segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Amir Khair: Há visões fiscais antagônicas dentro do governo

Há duas ‘visões fiscais’ mais comuns nas análises, debates e ações de governo. Ambas reconhecem que as despesas públicas devem ser racionalizadas e priorizadas, evitando desperdícios. Só que, para a primeira, a redução de despesas deveria ser usada preferencialmente para investimentos ou abater a dívida pública. E, para a segunda, especialmente para atender a demanda social reprimida e programas de redistribuição de renda. Por Amir Khair Data: 06/09/2013
Há diferentes visões fiscais que ocorrem nas análises, debates e ações de governo. As mais comuns são duas, que defendem propostas que se contrapõem. Vamos chamá-las de A e B.

Visão A
Essa visão defende a constituição de elevados superávits primários (receitas menos despesas, exclusive juros) como melhor arma para reduzir a taxa básica de juros (Selic). É um sinal importante para o mercado financeiro de que o governo irá controlar o déficit fiscal.

Para conseguir estes superávits primários defende a redução das despesas de custeio, especialmente da Previdência Social, do funcionalismo e dos programas sociais, que foram as que mais cresceram nos últimos anos. No início do governo Lula em 2003, o Ministério da Fazenda elaborou um diagnóstico sobre as finanças do governo federal no qual evidenciava que as despesas que mais cresceram foram as da Previdência Social e as relativas aos programas de renda. Esse tipo de análise é recorrente.

Elevações de salário mínimo, reajustes salariais e contratação de servidores públicos, e aumentos nos programas sociais vão na contramão do objetivo central, que é obter elevados superávits primários.

Para reduzir as despesas da Previdência Social advoga a elevação da idade mínima para aposentadoria, contenção nos reajustes do salário mínimo e a desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo.

Para reduzir as despesas com pessoal, defendem a dispensa/congelamento do número de servidores e contenção dos reajustes salariais.

O que está por trás desta visão é que o Estado é um mau aplicador de recursos ao contrário do setor privado. Assim, quanto menor a despesa com o Estado, mais recursos sobrarão para o setor privado desenvolver suas atividades.

Com relação aos indicadores dos resultados fiscais defende o superávit primário como seu indicador e não considera os juros como despesa fiscal ou omite isso nas análises sob o argumento que os juros são decorrentes da política monetária, que deve ter a liberdade de arbitrar a taxa básica de juros sem se preocupar com o impacto fiscal, pois a competência atribuída a ela é de controlar a inflação e não o impacto fiscal.

Nessa mesma direção pouco se importa com o outro impacto do Banco Central nos resultados fiscais quando ele faz as operações compromissadas (veja nota abaixo), cujo custo é elevado, pois as reservas internacionais são remuneradas com base nos rendimentos dos títulos do tesouro americano e custam para seu carregamento despesas com juros cujas taxas são balizadas pela Selic. Essas operações tem um estoque que representou 5,7% da dívida bruta do setor público ao final de 2006, ao final de 2012 alcançou 20,3% e pode atingir 30% ainda este ano.

Priorizam os investimentos que deveriam crescer pela redução das despesas de custeio.

Visão B
Essa visão considera além da despesa, a receita pública como determinante do resultado fiscal e vê como inadequada a oposição entre despesa de custeio e de investimento por cumprirem funções distintas, complementares e necessárias.

A receita tem relação direta com o nível da atividade econômica e com a evolução do PIB. Assim, políticas que estimulem o crescimento favorecem a arrecadação pública através da ligação direta entre arrecadação e nível de atividade, e pela redução da inadimplência que ocorre em situações de melhor situação financeira dos contribuintes (pessoas e empresas), que cumprem com maior pontualidade seus compromissos de pagamento de tributos.

Ao invés de manutenção de elevado superávit primário para reduzir a Selic, propõe a redução da Selic para permitir menor resultado primário. Assim, a adequação fiscal depende também do Banco Central, que deveria operar com taxas de juros ao nível internacional, o que aliviaria rapidamente as despesas com juros e com o custo de carregamento das reservas internacionais, sendo esse o principal remédio para a saúde das finanças públicas.

É contra o estabelecimento da idade mínima para a aposentadoria, caso mantido o fator previdenciário, e contra a desvinculação do piso previdenciário ao salário mínimo, que deverá crescer para reduzir as desigualdades na distribuição de renda.

Com relação à despesa de pessoal defende a adequação dela às necessidades de atendimento das competências atribuídas pela Constituição ao Estado.

O que está por trás desta visão é que o Estado deve ter os recursos necessários para cumprir as obrigações que lhe são atribuídas pela sociedade através da Constituição Federal.

Ambas as visões reconhecem que as despesas públicas devem ser racionalizadas e priorizadas, evitando desperdícios, só que para a primeira visão a redução de despesas deveria ser usada preferencialmente para investimentos ou abater a dívida pública. Para a segunda visão, especialmente para atender a demanda social reprimida e para programas de redistribuição de renda.


Nota
Operações com compromisso de recompra em data futura com a garantia de um título. O Banco Central ao comprar dólares precisa emitir reais e, para enxugar a liquidez criada pela emissão, o Tesouro Nacional emite título da dívida mobiliária federal no valor da operação de compra dos dólares.

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