quarta-feira, 10 de abril de 2013

Entrevista com Plínio de Arruda Sampaio Jr.

Economia brasileira: ‘Os problemas acumulados começaram a vir à tona’.IHU - Unisinos
Instituto Humanitas Unisinos
Adital
Quarta, 10 de abril de 2013
Por Patricia Fachin
"Há 500 anos a economia cresce e os problemas do povo brasileiro permanecem sem solução”, declara o economista.
"A desindustrialização da economia brasileira é a prova inequívoca da perversidade da política econômica”, diz Plínio de Arruda Sampaio Jr. (foto abaixo) à IHU On-Line. Na avaliação dele, dando continuidade à política econômica anterior, o governo adotou, nos últimos dez anos, "uma política econômica temerária. Os efeitos catastróficos dessa política aparecerão em toda a sua plenitude quando os fluxos especulativos de capitais inverterem a sua rota e voltarem para as economias centrais. É só uma questão de tempo”, adverte.
Ao analisar a estagnação da economia brasileira e a desindustrialização, Sampaio Jr. assinala que, em lugar de enfrentar os desafios abertos pela crise econômica mundial, o governo "optou pela política de administrar a crise, apostando na hipótese de que os problemas seriam temporários e se resolveriam sozinhos. Acabou enredado nas armadilhas que ele mesmo criou e, agora, vê sua capacidade de ação comprometida”. Diante da impossibilidade de elevar o PIB, acrescenta, "as autoridades recorrem a estratagemas desesperados que revelam a gravidade das pressões recessivas presentes na conjuntura e a falta de criatividade das autoridades econômicas para enfrentá-las. O IPI reduzido para veículos, que era para ser uma medida temporária, parece ter se transformado numa espécie de ‘bolsa montadora’”, ironiza.
Na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, o economista enfatiza que enquanto o ambiente econômico se mantiver incerto, a redução dos juros não será suficiente para "animar a economia”. E dispara: "nessas condições, à economia brasileira só resta o caminho da competitividade espúria, baseada na superexploração do trabalho e na depredação do meio ambiente”.
Plínio de Arruda Sampaio Jr. é livre docente do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas – IE/Unicamp e membro do conselho editorial do jornal eletrônico Correio da Cidadania.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A equipe econômica do governo recebe críticas por conta do baixo crescimento da economia e da impossibilidade de manter a meta da inflação. Diante deste contexto, que avaliação faz da política econômica? Quais têm sido os principais erros e acertos da equipe econômica?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – A política econômica deve ser avaliada pelo seu impacto de longo prazo sobre o desenvolvimento nacional e não apenas pelos seus efeitos conjunturais sobre o crescimento e a inflação. É fundamental não deixar que a aparência dos fenômenos oblitere a compreensão de sua essência, que é, em última instância, definida pela capacidade de a sociedade subordinar o progresso material à necessidade de resolver os problemas fundamentais da população. Afinal, há 500 anos a economia cresce e os problemas do povo brasileiro permanecem sem solução.
Vista dessa perspectiva, a política econômica tem sido desastrosa. A estratégia de administrar as graves contradições provocadas pela crise mundial pela linha de menor resistência, sancionando a bolha especulativa gerada pelo excesso absoluto de capital sem perspectiva de investimentos produtivos, que perambula pelo mundo afora à cata de oportunidades de negócios, aprofundou a impotência do Brasil para defender os interesses nacionais e proteger a economia popular dos efeitos devastadores da lógica especulativa que impulsiona as operações de conquista e pilhagem do capital internacional sobre as economias periféricas. O aumento da liberalização financeira e o aprofundamento da internacionalização da economia brasileira, que redundaram em elevação exponencial do passivo externo, diminuíram ainda mais o raio de manobra das autoridades econômicas. O fenômeno fica patente quando se constata a crescente dificuldade de se recorrer às políticas fiscal, monetária e cambial para estimular a expansão do mercado interno e defender o parque produtivo nacional. A desindustrialização da economia brasileira é a prova inequívoca da perversidade da política econômica. Como na época do famigerado "milagre econômico”, o Brasil adotou uma política econômica temerária. Os efeitos catastróficos dessa política aparecerão em toda a sua plenitude quando os fluxos especulativos de capitais inverterem a sua rota e voltarem para as economias centrais. É só uma questão de tempo.
