"Um lembrete de uma realidade registrada assim no livro 'Qual desenvolvimento?', do economista Marcio Pochmann: A concentração da renda e da riqueza é uma marca inalienável do Brasil. De acordo com o "Atlas de exclusão social — Os ricos no Brasil"
(Campos, 2004), somente 5 mil clãs apropriam-se de 45% de toda a
riqueza e renda nacional, embora o país tenha mais de 51 milhões de
famílias.
Quando o autoritarismo predominou, os ricos foram os
mais beneficiados, mantendo inalterado o padrão distributivo excludente
no país.
"… a composição fundiária segue muito concentrada.
A estrutura tributária permanece regressiva, com a população pobre
pagando mais impostos e os ricos quase que incólumes, enquanto a
estrutura social permanece distante das possibilidades governamentais de
garantia da universalidade e qualidade necessária dos bens, serviços e
equipamentos sociais básicos para toda a população.
… perceber
que a distância da separação entre o menor e o maior salário no país
chega a atingir quase 2 mil vezes parece inacreditável neste início de
terceiro milênio."
Os avanços registrados ao longo dos
mandatos do ex-presidente Lula e de Dilma Rousseff tangenciaram o
problema. A insatisfação popular não deveria surpreender ninguém.
As manifestações de junho e julho, que levaram às ruas uma ampla pauta
de reivindicações, foram em certa medida uma expressão disso. Nos
protestos verificados no entorno de estádios de que sediaram jogos da
Copa das Confederações — Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza e Brasília — falou-se muito em hospitais, creches e escolas "padrão Fifa".
De onde virá o dinheiro?
A resposta surpreendente de Marcio Pochmann é que o Estado brasileiro
já dispõe de uma carga tributária adequada para oferecer ao País
serviços como aqueles que marcaram o padrão de civilização europeu e
que, lá, diante da crise financeira, têm sido dilapidados.
A
carga tributária brasileira saltou de 22 a 23% do Produto Interno Bruto
(PIB), nos anos 80, para cerca de 35% agora. O problema é que ela foi
colocada nas costas dos pobres e da classe média, que proporcionalmente
pagam mais impostos que os ricos.
De um lado, o ex-presidente do IPEA, o "Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada",
defende rever isenções e desonerações. Por exemplo, os descontos dados
no Imposto Renda para gastos com saúde, educação e assistência social
privada. Na opinião de Pochmann, os incentivos do Estado deveriam ser no
sentido de incentivar a saúde, a educação e a assistência social
públicas.
Outras características injustas do sistema tributário
brasileiro são amplamente conhecidas. Faz tempo. Têm sido denunciadas,
por exemplo, por Pedro Delarue, do "Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil",
o SINDIFISCO. Ao portal "Viomundo", ele lembrou que os ricos não pagam
imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) para lanchas,
jatinhos e helicópteros particulares. O Supremo Tribunal Federal considerou que o IPVA sucedeu o imposto rodoviário e, portanto, só autorizou o imposto para veículos terrestres.
Delarue lembrou, também, que desde 1995, por decreto do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, empresários não pagam imposto sobre
distribuição de lucros e dividendos.
Como o emblemático episódio de sonegação da "Globo" deixou claro — perdão, foi "planejamento tributário" –, o Estado fala grosso com a Bolívia e fala fino com os Estados Unidos.
Voltamos ao livro de Marcio Pochmann: De acordo com a "Pesquisa de Orçamento Familiar"
(POF) do IBGE, o trabalhador que recebe mensalmente até dois salários
mínimos mensais tem uma carga tributária de até 48% do seu rendimento.
[...] Já o trabalhador com remuneração superior a 30 salários mínimos
mensais, deixa para os impostos somente 26% de sua renda.
Hoje presidente da "Fundação Perseu Abramo",
Pochmann nos disse em entrevista que outra mudança absolutamente
necessária é a redução do pagamento de juros da dívida interna, que
saltaram de 1,8% do PIB em 1980 para 5 a 6% atualmente.
O sifão
por onde escoam os juros é estrutural à economia brasileira, sustenta
Pochmann. Foi instalado no Tesouro para servir à elite.
"…constata-se
a existência de um elemento de ordem estrutural na dinâmica capitalista
atual que transforma o setor público no comandante da produção de uma
nova riqueza financeirizada, apropriada privadamente na forma de
direitos de propriedade dos títulos que carregam o endividamento
público.
… parte dos ricos abandonou o compromisso com a
expansão produtiva, o que levou ao parasitismo e às ações
antirrepublicanas contaminadas pela improdutiva rentabilidade financeira."
Atualmente, o peso da dívida líquida do setor público corresponde a
cerca de 50% do PIB, praticamente mesma situação verificada na segunda
metade da década de 1980.
As exigências das famílias ricas, ao
disponibilizarem seus patrimônios na compra dos títulos públicos que
lastreiam o endividamento financeiro do Estado são cada vez maiores,
fazendo com que o objetivo perseguido pela política econômica seja,
muitas vezes, atendê-las, tão-somente. Não sem motivo, o Ministério da
Fazenda transformou-se no "ministério dos juros".
É uma forma mais diplomática de dizer o mesmo que a ex-auditora Maria Lucia Fatorelli disse, em entrevista ao Viomundo: "os banqueiros sequestraram o Estado brasileiro".
Desfazer esse nó é absolutamente essencial para que o pessoal do Jardim
Wilma Flor ganhe, afinal, uma ponte de acesso ao bairro, que depende de
investimento público."
FONTE: do portal "Viomundo"
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