terça-feira, 24 de setembro de 2013

Os riscos embutidos no Projeto de Lei 4.330




José Álvaro de Lima Cardoso*
     Teorizações à parte, a experiência concreta de terceirização no Brasil vem associada com: a) precarização das condições de trabalho e insegurança; b) redução do emprego, isto é a empresa terceira não recontrata todos os trabalhadores desligados pela empresa-mãe, por ocasião da terceirização; c) redução de salários, frequentemente os trabalhadores terceirizados ganham menos que os demais, ainda que exerçam a mesma função do trabalhador não terceirizado; d) desqualificação: na política de treinamento das empresas dificilmente o trabalhador terceiro é incluído; e) jornadas superiores aos demais trabalhadores (em alguns casos). A terceirização surgiu no Brasil, portanto, muito mais como uma forma de as empresas reagirem aos desafios de mercado, impostos pela política econômica praticada no país na década de 1990, do que propriamente como uma alternativa virtuosa de avanços da produtividade e da qualidade da produção.
      O problema tem sido agravado pelo fato de que, à exemplo do que ocorre com os elementos da chamada reestruturação produtiva em geral, os sindicatos de trabalhadores não têm conseguido interferir eficazmente no processo de terceirização, através da negociação coletiva, apesar disso, muitas vezes, significar redução de empregos e precarização das condições de trabalho. A visão predominante nas empresas é que este é um problema meramente administrativo, que não diz respeito às direções sindicais. Esta é uma questão bastante séria, porque a terceirização, além de representar redução de empregos, leva também à fragmentação sindical, na medida em que trabalhador terceirizado não se associa ao sindicato, não participa dos fóruns sindicais, ganha menos, não tem benefícios, é desqualificado e tem mais receio de perder o emprego. Por conseguinte, seu poder de barganha e negociação perante o patrão é praticamente nulo.
     O Projeto de Lei (PL) 4.330/04, que regulamenta a terceirização no Brasil, que neste momento está sendo debatido no Congresso Nacional, mesmo após as várias modificações sofridas, carrega uma série de problemas fundamentais. O principal é abrir a possibilidade de terceirizar funções referentes à atividade “fim” da empresa e admitir a terceirização para o conjunto das atividades da empresa. No limite, ao invés de restringir a terceirização a alguns setores para facilitar o controle, o projeto abre a possibilidade das empresas universalizarem a contratação de trabalhadores terceiros, o que seria algo extremamente danoso para o mercado de trabalho, especialmente considerando o histórico da terceirização no Brasil, que aprofundou a precarização do trabalho nos últimos anos.
     Por essa razão as centrais defendem a regulamentação proibindo a terceirização nas atividades fins e, ao mesmo tempo, a regulamentação das atividades previstas em lei nas chamadas atividades meio (limpeza, conservação, vigilância, etc.). Outro problema do PL é a manutenção do conceito de responsabilidade subsidiaria, que, no caso da prestadora do serviço não cumprir os direitos trabalhistas, a tomadora torna-se subsidiariamente responsável. Os trabalhadores defendem que a responsabilidade tem que ser solidária, ou seja, tanto a prestadora quanto a tomadora do serviço, no caso de não cumprimento da legislação trabalhista, têm que ser responsabilizadas e acionadas juridicamente, de forma igualitária. Isso valeria também para os casos relativos à acidente, saúde e segurança do trabalho.
     Outro aspecto fundamental é a questão da igualdade de direitos para os terceirizados. A PL original, a partir das negociações ocorridas na mesa quadripartite de negociação (trabalhadores, empresários, Congresso, Governo Federal), fez algumas alterações no PL, garantindo alguns direitos ao terceirizado (alimentação, transporte, atendimento médico, condições sanitárias, etc.). Porém, o empresariado não aceitou incluir no novo texto negociado algo essencial que é a isonomia salarial. Isso significa que a nova regulamentação, se aprovada, na prática possibilitará que dois trabalhadores que realizam as mesmas tarefas lado a lado, com a mesma jornada diária de trabalho, tenham salários diferenciados porque um é terceirizado e o outro não.
O problema é complexo, o país já possui cerca de 12 milhões de terceirizados cuja situação tem que ser regulamentada com urgência e qualidade. Mas o conjunto dos atores têm que trabalhar para melhorar a vida desses trabalhadores, garantindo plenos direitos e uma vida decente. Não interessa à sociedade brasileira, nivelar a precariedade por baixo, como deseja alguns aspectos do conteúdo da PL 4.330. Um dos grandes desafios da sociedade brasileira nos próximos anos será justamente criar os instrumentos para enfrentar a informalidade, a precariedade, o trabalho indigno e escravo, além de outras mazelas com as quais ainda convivemos.
*Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

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