IHU On-Line – Quais são os fatores estruturais que ainda provocam inflação? A inflação é preocupante ou o percentual é aceitável para os padrões brasileiros?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – Ao contrário do que se imagina, após décadas de propaganda ostensiva sobre as conquistas do Plano Real, a economia brasileira permanece altamente vulnerável a pressões inflacionárias. O sistema de preços encontra-se submetido a uma dupla pressão. Por um lado, o crescente aumento do grau de abertura da economia brasileira deixa a oferta agregada vulnerável a choques cambiais e a aumentos especulativos dos preços das commodities. Por outro, a crescente heterogeneidade do parque produtivo sujeita a economia a inúmeros pontos de estrangulamento na cadeia produtiva que, num contexto de expansão, geram choques de custos que tendem a se generalizar. Em outras palavras, a economia brasileira combina problemas típicos de "inflação estrutural”, relacionada com a presença de desequilíbrios estruturais entre a oferta e a demanda e de conflitos distributivos daí decorrentes, com problemas modernos de "inflação financeirizada”, provocada pelos movimentos especulativos do capital financeiro internacional. Nesse contexto, a estabilidade de preços implica na asfixia do mercado interno, na criminalização das lutas sindicais e na crescente submissão da economia brasileira aos ditames do capital internacional. Quem transforma a "estabilidade” em prioridade absoluta, que se sobrepõe de maneira imperativa sobre todos os outros objetivos de política econômica, faz o jogo do grande capital e dos rentistas da dívida pública, externos e internos.
IHU On-Line – Os economistas têm posições divergentes em relação aos rumos da economia brasileira. Quais são as correntes econômicas mais influentes e suas propostas para a economia nacional?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – O debate econômico brasileiro é paupérrimo. Não há espaço para a crítica. Com o apoio incondicional dos grandes meios de comunicação, a cantilena neoliberal é massificada sem o contraponto do contraditório. Os problemas fundamentais da Nação – a discussão sobre a superação da dependência externa e da segregação social – estão banidos do debate público. O status quo naturalizou a posição dominante do capital internacional na economia brasileira e a necessidade orgânica da superexploração do trabalho.
A discussão convencional polariza-se entre dois polos do neoliberalismo: as correntes mais ortodoxas, apoiadas em manuais liberais de macroeconomia, e as menos ortodoxas, apoiadas em manuais com pálido matiz neokeynesiano, ambos escritos por economistas estrangeiros consagrados e perfeitamente integrados (e premiados) pelo status quo. Todos participam ativamente do circuito de consultorias internacionais, regiamente remunerados pelos organismos internacionais e pelo chamado "mercado”. São estes economistas que fazem a pauta do debate e que ditam os parâmetros da discussão. A controvérsia entre as duas alas da ordem – a mais à direita e a mais à esquerda – assume a forma de um braço de ferro entre "monetaristas” e "desenvolvimentistas”. Sem questionar o sentido mais geral das diretrizes que emanam do receituário neoliberal, as diferenças giram em torno da forma de calibrar a inserção subalterna do Brasil na "ordem global”: mais ou menos crescimento; mais ou menos política compensatória; maior ou menor austeridade fiscal; maior ou menor dependência externa.
IHU On-Line – Entre as medidas econômicas defendidas pela presidente Dilma está a de manter a taxa Selic reduzida em 7,25%. Quais os efeitos dessa medida para a economia? Por que os economistas divergem em relação à taxa de juros?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – Juro baixo é uma condição necessária – ainda que insuficiente – para o bom funcionamento da economia. Se a remuneração da moeda for baixa, há um desestímulo ao rentismo e um estímulo ao investimento e à geração de emprego. Essa é uma das lições básicas deixadas por Keynes. Contudo, se o ambiente econômico for de grande incerteza, como ocorre na atualidade, a redução dos juros não basta para animar a economia, pois os empresários não se sentem confiantes para investir. É o que está acontecendo. Os juros diminuem, mas os investimentos não reagem. O problema real é que não há clareza sobre quais serão as novas frentes de expansão da economia.
IHU On-Line – Baixar a taxa de juros não pode pôr o Brasil num patamar de competitividade internacional?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – Em primeiro lugar, é importante relativizar o poder das autoridades sobre a moeda nacional. Economias com alto grau de abertura externa, elevada liberdade de movimento de capitais, grandes desequilíbrios no balanço de pagamentos em conta corrente e elevado passivo externo perdem o controle sobre a política monetária e cambial. O problema relaciona-se com a armadilha que significa subordinar a estabilidade macroeconômica à entrada crescente de capitais externos e à valorização da taxa de câmbio. O poder do capital internacional materializa-se na ameaça de desestabilização representada por movimentos bruscos e maciços de fuga de capitais. O temor de despertar a ira do capital internacional ata as mãos das autoridades monetárias. Não por acaso, apesar do pífio desempenho da economia, o Banco Central, com a envergonhada cumplicidade do Planalto, já começa a sinalizar para o "mercado” que haverá elevação da taxa de juros.
