do sítio Rede do Brasil Atual
As agências de classificação de
risco diziam que estava tudo bem com os bancos que causaram a crise de
2008. Agora, dizem que os mexicanos estão 'certos'. E o Brasil, 'errado'
por Giorgio Romano Schutte e Ramón García Fernández
publicado
12/04/2014 07:34
Depois do colapso do Lehman Brothers, uma questão que ficou no ar foi a
(ir)responsabilidade das agências de avaliação de risco. Afinal, classificaram um conjunto de ativos financeiros como sendo “sem risco” pouco antes de se descobrir que derrubariam a economia norte-americana. Convocadas pelo Congresso dos Estados Unidos, a resposta mágica das três empresas – Moody´s, Standard & Poor´s e Fitch: “It was just an opinion”, ou seja, “foi só uma opinião”. A União Europeia chegou a considerar, inclusive, uma regulação mais rígida a respeito das operações das agências, dado o estrago que fizeram. No comunicado oficial da primeira reunião do G20, no final de 2008, falou-se na necessidade de virar a página de uma era de irresponsabilidades do setor financeiro. Hoje, isso tudo parece distante.
As agências de avaliação de risco voltaram a dominar as percepções sobre as economias do mundo, dando mostras do que o intelectual norte-americano Noam Chomsky chamou de “senador virtual”. Chomsky referiu-se à necessidade de os governos submeterem suas políticas e prestar contas não só aos representantes eleitos, mas também aos setores financeiros, que têm uma capacidade de “votar” contra essas políticas ao movimentar (ou ameaçar) suas aplicações, pressionando os governos a se ajustar ao que eles consideram que devam ser as políticas econômicas corretas. O cardápio dessas políticas não inclui a defesa da garantia de poder de compra das camadas mais pobres, da criação de empregos e da diminuição de desigualdades sociais.
No clima de tentar voltar à lógica do neoliberalismo – a que determina que as vozes dos mercados financeiros falam mais alto –, os governos que optaram por outros caminhos estão sendo atacados. Estariam implementando as políticas que escolheram o “lado errado”. Segundo essa lógica, Venezuela e Argentina são os piores alunos e merecem notas baixas. Mas o Brasil também precisaria ser enquadrado. A ameaça de rebaixamento de sua nota de avaliação de risco obrigou o governo a explicar que faz o dever de casa. Esse foi o sentido da participação da presidenta Dilma Rousseff no fórum econômico de Davos, em janeiro, ponto de encontro anual do “Senado virtual” de Chomsky.
Na América Latina, aluno exemplar seria o México, do presidente Enrique Peña Nieto. É curioso observar, ao longo dos últimos tempos, a euforia com opções liberalizantes, como a entrada do país no Nafta (1994), o acordo de livre comércio com Estados Unidos e Canadá, que intensificou a dependência mexicana ao vizinho do norte. O excesso de liberalização provocou, logo no primeiro ano do Nafta, uma grave crise financeira (a crise tequila), e o México levou outro ainda maior com o impacto da crise em 2008. É claro, porém, que qualquer perspectiva de melhora na economia norte-americana anima, por tabela, a mexicana. É o que justifica o atual otimismo do “Senado virtual”.
Aumento do desemprego dos imigrantes significou queda automática da capacidade de mandar dinheiro para casa e do interesse em cruzar a fronteira para tentar a sorte. Agora, com os sinais de recuperação da economia, vive-se a expectativa de que o fluxo migratório, que caiu para 100 mil pessoas em 2010, volte aos patamares “normais” de 300 mil ano. Ou seja, o México volta a almejar um crescimento da entrada de dólares em seu caixa por meio das remessas. Não se trata exatamente de um modelo a ser seguido pelo Brasil.
