Erro cometido na compra de Pasadena não pode encobrir vitórias recentes na mais bem sucedida empresa da história do país
por Marcelo Zero (*) no Blog de Paulo Moreira Leite
A Petrobras incomoda. Na realidade, a Petrobras sempre incomodou os conservadores do país.
Pudera. Nascida da histórica
campanha nacionalista “o Petróleo é nosso”, a Petrobras se converteu
naquilo que os paleoliberais consideram praticamente uma
impossibilidade: uma empresa estatal bem-sucedida e eficiente. Ela é um
acabado contraexemplo das teses antiestatais e antidesenvolvimentistas
que sustentavam o fracassado paradigma privatizante e liberalizante que
ruiu no início deste século.
Assim, a Petrobras é anátema,
nos cânones do (paleo)neoliberalismo tupiniquim. Não deveria existir,
mas existe. Não deveria fazer sucesso, mas faz. A Petrobras é a maior e
mais bem-sucedida empresa do Brasil.
No início, há 60 anos, diziam
que o Brasil não tinha petróleo. Convenientes estudos de geólogos
estrangeiros asseguravam que não havia jazidas de óleo em território
nacional. A Petrobras, portanto, não fazia muito sentido.
Mas ela perseverou e acabou
descobrindo, graças a um enorme esforço de pesquisa, jazidas
significativas de petróleo e gás em nosso leito marítimo. Primeiro no
Nordeste; depois na Bacia de Campos. Tais jazidas, situadas no que hoje
se conhece como pós-sal, contribuíram para diminuir bastante a nossa
dependência de importações de hidrocarbonetos.
Mesmo assim, as ofensivas contra a grande estatal brasileira continuaram. No governo Collor, o Credit Suisse
chegou a apresentar um plano para privatizar a Petrobras. O plano
privatizava a companhia por partes. Primeiro, se venderiam as suas
subsidiárias, o que, de fato, ocorreu posteriormente. Depois, a holding
seria fatiada em unidades de negócio, as quais seriam privatizadas, em
seguida.
No entanto, foi no governo FHC, que essas ofensivas se intensificaram e se concretizaram parcialmente.
Com efeito, foi naquele governo que se promulgou a famosa Lei nº 9478/97. Essa norma produziu duas grandes consequências.
Em primeiro lugar, a Petrobrás
abriu seu capital social para investidores estrangeiros. Assim, a
estatal teve 36% de suas ações vendidas na Bolsa de Nova Iorque. Com
isso, a União reduziu a sua participação acionária de cerca de 60% para
32,53% do capital social total. Ressalte-se que essa operação não
representou o ingresso de recursos para a Petrobras, mas proporcionou na
época o aumento na sua base acionária, principalmente no estrangeiro.
Com tal venda, a Petrobrás teve
ainda de cumprir, a partir de 2002, com a lei americana
“Sarbanes–Oxley” (SOX), uma norma bastante rigorosa, que obriga as
empresas que têm ações em bolsas norte-americanas a submeterem as suas
decisões de negócios e informações às autoridades supervisoras do
mercado bursátil dos EUA.
Dessa maneira, os presidentes
de Petrobrás são obrigados a ir a Nova Iorque para prestar contas das
ações da empresa e submeter-se aos duros questionamentos dos acionistas
norte-americanos. Lembre-se que muitos desses acionistas são associados
às companhias competidoras da Petrobrás.
Em segundo lugar, a Lei nº
9.478/97 introduziu, no Brasil, o modelo de exploração por concessão.
Conforme tal modelo, o petróleo e o gás são de propriedade da empresa
privada que os explora. O petróleo, nesse caso, só pertence à União
enquanto não estiver sendo explorado. Assim que uma empresa começa a
explorar uma jazida, pelo modelo de concessão, o petróleo o gás passam a
ser de sua propriedade. Com isso, o país perdeu o controle estratégico
da produção e comercialização de hidrocarbonetos, pois a empresa
concessionária podia fazer o que quiser com a sua jazida. Com isso, o petróleo deixou de ser nosso.
Na realidade, a citada lei já
estava preparando o terreno para uma futura privatização da Petrobras.
Chegou-se mesmo a se anunciar a mudança de nome da Petrobras para
Petrobax, de modo a facilitar a sua internacionalização.