Em segundo lugar, é necessário não alimentar ilusões em relação aos fatores objetivos que condicionam a competitividade da economia brasileira. Sem controle efetivo sobre a taxa de juros e de câmbio, sem um sistema financeiro voltado para o financiamento de investimentos, sem a presença de um sistema nacional de inovações, sem empresas com estrutura técnica e financeira para enfrentar os grandes conglomerados internacionais, o Estado não tem como fomentar a competitividade dinâmica da economia brasileira. Nessas condições, à economia brasileira só resta o caminho da competitividade espúria, baseada na superexploração do trabalho e na depredação do meio ambiente. As pressões para a desoneração da folha salarial e para uma ainda maior irresponsabilidade em relação à proteção do meio ambiente indicam que é esse o caminho adotado. O BNDES é o braço financeiro dessa operação.
IHU On-Line – O governo anunciou a manutenção do IPI reduzido para veículos até o fim de 2013. Como vê o retorno dessa medida?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – Sem armas para enfrentar a tempestade que se aproxima, as autoridades recorrem a estratagemas desesperados que revelam a gravidade das pressões recessivas presentes na conjuntura e a falta de criatividade das autoridades econômicas para enfrentá-las. O IPI reduzido para veículos, que era para ser uma medida temporária, parece ter se transformado numa espécie de "bolsa montadora”. A estratégia de jogar o ônus da política anticíclica no aumento do consumo não funciona mais porque o grau de endividamento das famílias atingiu o seu limite.
IHU On-Line – Por que a expansão do crédito e o aumento da renda salarial como receita para estimular a economia brasileira dão sinais de esgotamento?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – Em vez de enfrentar os desafios abertos pela crise econômica mundial, o governo optou pela política de administrar a crise, apostando na hipótese de que os problemas seriam temporários e se resolveriam sozinhos. Acabou enredado nas armadilhas que ele mesmo criou e, agora, vê sua capacidade de ação comprometida. A manutenção da política de superávits fiscais inviabiliza a utilização do gasto público como política anticíclica. A incapacidade de debelar as incertezas em relação ao impacto da crise mundial sobre o Brasil compromete a recuperação dos investimentos privados. O elevado endividamento das famílias esgota a possibilidade de sustentar o mercado interno pelo aumento da propensão a consumir dos trabalhadores. A elevação das importações em ritmo superior ao das exportações implica em crescente redução do estímulo à demanda agregada oriundo dos superávits na balança comercial. Enquanto foi possível "surfar” na bolha especulativa internacional, as contradições dessa política permaneceram ocultas. Como a onda acabou, os problemas acumulados começaram a vir à tona.
O fato é que o deslocamento do centro dinâmico da economia para o exterior deixa o Brasil sem mecanismos endógenos para impulsionar o mercado interno. O avançado estágio do processo de desindustrialização faz com que parcela crescente dos efeitos multiplicadores de renda dos gastos internos acabe vazando para o exterior.
IHU On-Line – Em 2010, havia uma expectativa em torno do crescimento econômico brasileiro, que chegou a mais de 7%. Hoje, no entanto, o PIB não cresce. Quais as razões disso?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – É uma ingenuidade imaginar que a economia brasileira possa sustentar elevadas taxas de crescimento e estabilidade dos preços. A inserção especializada na divisão internacional do trabalho implica necessariamente graves desequilíbrios estruturais – externos e internos – que bloqueiam um crescimento mais vigoroso. A contradição entre a expansão e diversificação do mercado interno e o processo de especialização das forças produtivas reforça a tendência estrutural a desequilíbrios no balanço de pagamentos em conta corrente. O reforço da heterogeneidade estrutural intensifica a vulnerabilidade da economia brasileira a choques inflacionários gerados pelo aparecimento de pontos de estrangulamento na cadeia produtiva. O regime de metas de inflação reforça o viés anticrescimento do modelo econômico à medida que cria uma oposição perversa entre crescimento e inflação, subordinando o primeiro à estabilidade do segundo. Por isso, à exceção de conjunturas excepcionais, o desempenho da economia brasileira tem sido particularmente medíocre. Quando posto em perspectiva de longa duração, temos crescido abaixo da média latino-americana.