No que diz respeito às maquiladoras, a queda nos últimos anos deve-se a dois motivos. A concorrência chinesa e o impacto da crise de 2008. Agora, três acontecimentos justificam a previsão de recuperação desse setor. Existe um processo de encarecimento da produção na China que devolve parte da competitividade da manufatura mexicana, devido aos baixos salários nas maquiladoras e às vantagens de sua posição geográfica. A isso se junta o duplo impacto do crescimento da produção de gás de xisto dos Estados Unidos, que baixou o custo de energia para a indústria local e alimenta a demanda por produtos intermediários das maquiladoras do México em cadeias produtivas integradas com os Estados Unidos. Ao mesmo tempo, o México importa gás norte-americano, o que faz o preço do seu gás seguir o do vizinho – possibilitando uma redução providencial de custos diante da concorrência chinesa.
E, terceiro, a própria recuperação da economia dos Estados Unidos permite prever uma tendência de aumento da demanda por produtos mexicanos. Novamente, trata-se de uma situação específica e não de um modelo a se contrapor à política econômica brasileira.
Ao mesmo tempo em que os recursos proporcionados pela estatal Pemex eram utilizados para financiar o governo federal, este deixava de fazer os necessários investimentos na produtividade petrolífera. Atualmente, um terço do orçamento do governo depende da renda de petróleo. O problema é que a produção caiu de 3,83 milhões de BOE (barril de petróleo equivalente), em 2004, para 2,91 milhões em 2012. Com a falta de investimento em capacidade de refino, o país ficou extremamente dependente da importação de derivados dos Estados Unidos. Consumiu o equivalentes a US$ 27 bilhões em 2012, enquanto exportou US$ 48 bilhões em óleo cru. Assim, a conta líquida de petróleo ficou abaixo das remessas dos migrantes.
No mesmo período, 2004-2012, a produção no Brasil aumentou de 1,5 milhão para 2,1 milhões de BOE. Enquanto o Brasil está construindo quatro refinarias para ampliar sua capacidade e acabar com a dependência de importação de derivados, o México não tem um projeto sequer em andamento. E a falta de capacidade de refino, de exploração de gás e de tecnologia para exploração de petróleo em alto mar não é porque a Pemex foi estatal, mas porque os sucessivos governos de orientação liberal tomaram a decisão política de enfraquecer a empresa, levando a uma situação insustentável. E a disputa pelo novo marco regulatório do petróleo e gás no México ainda está longe de estar resolvida.
A economia mexicana cresceu 1,1%, em 2013, metade do crescimento do Brasil. A balança comercial em 2013 ficou negativa (ao contrário da brasileira, que ficou positiva). E o mais curioso é verificar que as entradas de investimentos externos diretos, que registram os investimentos das empresas e não do setor financeiro, tiveram no México um valor acumulado no triênio 2011-2013 de US$ 75 bilhões, ante US$ 196 bilhões no caso do Brasil (161% a mais, sendo a economia brasileira apenas 80% maior que a mexicana).
Se alguma coisa pode dar inveja aos brasileiros é o fato de a taxa básica de juros mexicana, em termos reais, descontada a inflação, estar em padrões civilizados de 3,5% ao ano. Com isso, o peso dos juros sobre PIB é bem menor que no Brasil, onde os juros reais estão na casa dos 5%. Mas se é correto admitir uma aposta na recuperação da economia mexicana, nada justifica que contraponham políticas suas, ditas “corretas”, às supostamente “erradas” do Brasil, como argumentam as agências de classificação. Em fevereiro, a Moody’s subiu o rating (o que significa dizer reduziu o “risco México”) do país. Já outra agência, a Standard & Poor’s, rebaixou o rating do Brasil.
Claro, podem argumentar que trata-se “apenas de uma opinião”, tão consistente como a que não previu a podridão dos mercados que desembocou na crise de 2008. Mas nada mais que uma opinião ideológica.
