Por José
Luís Fiori
As “grandes potências” se protegem coletivamente,
impedindo o surgimento de novos estados e economias líderes, através da
monopolização das armas, da moeda e das finanças, da informação e da inovação
tecnológica. Por isto, uma “potência emergente” é sempre um fator de
desestabilização e mudança do sistema mundial, porque sua ascensão ameaça o
monopólio das potências estabelecidas”. J.L.F. “História, Estratégia e
Desenvolvimento. Para uma Geopolítica do Capitalismo”, Editora Boitempo, 2014,
SP, p: 35 (no prelo)
No século
XX, o Brasil deu um passo enorme e sofreu uma transformação profunda e
irreversível, do ponto de vista econômico, sociológico e político. No início do
século, era um país agrário, com um Estado fraco e fragmentado, e com um poder
econômico e militar muito inferior ao da Argentina. Hoje, na segunda década do
século XXI, o Brasil é o país mais industrializado da América Latina e a sétima
maior economia do mundo; possui um estado centralizado e democrático, uma
sociedade altamente urbanizada – ainda que desigual – e é o principal player
internacional do continente sul-americano.
Além
disso, é um dos países do mundo com maior potencial de crescimento pela frente,
se tomarmos em conta seu território, sua população e sua dotação de recursos
estratégicos, sobretudo se for capaz de combinar seu potencial exportador de
commodities com a expansão sustentada do seu próprio parque industrial e
tecnológico. Tudo isto são fatos e conquistas inquestionáveis, mas estes fatos
e conquistas colocaram o Brasil frente a um novo elenco de desafios
internacionais, e hoje, em particular, o país está enfrentando uma disjuntiva
extremamente complexa.
As
próprias dimensões que o Brasil adquiriu, e as decisões que tomou no passado
recente, colocaram o país dentro do grupo dos estados e das economias nacionais
que fazem parte do núcleo de poder do “caleidoscópio mundial”: um pequeno
número de estados e economias nacionais que exercem – em maior ou menor grau –
um efeito gravitacional sobre todo o sistema, e que são capazes,
simultaneamente, de produzir um “rastro de crescimento” dentro de suas próprias
regiões. Queiram ou não queiram, esses países criam em torno de si “zonas de
influencia”, onde têm uma responsabilidade política maior que a dos seus
vizinhos, enquanto são chamados a se posicionar sobre acontecimentos e
situações longe de suas regiões, o que não acontecia antes de sua ascensão.
Mas, ao
mesmo tempo, os países que ingressam neste pequeno “clube” dos países mais
ricos e poderosos têm que estar preparados, porque entram automaticamente num
novo patamar de competição, cada vez mais feroz, entre os próprios membros
desse “núcleo” que lutam entre si para impor a todo o sistema, os seus
objetivos e as suas estratégias nacionais de expansão e crescimento.
Neste
momento o Brasil já não tem como recuar sem pagar um preço muito alto. Mas, por
outro lado, para avançar, o Brasil terá que ter uma dose extra de coragem,
persistência e inventividade. Além disto, terá que ter objetivos claros e uma
coordenação estreita, entre as agências responsáveis pela política externa do
país, envolvendo a sua diplomacia, a sua política de defesa, articuladas com
sua política econômica e com sua política de difusão global de sua cultura e
dos seus valores.
E o que é
mais importante, o Brasil terá que sustentar uma “vontade estratégica”
consistente e permanente, ou seja, uma capacidade social e estatal de construir
consensos em torno de objetivos internacionais de longo prazo, junto com a
capacidade de planejar e implementar ações de curto e médio prazo, mobilizando
os atores sociais, políticos e econômicos relevantes, frente a cada situação e
desafio em particular.
Mais
difícil do que tudo isto, entretanto, será o Brasil descobrir um novo caminho
de afirmação da sua liderança e do seu poder internacional, dentro e fora de
sua zona de influência imediata. Um caminho que não siga o mesmo roteiro das
grandes potências do passado, e que não utilize a mesma arrogância e a mesma violência
que utilizaram os europeus e os americanos para conquistar, submeter e “civilizar”
suas colônias e protetorados. Em segundo lugar, como todo país que ascende
dentro do sistema internacional, o Brasil terá que questionar de forma cada vez
mais incisiva, a ordem institucional estabelecida e os grandes acordos
geopolíticos em que se sustenta.
Mas o
Brasil terá que fazê-lo sem o uso das armas, e por meio de sua capacidade de
construir alianças com quem quer que seja desde que o Brasil mantenha seus objetivos
e valores, e consiga expandir-se e conquistar novas posições dentro da
hierarquia política e econômica internacional. Este objetivo já não obedece
mais a nenhum tipo de ideologia nacionalista, nem muito menos a qualquer tipo
de cartilha militar, obedece a um imperativo “funcional”‘ do próprio “sistema
interestatal capitalista”: neste sistema, “quem não sobe cai”.
Mas ao
mesmo tempo, “quem sobe”, tem que estar preparado, porque será atacado e
desqualificado inevitavelmente e de forma cada vez mais intensa e coordenada,
dentro e fora de suas próprias fronteiras, caso não se submeta à vontade
estratégica dos antigos donos do poder global. Em qualquer momento da história
é possível acovardar-se e submeter-se, mas atenção, porque o preço desta
humilhação será cada vez maior e insuportável para a sociedade brasileira.
José Luís Fiori, professor titular de economia
política internacional da UFRJ, é autor do livro “O Poder Global”, da Editora
Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ “O Poder Global e a
Geopolítica do Capitalismo”. Escreve mensalmente às quartas-feiras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário