Jaciara Itaim, no sítio Carta Maior |
Há um ano atrás, em 17 de abril de 2013, o Comitê de Política Monetária (COPOM) tomou uma decisão que passaria a representar, para o período que viria a seguir, uma triste reviravolta em termos da essência da política econômica do governo Dilma. Até então - e por dez reuniões consecutivas! - essa reunião especial da diretoria do Banco Central (BC) havia deliberado pela redução da taxa de juros oficial, a SELIC. Dessa forma, a taxa de referência para os custos no sistema financeiro tinha baixado de 12,50% para 7,25% ao ano. Uma diminuição expressiva e que poderia ter significado um importante passo rumo à consolidação de uma forma distinta de se encarar o poder do financismo em nossas terras.
Mas logo na sequência houve uma nova rendição face aos desígnios da banca e voltamos todos a assistir à escalada altista da política monetária. Por outras onze reuniões consecutivas o COPOM foi aumentando de novo a taxa, que chegou agora aos 11% no encontro da semana passada. Uma pena que tenha sido feita mais essa concessão ao parasitismo econômico, que o falecido José de Alencar tanto condenou duramente ao longo dos 8 anos em que ocupou a vice-presidência de Lula. Mais uma vez, o Brasil volta a disputar o pódio dentre as nações que praticam a maior taxa de juros real no mundo - valor calculado depois de descontada a inflação do período.
Alta da SELIC: a inflação do tomate
No ano passado a desculpa para a retomada da trajetória de elevação foi a tragicômica “inflação do tomate”. Uma verdadeira brincadeira de mau gosto, um tapa na cara da inteligência mínima dos brasileiros. Para conter o risco da retomada da espiral inflacionária, o inimigo a ser combatido se revelaria na figura de um único componente da mesa de alimentação de nossos lares. Um item que apresenta alta volatilidade de preços em função de alterações na regularidade climática e que pode tranquilamente encontrar substitutos no plano do consumo.
Tanto que algumas semanas depois, a oferta de tomate voltou a aumentar no comércio e os preços retornaram ao patamar anterior. Já a taxa do BC, esta permaneceu nas alturas. O legume vermelho dos molhos e das saladas não passava de mera desculpa para a nova estocada nos juros.
Exatamente um ano depois, o ciclo se repete. As vozes do monetarismo conservador começam a se levantar contra o suposto descontrole da política fiscal e bradam aos 5 ventos pela necessidade de maior austeridade na política monetária.
O discurso é monocórdico: o excesso de gastos do governo seria, como sempre, o principal vilão daquilo que eles qualificam como “desequilíbrio macroeconômico”.
No entanto, como sempre, eles não chamam a atenção para um dos maiores vetores das despesas do governo federal: o pagamento de juros da dívida pública. Não, essa rubrica é imexível! O raciocínio simplista continua valendo para todos os efeitos, e tem sua validação amplificada pela repetição “ad nauseam” patrocinada pelos comentaristas de economia dos grandes meios de comunicação. Em síntese, o que eles afirmam é que os gastos públicos são intrinsecamente inflacionários e que o único instrumento para evitar a elevação dos preços é o aumento na taxa de juros. E dá-lhe um novo peteleco na SELIC. Simples assim!
Taxa de juros não é eficiente para controlar preços
Ocorre que até mesmo vários economistas que sempre foram vinculados ao pensamento hegemônico - a exemplo de Delfim Netto e Yoshiaki Nakano - começam a apresentar suas dúvidas quanto à eficácia da elevação de juros para segurar os preços na economia brasileira. E que nem seja por nenhuma outra razão mais elaborada em termos conceituais. O fato real e concreto é que o aumento da taxa oficial de juros não consegue atuar na contenção de preços, uma vez que alguns dos componentes da inflação em nosso País não são devidos à pressão de demanda.
Assim, finalmente começa a cair a ficha - meio óbvia, aliás - de que a formação de preços tem muito a ver com a existência de mercados muito concentrados ou quase monopolistas, onde a ação dos agentes de oferta conseguem patrocinar manipulação de preços. Ou então que se trata dos chamados preços administrados, como energia, transportes e outros - eles dependem de autorização governamental para serem reajustados e o aumento da SELIC não reduz o consumo desses bens. Ou ainda podem ser derivados de aumentos ocorridos nos preços das “commodities” no mercado internacional, tais como soja, petróleo, trigo, minério de ferro e outros. Esse tipo de fenômeno tampouco consegue ser enfrentado com aperto de política monetária aqui dentro. Eles vêm de fora, são aquilo que o economês chama de “choques externos”. Mudam o patamar geral dos preços relativos e a SELIC não resolve nada nesse ambiente.