Giorgio Romano Schutte é professor de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC (UFABC)
A sair desse buraco, a economia recuperou-se rapidamente, crescendo a um ritmo intenso. Inicialmente movida à retomada da indústria e da agricultura, favorecidas ambas pela desvalorização do peso frente ao dólar, e pelo aumento dos preços internacionais. De 2003 a 2011, o crescimento do PIB esteve acima de 7% em todos os anos, exceto na crise de 2009. Nesse período, houve forte redução das desigualdades de renda e na taxa de desemprego. O consumo estourou, batendo recordes de compra de eletrodomésticos e de carros, de turismo interno etc. Políticas como os planos Trabalhar e Chefes e Chefas, bem como a Contribuição Universal por Filho proporcionaram emprego e renda para os mais pobres ao longo dos governos de Néstor (2003-2007) e Cristina Kirchner (de 2007 até hoje).
Superado esse impulso inicial, foi necessária a reestatização das aposentadorias, que tinham sido privatizadas. Também se concedeu aposentadoria a todas as mulheres de mais de 60 anos, e aos homens de mais de 65, mesmo que não tivessem pago suas contribuições; houve também reajustes importantes nos benefícios. As negociações coletivas de trabalho foram valorizadas e contribuíram para aumentar os salários reais.
Nos últimos dois anos, no meio do agravamento da crise internacional, a economia enfrenta problemas. A inflação, ressurgida em 2007, se manteve elevada porém constante, por volta de 25% ao ano. O crescimento do PIB caiu para perto de 2% ao ano. Ao mesmo tempo, surgiram problemas com o câmbio: desde 2002, e apesar de ter feito uma ótima renegociação da dívida externa, o país não consegue novos empréstimos; portanto, depende muito das exportações e das reservas. Essas exportações em boa parte são agrícolas; o governo tem aplicado um imposto à exportação desses produtos, o que levou a um forte conflito com os produtores rurais em 2008, e a situação com eles continua tensa. Em 2013, eles retardaram as exportações, num movimento especulativo em compasso com a alta do dólar.
Por sua vez, o governo tentou nos últimos anos segurar a cotação do dólar para controlar a inflação, restringindo sua venda. Surgiu então um mercado paralelo, no qual o preço da moeda americana se descolou do valor oficial, provocando uma corrida contra as reservas. Como resposta a essas dificuldades, o governo fez recentemente algumas mudanças, especialmente por meio de uma desvalorização que conseguiu trazer o dólar para um valor mais realista, reduzindo em parte a especulação.
Apesar das dificuldades, o governo continua defendendo que o setor público recupere o comando das principais alavancas da economia. Um exemplo foi a expropriação, em 2012, da companhia de petróleo YPF, estatal desde sua criação em 1922 e que fora privatizada em 1993. A produção de petróleo, de gás e os investimentos, estagnados na época da privatização, aumentaram sob controle público. O governo também se mantém firme na sustentação de políticas sociais, e recentemente criou um plano que dá uma bolsa para os jovens de 18 a 24 anos que não estudam nem trabalham, desde que voltem a frequentar escolar regular ou profissionalizante.
A convulsão causada pela corrida contra o peso parece ter sido contida, e acordos de controle de preços têm evitado uma disparada da inflação. Nos próximos meses se verá se o governo conseguiu acalmar a situação e retomar o caminho do crescimento em meio à crise internacional, ou se as previsões céticas da oposição se confirmam. Esse embate será crucial para os rumos das eleições presidenciais de 2015, a qual a presidenta Cristina Kirchner já não poderá concorrer
Ramón García Fernández é professor titular de Economia da UFABC
(ir)responsabilidade das agências de avaliação de risco. Afinal, classificaram um conjunto de ativos financeiros como sendo “sem risco” pouco antes de se descobrir que derrubariam a economia norte-americana. Convocadas pelo Congresso dos Estados Unidos, a resposta mágica das três empresas – Moody´s, Standard & Poor´s e Fitch: “It was just an opinion”, ou seja, “foi só uma opinião”. A União Europeia chegou a considerar, inclusive, uma regulação mais rígida a respeito das operações das agências, dado o estrago que fizeram. No comunicado oficial da primeira reunião do G20, no final de 2008, falou-se na necessidade de virar a página de uma era de irresponsabilidades do setor financeiro. Hoje, isso tudo parece distante.
