segunda-feira, 14 de abril de 2014

A missão do Ipea na Venezuela

Publicado em Abril 14, 2014
 
O jornal Folha de S. Paulo da quinta-feira, 10 de abril, publicou matéria intitulada “Filial do Ipea na Venezuela ignora crise e elogia governo”, assinada por Fabiano Maisonnave. Com ares de pretensa denúncia, o texto diz, entre outras coisas: “Única representação internacional do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a filial do órgão na Venezuela prioriza análises favoráveis ao chavismo e projetos de integração com o Brasil ao estudo dos graves problemas macroeconômicos do país”.
 
É público desde 2010 que o Ipea mantém um escritório – e não “filial” – dedicado a estudos e assessoria para tarefas de integração regional em Caracas. Não é essa a novidade da matéria. Trata-se de mais um capítulo de uma guerra ideológica que a imprensa busca fazer, principalmente em anos eleitorais. O roteiro é conhecido. Um jornal publica notícia, alguns sites repercutem e os parlamentares da oposição incorporam a pauta midiática. No mesmo dia em que a notícia foi publicada, ganhou espaço no blog de Reinaldo Azevedo e subsidiou a atuação política da oposição. No caso concreto, o deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG), presidente da Comissão de Política Exterior e de Defesa Nacional e candidato à reeleição em outubro, subiu a tribuna e afirmou que a Missão do Ipea na Venezuela depõe contra a credibilidade do país. Ganhou espaço no site do partido.
 
O que está em pauta

A Missão do Ipea na Venezuela está em linha com a ampliação de atribuições adotadas pelo órgão nos últimos anos e com a política externa do Estado brasileiro. Na última década, o Brasil ampliou sua presença internacional. Mais de quarenta embaixadas foram abertas, o país estabeleceu contatos com novos parceiros comerciais, colocou-se como ator importante na seara política e econômica e tem peso decisivo na integração continental. Empresas como Petrobras, Banco do Brasil, Embraer, BNDES, Odebrecht, Camargo Correa e outras estão presentes em vários países da América Latina. Além disso, deixamos de ser receptores de iniciativas de cooperação internacional e nos tornamos ativos no quesito.
 
Nesse contexto, o Ipea criou, em 2009, a Diretoria de Estudos e Relações Econômicas e
Instituto, inicialmente com a instalação de escritórios na Venezuela, Argentina, Paraguai, Uruguai, China e Angola.

A primeira representação coube ao país que se tornou nosso segundo parceiro regional. É bom lembrar que a balança comercial entre Brasil e Venezuela aumentou de US$ 880 milhões/ano em 2003 para mais de US$ 6 bilhões/ano em 2013 e a Venezuela é responsável por um dos três principais superávits comerciais do Brasil desde 2007.
 
Representação qualificada

Para chefiar a representação foi escolhido um Técnico de Planejamento e Pesquisa, concursado do Ipea. Ele foi indicado em processo de seleção interno, aberto a todos os técnicos da instituição. Trata-se de Pedro Silva Barros, formado em Economia e em Direito pela USP, com doutorado no Programa de Pós-Graduação Interunidades em Integração da América Latina (Prolam/USP). Pedro também é professor licenciado do Departamento de Economia da PUC-SP.
 
Vale ressaltar que, além do Ipea, mantêm representação em Caracas a Embrapa, a Caixa Econômica Federal, a Polícia Federal, a ABIN, as três forças armadas e várias empresas privadas. Isso mostra claramente que a Venezuela é um país estratégico para o Brasil. São 1492 km de fronteiras com o pais que tem as maiores reservas de petróleo do mundo. Apesar da crise conjuntural que atravessa, a Venezuela se constitui em um enorme mercado potencial para produtos e serviços brasileiros. O maior interessado em sua estabilidade, depois dos próprios venezuelanos, é o Brasil.
 
Assim, a Missão do Ipea tem como único propósito apoiar as políticas do Estado brasileiro, entre as quais a de promover a integração regional.
 
Produção e pesquisa

Entre o segundo semestre de 2010 e os dias de hoje, o escritório do Ipea em Caracas já produziu dez relatórios específicos no âmbito da cooperação bilateral, com temas ligados à urbanização, indústria petroquímica, desenvolvimento na região da fronteira, integração produtiva e de infraestrutura entre os dois países, entre outros. A lista de atividades realizadas inclui ainda oito cursos sobre planejamento, políticas públicas e integração regional, editados dois livros (um no prelo), seis artigos e relatórios de pesquisa. Houve, além disso, participação em dezenas seminários, conferências, palestras e debates, congressos acadêmicos, reuniões de organizações internacionais e várias publicações em jornais, revistas e sites. A Missão do Ipea na Venezuela participou da delegação brasileira nas reuniões ministeriais preparatórias para a criação da Comunidade de Estados da América Latina e do Caribe (Celac), em Caracas (2011), e integra a delegação brasileira junto ao Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA) desde a reunião anual de 2010.
 
As pesquisas da Missão do Ipea na Venezuela priorizam claramente os temas econômicos, em sentido amplo, que aborda logística e infraestrutura, desenvolvimento urbano e da região de fronteira, integração produtiva e comércio. Um exemplo é o estudo sobre o Canal Cassiquiare, integração natural entre as bacias do Orinoco e Amazônica, que não seria feito se o escritório do Ipea não tivesse sido instalado em Caracas.
 
Temos um déficit no conhecimento sobre os nossos vizinhos. As responsabilidades que o Brasil assume como um global player, particularmente em sua atuação hemisférica, implica que as decisões de Estado estejam subsidiadas por estudos produzidos por suas múltiplas instituições, que devem ter inserção e presença internacional.
 
Portanto, a consolidação do escritório do Ipea na Venezuela é de interesse do Brasil. Oxalá que o sucesso da missão leve o IPEA a retomar o projeto de abertura de representações similares em outros países, em particular do Mercosul.
 
São Paulo, 14 de abril de 2014
Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI)*
grri@brasilnomundo.org.br

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