sexta-feira, 28 de março de 2014

Há 50 anos dos regimes de terror na América Latina


Emir Sader, em seu blog
 
O golpe civil-militar de 1964 no Brasil deu inicio à implantação de ditaduras que constituiriam um círculo de terror como nunca a América Latina conhecera. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, com o inicio da Guerra Fria, os Estados Unidos promoveram no continente a Doutrina de Segurança Nacional, sua ideologia da luta "contra a subversão" que desembocaria na instauração dessas regimes.

A Doutrina, elaborada pelo Departamento de Estado dos EUA e propagada pela Escola das Américas e por cursos ministrados diretamente por oficiais norte-americanos, propugnava a militarização dos Estados, que se tornariam Estados-maiores, conduzidos pela oficialidade das forças armadas latino-americanas, no combate a todas as forças que a Doutrina considerasse que colocavam em risco a "democracia" no continente.

A concepção totalitária da Doutrina se materializou, na época da ditadura civil-militar brasileira, no slogan: "Ame-o ou deixe-o", isto é, ou te identificas com o regime ou deves ir embora do país. É coerente com a concepção ideológica segundo a qual toda forma de conflito era um vírus externo, inoculado de fora para dentro no corpo nacional, para sabotar, subverter seu bom funcionamento.

Bem ao estilo das concepções positivistas importadas da biologia, segundo as quais o bom funcionamento da sociedade se assemelharia ao funcionamento de um corpo saudável fisicamente, em que cada célula funciona em função da totalidade. Qualquer parte do corpo que deixa de funcionar assim, representa uma doença, a introdução de um vírus externo, que tem que ser extirpado.

Os regimes militares do Cone Sul agiram dessa forma em relação a qualquer forma de expressão que lhes parecesse sabotar o bom funcionamento do corpo social. Era uma concepção totalmente intolerante em relação às diversidades, às divergências, aos conflitos sociais. A eliminação física dos opositores ou dos considerados opositores tinha essa origem, de "depuração democrática" de elementos considerados subversivos.

Quando se instaurou a primeira ditadura civil-militar, a brasileira, há 50 anos, se desenvolvia uma luta por modelos para um continente que via esgotar o impulso econômico das décadas anteriores. A Revolução Cubana radicalizou o horizonte de alternativas, ao colocar a possibilidade de ruptura da dominação norte-americana e do próprio capitalismo.

Os EUA tentaram forjar uma alternativa a Cuba com a chamada Aliança para o Progresso, que teve no governo do chileno democrata cristão Eduardo Frei seu exemplo mais importante, com a proposta de uma "revolução em liberdade". Sua reforma agrária fortaleceu os pequenos proprietários no campo, com objetivo de evitar vitórias dos novos movimentos guerrilheiros que se expandiam para a Venezuela, o Peru, a Guatemala, a Colômbia.

O golpe brasileiro seria modelar no sentido de que conseguiria derrotar de forma mais ou menos rápida a resistência armada. Inclusive porque foi um golpe prematuro, que pegou a um movimento popular brasileiro ainda em processo de constituição. Essa precocidade ajuda também a entender o motivo de seu sucesso econômico: pôde desfrutar ainda do final do longo ciclo expansivo do capitalismo no segundo pós-guerra, para canalizar grande quantidade de investimentos que permitiram a diversificação da dependência brasileira.

Mas o santo do chamado "milagre econômico" brasileiro foi a intervenção militar em todos os sindicatos e o arrocho salarial, os quais promoveram uma lua de mel entre o governo e as grandes empresas nacionais e estrangeiras, baseada na superexploração dos trabalhadores.

O sucesso da ditadura civil-militar no Brasil, com sua capacidade de impôr – baseada numa feroz repressão – a ordem e retomar a expansão econômica, fez dela referência para os outros regimes de terror que se implantariam em seguida na região. Foi o período mais terrível da historia desses países e de toda a história latino-americana. Tudo começou há 50 anos, com o golpe de primeiro de abril de 1964.


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