As agências de avaliação de risco voltaram a dominar as percepções sobre as economias do mundo, dando mostras do que o intelectual norte-americano Noam Chomsky chamou de “senador virtual”. Chomsky referiu-se à necessidade de os governos submeterem suas políticas e prestar contas não só aos representantes eleitos, mas também aos setores financeiros, que têm uma capacidade de “votar” contra essas políticas ao movimentar (ou ameaçar) suas aplicações, pressionando os governos a se ajustar ao que eles consideram que devam ser as políticas econômicas corretas. O cardápio dessas políticas não inclui a defesa da garantia de poder de compra das camadas mais pobres, da criação de empregos e da diminuição de desigualdades sociais.
No clima de tentar voltar à lógica do neoliberalismo – a que determina que as vozes dos mercados financeiros falam mais alto –, os governos que optaram por outros caminhos estão sendo atacados. Estariam implementando as políticas que escolheram o “lado errado”. Segundo essa lógica, Venezuela e Argentina são os piores alunos e merecem notas baixas. Mas o Brasil também precisaria ser enquadrado. A ameaça de rebaixamento de sua nota de avaliação de risco obrigou o governo a explicar que faz o dever de casa. Esse foi o sentido da participação da presidenta Dilma Rousseff no fórum econômico de Davos, em janeiro, ponto de encontro anual do “Senado virtual” de Chomsky.
Na América Latina, aluno exemplar seria o México, do presidente Enrique Peña Nieto. É curioso observar, ao longo dos últimos tempos, a euforia com opções liberalizantes, como a entrada do país no Nafta (1994), o acordo de livre comércio com Estados Unidos e Canadá, que intensificou a dependência mexicana ao vizinho do norte. O excesso de liberalização provocou, logo no primeiro ano do Nafta, uma grave crise financeira (a crise tequila), e o México levou outro ainda maior com o impacto da crise em 2008. É claro, porém, que qualquer perspectiva de melhora na economia norte-americana anima, por tabela, a mexicana. É o que justifica o atual otimismo do “Senado virtual”.
Remessas
São três os principais motores daquela economia: a exportação de petróleo, a remessa de recursos dos migrantes mexicanos e o setor de maquiladoras, manufatura voltada para a exportação, em sua maioria para os Estados Unidos, onde hoje moram 33,5 milhões de pessoas declaradas mexicanas. Muitos desses trabalhadores enviam periodicamente dinheiro para as suas famílias. Essas remessas são a segunda maior entrada bruta de dólares na economia do país. Chegaram a US$ 30 bilhões por ano antes da crise de 2008 e caíram para US$ 22 bilhões no ano passado.Aumento do desemprego dos imigrantes significou queda automática da capacidade de mandar dinheiro para casa e do interesse em cruzar a fronteira para tentar a sorte. Agora, com os sinais de recuperação da economia, vive-se a expectativa de que o fluxo migratório, que caiu para 100 mil pessoas em 2010, volte aos patamares “normais” de 300 mil ano. Ou seja, o México volta a almejar um crescimento da entrada de dólares em seu caixa por meio das remessas. Não se trata exatamente de um modelo a ser seguido pelo Brasil.
No que diz respeito às maquiladoras, a queda nos últimos anos deve-se a dois motivos. A concorrência chinesa e o impacto da crise de 2008. Agora, três acontecimentos justificam a previsão de recuperação desse setor. Existe um processo de encarecimento da produção na China que devolve parte da competitividade da manufatura mexicana, devido aos baixos salários nas maquiladoras e às vantagens de sua posição geográfica. A isso se junta o duplo impacto do crescimento da produção de gás de xisto dos Estados Unidos, que baixou o custo de energia para a indústria local e alimenta a demanda por produtos intermediários das maquiladoras do México em cadeias produtivas integradas com os Estados Unidos. Ao mesmo tempo, o México importa gás norte-americano, o que faz o preço do seu gás seguir o do vizinho – possibilitando uma redução providencial de custos diante da concorrência chinesa.
