Por José Luís Fiori
Poucas
pessoas inteligentes -fora da Inglaterra - ainda prestam atenção nas
notícias da monarquia inglesa e da sua família real, em pleno século
XXI. Mas o mesmo não se pode dizer da City britânica e dos seus dois
principais órgãos de imprensa e divulgação - o "Financial Times" e o
"The Economist" - que seguem tendo importância decisiva na formação das
opiniões e dos consensos ideológicos dentro das elites liberais e
conservadoras do mundo. A escolha dos seus temas e o uso de sua
linguagem nunca é casual. Como no caso recente do seu entusiasmo pelo
México e seu modelo de desenvolvimento liberal, e seu ataque cada vez
mais estridente ao "intervencionismo" da economia brasileira. Uma tomada
de posição compreensível do ponto de vista ideológico, mas que não vem
sendo confirmada pelos fatos.
Em 1994, o México assinou o Tratado de Livre Comércio da
América do Norte (Nafta), junto com os EUA e Canadá, e nos últimos 20
anos tem sido absolutamente fiel ao livre-cambismo, incluindo sua adesão
à Aliança do Pacífico, e à iniciativa americana do TPP. Por outro lado,
nesse mesmo período, o México praticou uma política macroeconômica e
financeira rigorosamente ortodoxa - em particular na última década -
mantendo inflação baixa, câmbio flexível, taxas de juros moderadas e
amplo acesso ao crédito. Mesmo assim, depois de duas décadas, o balanço
dessa experiência ultraliberal deixa muito a desejar1.
Como
era de se prever o comércio exterior do país cresceu significativamente
no período e passou - em termos absolutos - de US$ 60 bilhões em 1994,
para US$ 400 bi em 2013. Mas nesse mesmo período, a economia mexicana
teve crescimento médio
anual pífio, de 2,6%, sendo o crescimento per capita, de apenas 1,2%. O
emprego industrial cresceu de forma setorial e vegetativa, e mesmo nas
"maquiladoras" foi de apenas 20%, algo em torno de 700 mil novos postos
de trabalho. A participação dos salários permaneceu em torno de 29% da
renda nacional e a pobreza absoluta da população mexicana aumentou
significativamente.
O modelo mexicano teve um desempenho pior do que o modelo "intervencionista" e "fechado" brasileiro
Por
fim, ao contrário do que havia sido previsto, a economia mexicana não
se integrou nas "cadeias globais de produção", a produtividade média da
economia praticamente só cresceu de forma segmentada e vegetativa e o
"investimento direto estrangeiro" (o
principal "prêmio" anunciado em troca da abertura da economia) não teve
nenhuma alteração significativa.
Esse
balanço fica ainda mais decepcionante quando se compara o desempenho do
"modelo mexicano", com o "modelo intervencionista" da economia
brasileira no período entre 2003 e 2012. Segundo dados publicados pelo
Banco Mundial2, e pelos ministérios do
Trabalho dos dois países, os números e as diferenças são realmente
chocantes. Nesse período, a crescimento médio anual do PIB brasileiro,
foi de 4,21%, o do México de 2,92%. O crescimento total da economia
brasileira foi de 42,17%, o do México, de 29,29 %. As exportações
brasileiras cresceram, a uma taxa anual de 6,59%, as do México, a uma
taxa de 5,45%. O crescimento total das exportações brasileiras foi de
65,95%, o do México, foi de 54,45%. As importações brasileiras cresceram
a uma taxa média anual de
17,33%, e as do México, a uma taxa de 6,75%. O crescimento total das
importações no Brasil foi de 173,32%, e no México de apenas 67,54%.
Por
outro lado, a renda per capita brasileira cresceu a uma taxa anual de
2,84%, e a do México, 1,42%; o crescimento total da renda no Brasil foi
de 28,4%, e no México foi de 14,26%; e a participação dos salários na
renda chegou a 45 %, no Brasil, e no México, a 29%. Nesse mesmo período,
o Brasil criou 16 milhões de novos empregos formais, e o México, 3,5
milhões; e a pobreza absoluta foi reduzida a 15,9%, no Brasil, e
aumentou para 51,3%, no México.
Por
fim, (pasme-se), entre 2002 e 2012, o "investimento direto estrangeiro"
no Brasil, cresceu de US$ 16,59 bilhões, para US$ 76,11 bilhões, e no
México caiu de US$ 23, 932 bilhões, em 2002, para US$ 15,455 bilhões, em
2012! Só para encerrar a comparação, em 2013 a economia brasileira
cresceu 2,3%, (uma das maiores taxas entre as grandes economias do
mundo) enquanto a
economia mexicana cresceu 1,1%.
Isto
posto, o elogio do México deve ser considerado um caso de má fé,
fundamentalismo ideológico ou estratégia internacional? As três coisas
ao mesmo tempo. Mas o que importa é o que dizem os números e a conclusão
é uma só: na última década, o "modelo mexicano" de abertura liberal,
integração com os EUA e livre comércio teve um desempenho
extraordinariamente pior do que o "modelo intervencionista",
"heterodoxo" e "fechado"(apud FT e TE) da economia brasileira, junto com
seu projeto de integração do Mercosul.
1- Vide
artigo do ex-ministro de relações exteriores do México, Jorge
Castañeda: "Nafta's mixed record", publicado na Revista Foreign
Affairs,. de janeiro/fevereiro de 2014.
2-www.data.worldbank.org Gráfico disponível em www.bit.ly/S6lUCo
José
Luís Fiori, professor titular de economia política internacional da
UFRJ, é autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, e
coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global e a
Geopolítica do Capitalismo". Escreve mensalmente às quartas-feiras.
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