redistribuindo a terra em propriedades menores.

Isso facilita a rotatividade e o consórcio de culturas, o combate natural
às pragas e o resgate das relações entre os seres humanos e a natureza,
valorizando o clima e as espécies locais.

Existem muitas experiências bem-sucedidas em nosso país e em todo o mundo,
que comprovam a viabilidade desse novo modelo. Até em assentamentos da
reforma agrária há exemplos de como promover a qualidade de vida, a
justiça social e o desenvolvimento sustentável.

Para fomentar esse debate, e exigir medidas concretas por parte do poder
público, foi criada, em abril de 2011, a Campanha Permanente Contra os
Agrotóxicos e Pela Vida. Dela participam cerca de 50 organizações, como a
Via Campesina, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a Federação dos
Trabalhadores do Ramo Químico da CUT no Estado de São Paulo (Fetquim).
Confira o site na internet: www.contraosagrotoxicos.org.

A campanha visa à conquista da verdadeira soberania alimentar, para que o
Brasil deixe de ser mero exportador de commodities (com geração de grandes
lucros para uma minoria e imensos danos à população) para se tornar um
território em que a produção de alimentos se faça com dignidade social e
de forma saudável.

A outra opção é seguir nos iludindo com os falsos custos dos alimentos,
envenenando nossa terra, reduzindo a biodiversidade, promovendo a
concentração de renda, a socialização dos prejuízos e a criação de
hospitais especializados no tratamento de câncer, como ocorre em Unaí
(MG), onde se multiplicam os casos dessa gravíssima doença, devido ao
cultivo tóxico de feijão.


*Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco),
entre outros livros.

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