E, terceiro, a própria recuperação da economia dos Estados Unidos permite prever uma tendência de aumento da demanda por produtos mexicanos. Novamente, trata-se de uma situação específica e não de um modelo a se contrapor à política econômica brasileira.
A questão do petróleo
Na ideologia neoliberal das agências de rating e seus clientes, o que justificaria o otimismo em relação ao México seria uma recente alteração na Constituição que põe fim ao monopólio estatal da exploração e produção do petróleo. Não está claro como será a legislação para regulamentar esse dispositivo. Mas quando o México embarcou em políticas liberais no início, há mais de duas décadas, não havia clima político e social para mexer com o petróleo. Partiu-se, então, para um processo de sucateamento que levasse a uma situação que “incriminasse” a manutenção do monopólio.Ao mesmo tempo em que os recursos proporcionados pela estatal Pemex eram utilizados para financiar o governo federal, este deixava de fazer os necessários investimentos na produtividade petrolífera. Atualmente, um terço do orçamento do governo depende da renda de petróleo. O problema é que a produção caiu de 3,83 milhões de BOE (barril de petróleo equivalente), em 2004, para 2,91 milhões em 2012. Com a falta de investimento em capacidade de refino, o país ficou extremamente dependente da importação de derivados dos Estados Unidos. Consumiu o equivalentes a US$ 27 bilhões em 2012, enquanto exportou US$ 48 bilhões em óleo cru. Assim, a conta líquida de petróleo ficou abaixo das remessas dos migrantes.
No mesmo período, 2004-2012, a produção no Brasil aumentou de 1,5 milhão para 2,1 milhões de BOE. Enquanto o Brasil está construindo quatro refinarias para ampliar sua capacidade e acabar com a dependência de importação de derivados, o México não tem um projeto sequer em andamento. E a falta de capacidade de refino, de exploração de gás e de tecnologia para exploração de petróleo em alto mar não é porque a Pemex foi estatal, mas porque os sucessivos governos de orientação liberal tomaram a decisão política de enfraquecer a empresa, levando a uma situação insustentável. E a disputa pelo novo marco regulatório do petróleo e gás no México ainda está longe de estar resolvida.
A economia mexicana cresceu 1,1%, em 2013, metade do crescimento do Brasil. A balança comercial em 2013 ficou negativa (ao contrário da brasileira, que ficou positiva). E o mais curioso é verificar que as entradas de investimentos externos diretos, que registram os investimentos das empresas e não do setor financeiro, tiveram no México um valor acumulado no triênio 2011-2013 de US$ 75 bilhões, ante US$ 196 bilhões no caso do Brasil (161% a mais, sendo a economia brasileira apenas 80% maior que a mexicana).
Se alguma coisa pode dar inveja aos brasileiros é o fato de a taxa básica de juros mexicana, em termos reais, descontada a inflação, estar em padrões civilizados de 3,5% ao ano. Com isso, o peso dos juros sobre PIB é bem menor que no Brasil, onde os juros reais estão na casa dos 5%. Mas se é correto admitir uma aposta na recuperação da economia mexicana, nada justifica que contraponham políticas suas, ditas “corretas”, às supostamente “erradas” do Brasil, como argumentam as agências de classificação. Em fevereiro, a Moody’s subiu o rating (o que significa dizer reduziu o “risco México”) do país. Já outra agência, a Standard & Poor’s, rebaixou o rating do Brasil.
Claro, podem argumentar que trata-se “apenas de uma opinião”, tão consistente como a que não previu a podridão dos mercados que desembocou na crise de 2008. Mas nada mais que uma opinião ideológica.