IHU On-Line – A antecipação da campanha eleitoral pode influenciar na condução da política econômica no sentido de adiar medidas que seriam necessárias?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – Num ambiente de forte incerteza em relação às frentes de expansão da economia, a presença de uma grande massa de capitais em busca de oportunidades de negócio tende a fortalecer os segmentos mais ortodoxos que pleiteiam uma nova rodada de privatização – aeroportos, portos, rodovias, ferrovias e até a saúde pública – e que se opõem à redução da taxa de juros. O agravamento da crise econômica também leva a um aumento da pressão por medidas compensatórias que implicam ainda maiores transferências de renda para o capital, o grande e o pequeno. É essa conjuntura que explica o coro a favor de uma nova rodada de "reformas” econômicas. As chamadas "medidas necessárias” – reforma da previdência, reforma tributária, novas levas de privatização, desoneração da folha salarial, autonomia do Banco Central – representam uma nova ofensiva do capital. Porém, os ideólogos da burguesia sabem que seria um suicídio político adotar tais medidas às vésperas da eleição. O verdadeiro objetivo da campanha das "medidas necessárias” é pautar o debate eleitoral de 2014 e colocar a classe trabalhadora na defensiva.
IHU On-Line – Considerando os 10 anos do PT no poder, que considerações são possíveis fazer em relação à condução da economia brasileira?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – Como seus antecessores do PSDB, os governos do PT caracterizaram-se pela absoluta subserviência ao grande capital e fiel obediência às diretrizes do receituário neoliberal. A forma assumida pela política econômica adaptou-se às exigências da conjuntura externa e interna. Nos primeiros anos do governo Lula, a gestão foi particularmente ortodoxa. Para ganhar a confiança do "mercado”, Palocci foi mais realista do que o rei, desdobrando-se para atender os pleitos do grande capital e afastar qualquer suspeita em relação ao risco de medidas que pudessem representar um passo atrás no processo de liberalização e privatização. O aumento despropositado do superávit fiscal (com a economia em plena recessão) e a Reforma da Previdência dos funcionários públicos são medidas emblemáticas desse primeiro momento. A partir de 2005, a mudança da conjuntura internacional abriu espaço para uma política econômica um pouco mais flexível. As autoridades econômicas aproveitaram a "bolha especulativa” para surfar na crise. São medidas emblemáticas desse segundo momento: o aumento do crédito ao consumo; a recuperação do salário mínimo; o desproposital acúmulo de divisas e a consequente valorização do cambio; a modesta redução dos juros; e a maior liberalização financeira que redundou na explosão do passivo externo. No final de 2011, a exaustão da estratégia de "surfar” na crise abriu uma terceira etapa. As autoridades econômicas reagiram à nova situação com medidas paliativas. Sem nenhum plano preventivo para proteger o país das tendências devastadoras que reforçam o processo de reversão neocolonial, o governo se atém a lançar mão de providências ad hoc, de curto alcance, que procuram atenuar as tendências recessivas pelo reforço dos mecanismos de transferência de renda do trabalho e do setor público para o capital. Estamos neste ponto.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – A população brasileira precisa saber que, dentro dos parâmetros da ordem global, o raio de liberdade das autoridades econômicas para defender o Brasil dos efeitos da crise é mínimo. A decisão de dobrar as apostas no capital internacional como sujeito estratégico do processo de acumulação é um caminho sem volta que, como uma tragédia grega, tem o seu desfecho inscrito no próprio desenrolar da trama. Enquanto as oportunidades de negócios estimulam a entrada de recursos externos, o espectro do estrangulamento cambial permanece apenas latente, ainda que a custas de sua manifestação com força redobrada em algum momento futuro. Quando, por qualquer motivo, o movimento de capitais inverte a direção, não há como evitar crises agudas de estrangulamento cambial e o início de um longo e penoso processo de renegociação da dívida externa e ajustamento estrutural. Os dois momentos condicionam-se e reforçam-se reciprocamente. Na expansão, o capital internacional abocanha grandes negócios. Na fase de ajuste, aproveita a oportunidade para transformar passivo externo financeiro em ativos produtivos. O Brasil conhece bem essa história, pois foram assim que terminaram todos os ciclos econômicos impulsionados pelo capital internacional.

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