Por Luiz Gonzaga Belluzzo, na revista Carta Capital
Nas páginas dos cadernos de economia, os ditos formadores de opinião rezam a ladainha da economia virtuosa: a baixa taxa de poupança agregada determina a reduzida taxa de investimento e, consequentemente, o medíocre crescimento brasileiro.
Custaria pouco consultar o recém-publicado World Economic Outlook. Esse relatório semestral do FMI oferece um tratamento econométrico cuidadoso aos interessados no tema Crescimento x Poupança. É obrigatório alertar o leitor não especialista para as limitações preditivas dos procedimentos econométricos. Seja como for, o teste de causalidade de Granger aplicado a um amplo painel de países desenvolvidos e emergentes atesta: o crescimento do PIB precede as variações na taxa de poupança. Diz o relatório: “A análise cuida da direção de causalidade entre poupança e crescimento do PIB no curto e no médio prazo. Trata-se de observar em que medida o crescimento do PIB ou a taxa de poupança privada de períodos anteriores antecipam variações em uma ou outra das variáveis. O resultado da análise sugere que uma elevação na taxa de poupança antecipa um crescimento mais baixo do PIB no curto e no médio prazo. Em contraste, elevações na taxa de crescimento do PIB antecipam taxas de poupança mais elevadas. A correlação entre crescimento e poupança afirma a anterioridade do crescimento sobre a poupança e não o contrário”.
Os economistas da chamada corrente principal não conseguem enfiar o dinheiro, os bancos e o crédito em seus modelos de equilíbrio geral, deterministas ou estocásticos. Persistem em sua batalha ideológica em prol dos preconceitos do senso comum e na contramão dos movimentos da economia capitalista guiados pelo domínio absoluto da circulação monetária, o que envolve o pagamento de salários com o propósito de capturar lucros, sob as regras e desregramentos do dinheiro de crédito criado pelos bancos e assemelhados.
Para juntar ofensa à injúria, essa economia é dotada de um setor de meios de produção especializado, incumbido de abrigar em sua força material a sede de crescimento dos senhores do dinheiro. O avanço da “economia de mercado” produziu a separação material entre os bens de consumo e os bens de produção. Assim, por sua “natureza” material, os bens de produção não podem ser consumidos, ou melhor, o seu “consumo” só pode ocorrer ao longo do tempo, se mobilizados pelos gastos de investimento.
Para tanto, os intrépidos empresários, ao recorrer ao dinheiro dos bancos, arrostam os riscos de inadimplemento ou, ao utilizar suas reservas monetárias, enfrentam as agruras da iliquidez. Com isso, “financiam” o pagamento de mais salários no afã de conquistar lucros acrescentados. Dos salários pagos e dos lucros realizados saem as poupanças privadas que vão se juntar ao estoque já existente de riqueza financeira da sociedade.
Assim, ao comentar a equação: “Lucros Brutos = Investimento Bruto + Consumo dos Capitalistas”, o economista polonês Michael Kalecki pergunta: significa ela, por acaso, que os lucros, em um dado período, determinam o consumo e o investimento dos capitalistas, ou o inverso disto? A resposta a essa questão, diz ele, depende de se determinar qual desses itens está sujeito diretamente às decisões dos capitalistas. Fica claro que os capitalistas podem decidir consumir e investir mais em um dado período do que no precedente. Mas eles não podem decidir ganhar mais. São, portanto, suas decisões de investimento e consumo que determinam os lucros (e a poupança privada derivada dos salários e demais rendimentos) e não vice-versa.
Na versão keynesiana do princípio da demanda efetiva, o investimento e o crédito são as variáveis independentes que determinam a criação da renda monetária e, portanto, a distribuição do valor criado pelo gasto na produção de bens de consumo e bens de produção entre lucros e salários.
Nesta economia com grande concentração de capital fixo e dominância dos bancos na intermediação financeira, a dinâmica de longo prazo está fundada na busca do aumento da produtividade social do trabalho, o que, por sua vez impulsiona a competição pela inovação tecnológica.
Seriam os autores do estudo das relações entre crescimento e poupança – os economistas do FMI Davide Furceri, Andrea Pescatori e Boqun Wang – sorrateiros keynesianos, talvez ardilosos schumpeterianos ou, pior, perigosos marxistas? A ascendência italiana de Furceri e Pescatori é altamente suspeita e deveria ser submetida à inspeção e monitoramento dos protoliberais brasileiros que ora se ocupam em vasculhar desenvolvimentistas nas universidades. Já o chinês Wang...