Giorgio Romano Schutte é professor de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC (UFABC)
A Argentina e os problemas de Cristina
Ao falar da economia argentina atual, devemos antes lembrar que o país tinha sido o mais fiel seguidor das doutrinas neoliberais nos anos 1990, elogiado tanto pelos organismos internacionais como pelas publicações especializadas e não especializadas. Como consequência dessas políticas, o país atravessou no final de 2001 e começo de 2002 a maior crise da sua história. Chegou a ter cinco presidentes em 11 dias, e precisou deixar de pagar sua dívida por absoluta falta de recursos. Em meados de 2002, a pobreza afetava mais de 50% da população e o desemprego chegava a 25%.A sair desse buraco, a economia recuperou-se rapidamente, crescendo a um ritmo intenso. Inicialmente movida à retomada da indústria e da agricultura, favorecidas ambas pela desvalorização do peso frente ao dólar, e pelo aumento dos preços internacionais. De 2003 a 2011, o crescimento do PIB esteve acima de 7% em todos os anos, exceto na crise de 2009. Nesse período, houve forte redução das desigualdades de renda e na taxa de desemprego. O consumo estourou, batendo recordes de compra de eletrodomésticos e de carros, de turismo interno etc. Políticas como os planos Trabalhar e Chefes e Chefas, bem como a Contribuição Universal por Filho proporcionaram emprego e renda para os mais pobres ao longo dos governos de Néstor (2003-2007) e Cristina Kirchner (de 2007 até hoje).
Superado esse impulso inicial, foi necessária a reestatização das aposentadorias, que tinham sido privatizadas. Também se concedeu aposentadoria a todas as mulheres de mais de 60 anos, e aos homens de mais de 65, mesmo que não tivessem pago suas contribuições; houve também reajustes importantes nos benefícios. As negociações coletivas de trabalho foram valorizadas e contribuíram para aumentar os salários reais.
Nos últimos dois anos, no meio do agravamento da crise internacional, a economia enfrenta problemas. A inflação, ressurgida em 2007, se manteve elevada porém constante, por volta de 25% ao ano. O crescimento do PIB caiu para perto de 2% ao ano. Ao mesmo tempo, surgiram problemas com o câmbio: desde 2002, e apesar de ter feito uma ótima renegociação da dívida externa, o país não consegue novos empréstimos; portanto, depende muito das exportações e das reservas. Essas exportações em boa parte são agrícolas; o governo tem aplicado um imposto à exportação desses produtos, o que levou a um forte conflito com os produtores rurais em 2008, e a situação com eles continua tensa. Em 2013, eles retardaram as exportações, num movimento especulativo em compasso com a alta do dólar.
Por sua vez, o governo tentou nos últimos anos segurar a cotação do dólar para controlar a inflação, restringindo sua venda. Surgiu então um mercado paralelo, no qual o preço da moeda americana se descolou do valor oficial, provocando uma corrida contra as reservas. Como resposta a essas dificuldades, o governo fez recentemente algumas mudanças, especialmente por meio de uma desvalorização que conseguiu trazer o dólar para um valor mais realista, reduzindo em parte a especulação.
Apesar das dificuldades, o governo continua defendendo que o setor público recupere o comando das principais alavancas da economia. Um exemplo foi a expropriação, em 2012, da companhia de petróleo YPF, estatal desde sua criação em 1922 e que fora privatizada em 1993. A produção de petróleo, de gás e os investimentos, estagnados na época da privatização, aumentaram sob controle público. O governo também se mantém firme na sustentação de políticas sociais, e recentemente criou um plano que dá uma bolsa para os jovens de 18 a 24 anos que não estudam nem trabalham, desde que voltem a frequentar escolar regular ou profissionalizante.
A convulsão causada pela corrida contra o peso parece ter sido contida, e acordos de controle de preços têm evitado uma disparada da inflação. Nos próximos meses se verá se o governo conseguiu acalmar a situação e retomar o caminho do crescimento em meio à crise internacional, ou se as previsões céticas da oposição se confirmam. Esse embate será crucial para os rumos das eleições presidenciais de 2015, a qual a presidenta Cristina Kirchner já não poderá concorrer
Ramón García Fernández é professor titular de Economia da UFABC
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