Autor: Fernando
Brito
Com anos de atraso, a Folha publica hoje um
levantamento feito pelos repórteres Gustavo Patu, Dimmi
Amora e Filipe Coutinho que, como e diz
nas conversas informais, “baixa a bola” dos “gastos
absurdos com a Copa do Mundo”.
É o que dá ter raros momentos de jornalismo
correto na mídia brasileira, porque não é nenhum “furo”,
mas apenas a compilação de dados que são e sempre foram
públicos.
A começar pela abertura do texto escrito pelos
três:
Mesmo mais altos hoje
do que o previsto inicialmente, os investimentos para a
Copa representam parcela diminuta dos orçamentos
públicos.
Alvos frequentes das
manifestações de rua, os gastos e os empréstimos do
governo federal, dos Estados e das prefeituras com a
Copa somam R$ 25,8 bilhões, segundo as previsões
oficiais.
O valor equivale a,
por exemplo, 9% das despesas públicas anuais em
educação, de R$ 280 bilhões.
Em outras palavras, é
o suficiente para custear aproximadamente um mês de
gastos públicos com a área.
E eles próprios se encarregam de dizer que nem
sequer é assim, porque estes gastos diluíram-se pelos
últimos sete anos e, sobretudo, porque uma parte ( a maior
parcela, 32%) é feita com financiamentos de bancos
públicos (quase toda do BNDES) e vai retornar.
Adiante falarei dela.
Bem, do gráfico publicado, conclui-se que o
Governo Federal gastou R$ 5,8 bi diretamente com a Copa:
R$ 2,7 bi na modernização e ampliação dos aeroportos, R$
1,9 em segurança pública – quase tudo equipando, a fundo
perdido, as polícias estaduais -, R$ 600 mil em portos, R$
400 mil em telecomunicações e R$ 200 milhões em gastos
diversos.
Aeroportos e portos, além de serem serviços
públicos essenciais ao desenvolvimento econômico, geram
receitas de tarifas e concessões.
Nenhum tostão, como você vê, em estádios.
Do dinheiro dos
estádios, um total de R$ 8 bilhões, perto da metade veio
de financiamentos federais, através do BNDES, de duas
formas: debêntures e empréstimos.
Debêntures são “letras” financeiras e, no caso do
estádio, seus tomadores pagam 6,2%% de juros
mais a inflação do período.
No caso dos empréstimos, os tomadores, além de oferecer
garantias, têm de pagar TJLP (taxa de juros de longo
prazo), que de 2009 para cá variou entre 6,25% e 5%,
mais 1,4% (taxa BNDES + intermediação financeira),
mais risco de crédito (até 4,18%), além da taxa que o o
tomador pagará a o banco operar o crédito. No total,
portanto, pagam juros muito semelhantes (em geral um pouco
maiores, em alguns momentos frações de centésimo menores)
que a taxa de juros com que o Governo capta dinheiro no
mercado.
Isso quer dizer que não houve empréstimo
subsidiado pelo Governo Federal?
Sim, houve, maiores. E continuam existindo,
independente de Copa.
São os recursos para obras de mobilidade urbana
que, só nos empreendimentos ligados à Copa, receberam R$
4,4 bilhões.
Como é isso: o BNDES financia
contrando TJLP + 2% no caso de o empréstimo ser tomado
por Estados e Municípios ou por TJLP + 1% +
risco de crédito de até 4,18% no caso do financiamento ser
feito por empresa privada.
Convenhamos que é uma forma muito mais adequada
de o banco usar seus recursos em favor da população do
que, como fez em 2002,
aplicar R$ 281 milhões (R$ 1 bilhão, hoje, corrigidos pela
taxa Selic) na Net, então propriedade dos Marinho (a família mais rica
do Brasil), que estava enforcada de dívidas.
No caso dos Estados e Municípios, a grande
maioria, boa parte dos gastos vem das contrapartidas
locais para obras de mobilidade (R$ 2,4 bi, ou 41%) e os
restantes R$ 3,3 bilhões em gastos diretamente com obras
dos estádios e com as do seu entorno (ruas, praças,
pátios, passarelas).
Os números insuspeitos publicados pela Folha vêm
na mesma linha daquilo que ontem se comentou aqui.
Tirando os gastos imprevistos de três governos
estaduais (Sérgio Cabral , com o Maracanã, Agnelo Queiroz,
com o Mané Garrinha e Aécio Neves-Anastasia como Mineirão,
que começou as obras ainda na gestão do atual candidato do
PSDB à Presidência), os outros dois estádios que custaram
muito mais do que o inicialmente previsto, o Beira-Rio e o
Itaquerão, foram tocados pela iniciativa privada.
Há uma hidrofobia de direita implantada na mídia
e em parte da classe média que eclipsa qualquer capacidade
de exame racional dos fatos.
Se eu fosse um obtuso irracional, que não
reconhecesse o direito de uma categoria profissional
essencialíssima, como a dos professores, poderia dizer que
se gastou muito mais que aquele “um mês” de Educação que
a Copa custou com as greves e paralisações (em geral,
justas) do magistério.
E isso seria uma apelação, porque eu estaria
colocando nos direitos dos professores a “culpa” das
nossas históricas carências no setor.
Colocar na Copa a “culpa” pelos problemas da
educação, da saúde, da assistência social, da habitação é,
igualmente, uma estupidez.
Que só tem um fundamento, embora a maioria dos
que fazem isso não o percebam: as eleições.
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