Nas páginas dos cadernos de economia, os ditos formadores de opinião rezam a ladainha da economia virtuosa: a baixa taxa de poupança agregada determina a reduzida taxa de investimento e, consequentemente, o medíocre crescimento brasileiro.
Custaria pouco consultar o recém-publicado World Economic Outlook. Esse relatório semestral do FMI oferece um tratamento econométrico cuidadoso aos interessados no tema Crescimento x Poupança. É obrigatório alertar o leitor não especialista para as limitações preditivas dos procedimentos econométricos. Seja como for, o teste de causalidade de Granger aplicado a um amplo painel de países desenvolvidos e emergentes atesta: o crescimento do PIB precede as variações na taxa de poupança. Diz o relatório: “A análise cuida da direção de causalidade entre poupança e crescimento do PIB no curto e no médio prazo. Trata-se de observar em que medida o crescimento do PIB ou a taxa de poupança privada de períodos anteriores antecipam variações em uma ou outra das variáveis. O resultado da análise sugere que uma elevação na taxa de poupança antecipa um crescimento mais baixo do PIB no curto e no médio prazo. Em contraste, elevações na taxa de crescimento do PIB antecipam taxas de poupança mais elevadas. A correlação entre crescimento e poupança afirma a anterioridade do crescimento sobre a poupança e não o contrário”.
Os economistas da chamada corrente principal não conseguem enfiar o dinheiro, os bancos e o crédito em seus modelos de equilíbrio geral, deterministas ou estocásticos. Persistem em sua batalha ideológica em prol dos preconceitos do senso comum e na contramão dos movimentos da economia capitalista guiados pelo domínio absoluto da circulação monetária, o que envolve o pagamento de salários com o propósito de capturar lucros, sob as regras e desregramentos do dinheiro de crédito criado pelos bancos e assemelhados.
Para juntar ofensa à injúria, essa economia é dotada de um setor de meios de produção especializado, incumbido de abrigar em sua força material a sede de crescimento dos senhores do dinheiro. O avanço da “economia de mercado” produziu a separação material entre os bens de consumo e os bens de produção. Assim, por sua “natureza” material, os bens de produção não podem ser consumidos, ou melhor, o seu “consumo” só pode ocorrer ao longo do tempo, se mobilizados pelos gastos de investimento.
Para tanto, os intrépidos empresários, ao recorrer ao dinheiro dos bancos, arrostam os riscos de inadimplemento ou, ao utilizar suas reservas monetárias, enfrentam as agruras da iliquidez. Com isso, “financiam” o pagamento de mais salários no afã de conquistar lucros acrescentados. Dos salários pagos e dos lucros realizados saem as poupanças privadas que vão se juntar ao estoque já existente de riqueza financeira da sociedade.
Assim, ao comentar a equação: “Lucros Brutos = Investimento Bruto + Consumo dos Capitalistas”, o economista polonês Michael Kalecki pergunta: significa ela, por acaso, que os lucros, em um dado período, determinam o consumo e o investimento dos capitalistas, ou o inverso disto? A resposta a essa questão, diz ele, depende de se determinar qual desses itens está sujeito diretamente às decisões dos capitalistas. Fica claro que os capitalistas podem decidir consumir e investir mais em um dado período do que no precedente. Mas eles não podem decidir ganhar mais. São, portanto, suas decisões de investimento e consumo que determinam os lucros (e a poupança privada derivada dos salários e demais rendimentos) e não vice-versa.
Na versão keynesiana do princípio da demanda efetiva, o investimento e o crédito são as variáveis independentes que determinam a criação da renda monetária e, portanto, a distribuição do valor criado pelo gasto na produção de bens de consumo e bens de produção entre lucros e salários.
Nesta economia com grande concentração de capital fixo e dominância dos bancos na intermediação financeira, a dinâmica de longo prazo está fundada na busca do aumento da produtividade social do trabalho, o que, por sua vez impulsiona a competição pela inovação tecnológica.
Seriam os autores do estudo das relações entre crescimento e poupança – os economistas do FMI Davide Furceri, Andrea Pescatori e Boqun Wang – sorrateiros keynesianos, talvez ardilosos schumpeterianos ou, pior, perigosos marxistas? A ascendência italiana de Furceri e Pescatori é altamente suspeita e deveria ser submetida à inspeção e monitoramento dos protoliberais brasileiros que ora se ocupam em vasculhar desenvolvimentistas nas universidades. Já o chinês Wang...
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