A gestão tucana da empresa
também se esmerou, como de hábito, no sucateamento da estatal, de forma a
justificar a sua ulterior venda. Em seus oito anos, nenhum concurso
público para contratação foi realizado. Ao final da gestão, a empresa
tinha reduzido o seu quadro de funcionários à metade. Além disso, os
funcionários da empresa passaram os oito anos de FHC sem ter qualquer
reajuste salarial, sequer para repor a inflação.
Não bastasse o sucateamento da
Petrobras, toda a cadeia do petróleo, que sustentava milhares de
empresas nacionais, foi consideravelmente desestruturada, ao longo das
gestões neoliberais. No governo Collor houve redução de redução de 30%
das tarifas de importação para o setor. No Fernando Henrique, foi criado
o Repetro, que implantou um regime aduaneiro especial para os insumos e
bens destinados ao setor petrolífero, pelo qual se isentava as empresas
estrangeiras de imposto de importação. Assim, muitos fornecedores
nacionais tiveram de fechar as portas.
Havia, portanto, um nítido
processo de desregulamentação e de desnacionalização que conduzia à
privatização da Petrobras. A clara intenção de privatizar só não se
concretizou porque, na época, (2001), o governo FHC já estava com sua
popularidade no chão e a resistência dos que defendiam a estatal foi
muito grande.
Pois bem, os que enfraqueceram e
tentaram privatizar a Petrobras são os mesmos que agora usam do caso da
compra da refinaria em Pasadena para atacar a empresa e o governo.
Faz sentido, pois foram os
governos do PT que reergueram a Petrobras. Com concursos públicos, seu
quadro de funcionários foi reconstituído. Foi também reconstituído seu
programa de investimentos. Hoje, a Petrobras é a empresa que mais
investe em prospecção de petróleo no mundo. Ela também é a empresa do
setor petrolífero que mais expertise tem na prospecção em águas
profundas e ultraprofundas. Devido a esse esforço em prospecção e
pesquisa, a Petrobras é a empresa brasileira que mais gera patentes.
Graças a essa monumental
iniciativa, a Petrobras encontrou os megacampos do Pré-Sal, a maior
descoberta de petróleo das últimas décadas, que mudou inteiramente o
cenário do nosso setor petrolífero.
Na realidade, a situação da
Petrobras mudou da água para o vinho, ou da água para óleo. Em 2002, ela
valia apenas cerca de R$ 15 bilhões. Hoje, ela vale R$ 184 bilhões,
mesmo após a crise mundial ter reduzido fortemente o valor de mercado
das empresas petroleiras. Também foi feito um grande esforço para
recuperar as indústrias da cadeia do petróleo. Plataformas e embarcações
voltaram a ser produzidas no Brasil, o que reergueu a nossa indústria
naval, que fora destruída graças à proverbial competência tucana.
Com a recuperação da empresa e
com a nova realidade criada pelo Pré-Sal, os governos do PT resolveram
criar um novo marco regulatório para o setor, que enterrou o modelo de
concessão criado por FHC. Para os campos do Pré-Sal, o que vale agora é o
modelo de partilha. Nesse novo modelo, o petróleo continua de
propriedade da União, mesmo após a jazida ser eventualmente explorada
por uma empresa privada. A empresa apenas recebe uma participação por
seus serviços. Por conseguinte, o novo marco regulatório assegurou que o
petróleo do Pré-Sal seja realmente nosso. Ademais, a nova norma também determinou que a Petrobras seja a operadora privilegiada dos megacampos. O petróleo, agora abundante, voltou a ser nosso.
É isso que incomoda. E muito.
Se antes a Petrobras incomodava, hoje ela incomoda muito mais. As
empresas estrangeiras não podem mais se apossar das megajazidas, como
podiam na época de FHC. E, para explorá-las, elas têm de se associar à
Petrobras.
É por isso que ela é tão
atacada. Instaurou-se um verdadeiro vale-tudo para desacreditá-la.
Diminuições conjunturais dos valores da empresa, em função da queda dos
preços do petróleo e derivados no mercado mundial, são apresentadas como
provas irrefutáveis de “má gestão”. Dívidas contraídas para viabilizar a
exploração do Pré-Sal são também encaradas como sinais da “ruína
financeira” da empresa. O irônico é que a Petrobras não tem quaisquer
dificuldades para captar recursos no exterior. Os investidores e bancos
estrangeiros têm plena confiança na Petrobras.
