José Álvaro de Lima Cardoso*
Teorizações à parte, a experiência
concreta de terceirização no Brasil vem associada com: a) precarização das
condições de trabalho e insegurança; b) redução do emprego, isto é a empresa
terceira não recontrata todos os trabalhadores desligados pela empresa-mãe, por
ocasião da terceirização; c) redução de salários, frequentemente os
trabalhadores terceirizados ganham menos que os demais, ainda que exerçam a
mesma função do trabalhador não terceirizado; d) desqualificação: na política
de treinamento das empresas dificilmente o trabalhador terceiro é incluído; e) jornadas
superiores aos demais trabalhadores (em alguns casos). A terceirização surgiu
no Brasil, portanto, muito mais como uma forma de as empresas reagirem aos
desafios de mercado, impostos pela política econômica praticada no país na
década de 1990, do que propriamente como uma alternativa virtuosa de avanços da
produtividade e da qualidade da produção.
O problema tem sido agravado pelo fato de
que, à exemplo do que ocorre com os elementos da chamada reestruturação
produtiva em geral, os sindicatos de trabalhadores não têm conseguido
interferir eficazmente no processo de terceirização, através da negociação
coletiva, apesar disso, muitas vezes, significar redução de empregos e
precarização das condições de trabalho. A visão predominante nas empresas é que
este é um problema meramente administrativo, que não diz respeito às direções
sindicais. Esta é uma questão bastante séria, porque a terceirização, além de
representar redução de empregos, leva também à fragmentação sindical, na medida
em que trabalhador terceirizado não se associa ao sindicato, não participa dos
fóruns sindicais, ganha menos, não tem benefícios, é desqualificado e tem mais receio
de perder o emprego. Por conseguinte, seu poder de barganha e negociação perante
o patrão é praticamente nulo.
O Projeto de Lei
(PL) 4.330/04, que regulamenta a terceirização no Brasil, que neste momento
está sendo debatido no Congresso Nacional, mesmo após as várias modificações
sofridas, carrega uma série de problemas fundamentais. O principal é abrir a
possibilidade de terceirizar funções referentes à atividade “fim” da empresa e admitir
a terceirização para o conjunto das atividades da empresa. No limite, ao invés
de restringir a terceirização a alguns setores para facilitar o controle, o
projeto abre a possibilidade das empresas universalizarem a contratação de trabalhadores
terceiros, o que seria algo extremamente danoso para o mercado de trabalho, especialmente
considerando o histórico da terceirização no Brasil, que aprofundou a precarização
do trabalho nos últimos anos.
Por essa razão
as centrais defendem a regulamentação proibindo a terceirização nas atividades
fins e, ao mesmo tempo, a regulamentação das atividades previstas em lei nas
chamadas atividades meio (limpeza, conservação, vigilância, etc.). Outro
problema do PL é a manutenção do conceito de responsabilidade subsidiaria, que, no caso da prestadora do serviço não
cumprir os direitos trabalhistas, a tomadora torna-se subsidiariamente
responsável. Os trabalhadores defendem que a responsabilidade tem que ser
solidária, ou seja, tanto a prestadora quanto a tomadora do serviço, no caso de
não cumprimento da legislação trabalhista, têm que ser responsabilizadas e
acionadas juridicamente, de forma igualitária. Isso valeria também para os
casos relativos à acidente, saúde e segurança do trabalho.
Outro aspecto fundamental é a
questão da igualdade de direitos para os terceirizados. A PL original, a partir
das negociações ocorridas na mesa quadripartite de negociação
(trabalhadores, empresários, Congresso, Governo Federal), fez algumas
alterações no PL, garantindo alguns direitos ao terceirizado (alimentação,
transporte, atendimento médico, condições sanitárias, etc.). Porém, o
empresariado não aceitou incluir no novo texto negociado algo essencial que é a
isonomia salarial. Isso significa que a nova regulamentação, se aprovada, na prática
possibilitará que dois trabalhadores que realizam as mesmas tarefas lado a
lado, com a mesma jornada diária de trabalho, tenham salários diferenciados porque
um é terceirizado e o outro não.
O
problema é complexo, o país já possui cerca de 12 milhões de terceirizados cuja
situação tem que ser regulamentada com urgência e qualidade. Mas o conjunto dos
atores têm que trabalhar para melhorar a vida desses trabalhadores, garantindo
plenos direitos e uma vida decente. Não interessa à sociedade brasileira,
nivelar a precariedade por baixo, como deseja alguns aspectos do conteúdo da PL
4.330. Um dos grandes desafios da sociedade brasileira nos próximos anos será
justamente criar os instrumentos para enfrentar a informalidade, a
precariedade, o trabalho indigno e escravo, além de outras mazelas com as quais
ainda convivemos.
*Economista
e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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