Criticada no passado por estatizações, Bolívia arranca elogios por expansão e estabilidade
Mariana Schreiber
Da BBC Brasil em Londres Transcrito do sítio Vale Pensar
"Sem o FMI, estamos melhor". A declaração do presidente boliviano, Evo
Morales, durante a abertura de uma conferência internacional sobre os
direitos indígenas na última segunda-feira, em Santa Cruz de la Sierra,
foi apenas sua mais recente crítica ao Fundo Monetário Internacional.
Em fevereiro, ele disse que a instituição deveria ressarcir os danos que
causou ao longo de 20 anos de políticas neoliberais na América Latina.
Os números preliminares indicam que a nação mais pobre da América do Sul cresceu 6,5% no ano passado, o melhor resultado em três décadas. Mas não se trata de um dado positivo isolado. De 2007 a 2012, a expansão anual média do PIB no país foi de 4,8%. E, para este ano, o FMI projeta um crescimento acima de 5%.As constantes críticas contrastam com o tom elogioso do último relatório do fundo sobre o país, que parabeniza a Bolívia por sua boa gestão econômica e pelo rápido crescimento do PIB (Produto Interno Bruto).
Política prudente
Analistas de mercado atribuem os bons números a uma política econômica
prudente que soube aproveitar o cenário favorável de alta do preço do
gás – principal produto boliviano.
"Há vários anos, o desempenho macroeconômico da Bolívia tem sido muito
bom. Essa performance, ativamente apoiada em políticas sociais, ajudou a
aumentar em quase três vezes a renda média da população e reduziu a
pobreza e a desigualdade", afirmou recentemente Ana Corbacho, economista
que chefiou a última missão de monitoramento do FMI ao país, em
conferência com jornalistas.
Além de incensada pelo FMI, a administração do autointitulado governo
socialista também é bem avaliada pelo Banco Mundial e a Economist
Intelligent Unit - consultoria ligada à revista inglesa The Economist,
crítica costumaz do ministro da Fazenda brasileiro, Guido Mantega. A
agência de classificação de risco Moody’s também tece elogios à
administração Morales e reconhece até mesmo aspectos positivos na
nacionalização do setor de petróleo e gás em 2006.
Arrecadação crescente
O último relatório anual da instituição sobre o país diz que, apesar de
estatizações em geral terem impactos negativos "no clima de negócios" e
"enfraquecerem" a produção no setor de energia, "no caso da Bolívia, a
nacionalização do setor de hidrocarbonetos (petróleo e gás) claramente
fortaleceu as receitas do governo".
Com arrecadação crescente, a administração Morales conseguiu reduzir
consideravelmente a dívida pública, elevar os investimentos e acumular
reservas internacionais de US$ 14 bilhões – o equivalente à metade do
PIB boliviano, segundo o FMI.
E apesar da estatização de alguns setores da economia, o país passou a
atrair mais capital externo produtivo. Nos últimos quatro anos, a
entrada do chamado investimento estrangeiro direto ficou em média em
3,5% do PIB boliviano, uma taxa relativamente alta.
O único problema é que os recursos estão muito concentrados no setor de
gás – são investimentos de empresas que agora atuam como fornecedoras de
serviços para o governo, observa Sarah Glendon, analista da Moody’s.
Com isso, a economia não tem se diversificado.
Revertendo privatizações
O governo de Morales diz que nacionaliza apenas setores estratégicos que
eram do Estado antes da leva de privatizações dos anos 90, recomendada
pelo FMI. São empresas de petróleo, gás, eletricidade, telecomunicação,
transporte aéreo e ferroviário e de alguns metais - quase todas já
estatizadas, em geral após o pagamento de alguma compensação.
As medidas teriam respondido aos anseios populares. A população não viu
benefícios após as privatizações dos anos 1990, período em que a
desigualdade social cresceu, e isso levou a anos de instabilidade
política, diz a analista da Moody’s. Antes de Morales, a Bolívia teve
quatro presidentes em menos de cinco anos.
O atual presidente chegou ao poder em 2006, se manteve no cargo em 2009
em eleições antecipadas e poderá concorrer ainda a um terceiro mandato
em outubro. Ele lidera as pesquisas com folga.
A previsibilidade política acaba favorecendo os negócios, afirma
Glendon. "Apesar de muitos investidores se preocuparem com o perfil de
esquerda e intervencionista do governo de Evo Morales, sua administração
fez uma boa gestão macroeoconômia e trouxe anos seguidos de
estabilidade política que não existia antes".
Vulnerabilidades
Mas, apesar de todos os avanços, a Bolívia ainda permanece um país pobre
e com uma economia pouco diversificada. A renda per capita é de cerca
de US$ 2.700 por ano (no Brasil tem sido acima de US$ 10 mil nos últimos
anos), e o setor de petróleo e gás responde por metade das exportações e
um terço das receitas do governo. Quase todo o combustível é vendido
para apenas dois países - Brasil e Argentina.
As mesmas instituições que elogiam a atual gestão dizem que o governo
precisa melhorar mais o ambiente de negócios para atrair recursos para
outros setores, com objetivo de sustentar um crescimento mais dinâmico e
perene num horizonte longo.
No curto prazo, porém, os analistas vêem poucos riscos para a atual
trajetória de expansão econômica, apesar da expectativa de que o governo
vai acelerar os gastos neste ano eleitoral, pressionando as contas
públicas.
"Muito coisa teria que dar errado para a Bolívia viver uma nova crise
como há 15 anos", acredita Federico Barriga, analista da Economist
Intelligence Unit.
Para Ana Corbacho, do FMI, "a economia boliviana está em uma posição
muito confortável para enfrentar possíveis choques externos", graças às
robustas reservas internacionais.
"Estamos mostrando ao mundo inteiro que você pode ter políticas
socialistas com equilíbrio macroeconômico", disse o ministro da Economia
e Finanças, Luis Arce, em entrevista recente ao jornal The New York Times. "Tudo o que nós fazemos é com objetivo de beneficiar os pobres. Mas você tem que fazê-lo aplicando a ciência econômica".
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/04/140408_economia_bolivia_ms_rb.shtml
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