A proximidade das eleições e a pressão conservadora
Outro elemento complicador nesse caldo cultura relaciona-se à dinâmica política em ano eleitoral. Os primeiros resultados das pesquisas de opinião começam a sinalizar alguns problemas no horizonte para a candidata Dilma nas eleições de outubro. Assim, a turminha do financismo já começa a botar suas manguinhas de fora, batendo forte na Presidenta e participando de forma mais explícita da articulação das campanhas de Aécio Neves e da dupla Eduardo/Marina. O recado catastrofista é sempre o mesmo: chamar a atenção da sociedade para o tão batido “risco do descontrole” dos chamados fundamentos da política econômica. Há propostas mirabolantes para várias áreas de governo, mas o aumento da taxa de juros é sempre inescapável.
E isso tudo para não falar do fogo amigo, que se aglutina em torno do estímulo ao movimento “Volta, Lula!”. Afinal, é sempre bom lembrar que Antonio Palocci e Henrique Meirelles formavam a duplinha toda-poderosa da ortodoxia monetarista daqueles tristes tempos da política econômica do primeiro mandato. Não obstante o elevado carisma do ex-presidente e sua inegável habilidade em articular o consenso entre opostos, o fato é que a essência da política desenvolvida pelos responsáveis da economia em seus mandatos foi marcada pelo conservadorismo.
A exceção ficou por conta da mudança para maior flexibilidade, em função da crise internacional em 2008. Tanto que setores dos representantes do capital, inclusive o financeiro, declaram preferir Lula a Dilma.
Nesse quadro, a Presidenta parece se deixar levar pelos ventos e termina por pegar carona no discurso enaltecendo a urgência do rigor severo da austeridade fiscal. Uma bobagem sem tamanho. Mas essa tem sido uma marca fundamental de seu governo: corte de despesas orçamentárias nas áreas sociais e nos investimentos, com o objetivo de assegurar o famigerado superávit primário. E vejam que isso vem de longe: a resposta que foi dada por Dilma ao amplo movimento de junho de 2013, liderado pelas entidades em torno do Passe Livre, continha 5 itens. O primeiro deles era o “pacto pela responsabilidade fiscal”.
Por que não mexer nas despesas com pagamento de juros?
Não por acaso esse período mais recente foi marcado justamente pela retomada da alta da SELIC. E a fatura legada por tal opção foi pesadíssima para a maioria da sociedade! Em 2013, por exemplo, o montante do orçamento que o governo dedicou ao pagamento de juros foi de R$ 248 bilhões. Uma loucura! Depois os arautos do monetarismo enchem a boca para exigir austeridade e os responsáveis pela política econômica tremem de medo de contrariar os interesses do sistema financeiro. A ladainha de sempre é apontar a necessidade de cortes em áreas como saúde, educação, previdência social e até mesmo programas de investimento.
Por outro lado, o governo continua mantendo a opção irresponsável de ampliar a política de concessão de isenções e desonerações a torto e a direito. Tais benesses têm sido oferecidas ao capital sem nenhuma exigência de contrapartida, em termos de manter preços dos bens produzidos ou de manter o nível de emprego nas empresas e nos setores. Na verdade, trata-se tão somente de uma outorga de facilidades para aumentar as margens de ganho do capital privado, às custas da compressão das receitas tributárias e com impacto claramente negativo sobre a disponibilidade de despesas na área social. Um verdadeiro tiro no pé!
Enfim, permanece o triste teatro de pressões às vésperas de cada reunião do COPOM, que ocorre periodicamente a cada 45 dias. O BC divulga os resultados de sua pesquisa Focus, sinalizando quais seriam as chamadas “expectativas do mercado” para o encontro do Comitê. O problema é que a sondagem é feita exclusivamente juntos aos responsáveis de tomada de decisões das próprias instituições financeiras. E como a autoridade monetária não costuma contrariar tais expectativas, cria-se um círculo vicioso do estilo “crônica da morte anunciada”. Os jornalões decretam antes da reunião: “mercado exige alta de x% na SELIC”. E bingo: a divulgação do resultado na quarta-feira à noite apenas confirma tal antecipação. E aí de quem ouse caminhar por trilha diferente!
É passada a hora de mudar a cartilha. Esses onze anos de política econômica equivocada só vieram a confirmar que elevação da taxa de juros não é o instrumento adequado para qualquer projeto que se pretenda desenvolvimentista e portador de inclusão. A supremacia da ótica que privilegia o financismo só promove a transferência de renda em favor de um setor que é exatamente o que menos precisa de apoio do Estado. O risco desse período que antecede o debate eleitoral é a cristalização de uma falsa unanimidade em torno da manutenção dos fundamentos da política econômica. Ou seja, o perigo de ficarmos mais uma vez como meros espectadores passivos, assistindo à continuidade imobilizadora do “mais do mesmo”.
(*) Economista e militante por um mundo mais justo em termos sociais e econômicos.
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