Nesse vale-tudo, vale até
apresentar uma simples compra malsucedida, a da refinaria de Pasadena,
como um grande escândalo nacional, com conotação de negócio escuso.
O único “erro” da Petrobras,
nesse caso, foi ter comprado, como várias outras empresas fizeram, uma
refinaria numa época em que havia um boom do refino nos EUA, com
os preços dos derivados aumentando fortemente e com as margens de lucro
disparando, especialmente para o refino de óleo pesado, que era o único
tipo de óleo que o Brasil produzia na época. Saliente-se que o preço
pago pela Petrobras foi inferior aos preços de mercado, pois a nossa
estatal adquiriu a refinaria de Pasadena pagando um preço de U$ 7.200
por barril de refino, sendo que o preço médio das aquisições, no
período, foi de US$ 9.234 por barril de refino.
Ante tal quadro, até mesmo a
tão criticada cláusula “Marlim”, que assegurava aos sócios belgas uma
rentabilidade de 6,9%, não parece tão despropositada, pois a
rentabilidade média das refinarias americanas, no período, para o refino
de óleo pesado, era de cerca de 14%. Assim, a cláusula Marlim
assegurava aos belgas da Astra cerca da metade da rentabilidade média
que havia, no período, para o refino de óleo pesado.
Outro “erro” da Petrobras foi
não ter previsto a grande crise mundial, a qual seria desencadeada dois
anos depois, e a descoberta do Pré-Sal, que mudou totalmente a
estratégia de negócios da empresa. Porém, se a Petrobras é culpada desse
erro, então todas as empresas do mundo o são, até mesmo as agências de
risco, que foram criadas justamente para isso, mas que, às vésperas da
crise, davam nota AAA para os papéis podres do mercado de derivativos.
Um deslize real foi, sem
dúvida, não ter alertado os membros do Conselho da empresa para os
riscos contratuais do negócio, o que levou à aprovação unânime da
aquisição, sem todos os questionamentos possíveis. Disso se aproveitou a
nossa imprensa marota para tentar jogar o prejuízo do negócio no colo
da presidenta.
Também de forma marota, para
não dizer outra coisa, a imprensa inflou muito os números de prejuízo.
Computou compra de estoques como compra da refinaria, entre outros
truques maliciosos. Na realidade, os primeiros 50% da refinaria foram
comprados por US$ 196 milhões e os 50% restantes por US$ 296 milhões, o
que dá um total de US$ 492 milhões. Se a esse total somarmos os US$ 173
milhões dos custos jurídicos, administrativos e bancários da aquisição
chegaremos a um dispêndio de US$ 665 milhões.
Mas a grande “marotice” é falar
apenas do “ralo” e não falar da “torneira”. Sim, porque a refinaria não
parou de funcionar, a não ser por curto período devido a um incêndio. O
ex-presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, estima que a refinaria,
supondo uma operação de apenas 75% de sua capacidade, e supondo ainda
uma rentabilidade nula, em relação ao barril Brent, tenha faturado cerca
de US$ 16 bilhões, entre 2006 e 2012.
Não temos dados sobre a
contabilidade específica da refinaria, mas, mesmo supondo uma
rentabilidade negativa em 2008 e 2009, auge da crise, é muito provável
que o prejuízo com a compra de Pasadena já tenha sido inteiramente
amortizado, ou esteja em vias de sê-lo.
Foi por isso, aliás, que a
Petrobras montou, em 2010, uma estratégia para aumentar a capacidade de
refino da sua unidade em Pasadena, estrategicamente localizada no “canal
de Houston”, de 100 mil barris/dia para 200 mil barris/dia.
Esses são os dados verdadeiros
sobre o assunto. Mas, como a Petrobras incomoda os conservadores, e o
governo do PT mais ainda, não incomoda à oposição e à mídia conservadora
atacar a imagem da maior empresa brasileira e, como se diz
popularmente, “procurar chifre em cavalo”.
Essa falta de compromisso com o Brasil é o que mais incomoda.
(*) Marcelo Zero é cientista social formado pela UNB e assessor legislativo do Partido dos Trabalhadores
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