10/09/2013
Egressa do trabalhismo, a presidenta Dilma
Rousseff certamente não citou a frase do ex-reitor de Harvard, Dereck
Bok, nesta 2ª feira, sem associá-la intimamente à memória de um parceiro
de filiação.
‘Caro é a ignorância’, disse Dilma ao sancionar a lei que destina 75% da receita do Fundo do Pré-sal para a escola brasileira e 25% para a saúde pública.
Era exatamente assim que o educador, antropólogo, agitador e brizolista, Darcy Ribeiro (1922-1997), fuzilava o conservadorismo quando contestado em seus planos para a escola pública brasileira.
A carpintaria das rupturas foi uma especialidade desse mineiro que em 1961 ajudaria a fundar o Parque Nacional do Xingu, ao lado dos irmãos Villas Boas.
Sem elas, o país, no seu entender, não sairia do conformismo incremental diante do miserê a que fora condenado pelas elites.
A estupefação conservadora manifestou-se inconsolável diante do seu projeto de ruptura mais querido:a escola de tempo integral, os Cieps, ou Brizolões, que marcariam os dois governos de Leonel Brizola no Rio de Janeiro (83/87 e 91/94).
Antes que fosse arrebatada pelos interesses conservadores e conceituada no Banco Mundial como ferramenta de acomodação a frio dos conflitos sociais, a educação era vista assim pela geração de Darcy.
Como um espaço por excelência de ruptura com a miséria intergeracional
A paixão sanguíneo desse brasileiro pela construção de um povo que o fascinava levou-o, também, a conceber uma universidade inovadora para suprir essa finalidade.
Reinventar a educação superior e formar uma geração engajada na transformação das estruturas brasileiras foi a base de seu projeto para a UnB, a Universidade de Brasília.
O que não faria hoje Darcy diante dos desafios à universidade revelados pelo ‘Mais Médicos’?
Estar sempre bem acompanhado era um de seus trunfos. Na criação da UnB, o recheio pedagógico coube ao grande educador Anísio Teixeira; a viga estética, a Niemeyer.
Fundada em 1962, a universidade de Brasília teria em Darcy seu primeiro Reitor; cargo que deixou para assumir a Casa Civil do governo Goulart até o golpe de 64, quando foi cassado e se exilou no Uruguai.
No retorno ao país, sobretudo a partir de anistia , em 1980, apostou toda a energia na educação como espaço retificador da desigualdade histórico-metabólica entranhada na vida da sociedade.
Nos Brizolões, com aulas das 8 às 17 horas, os alunos faziam três refeições completas, dispunham de atendimento médico e odontológico.
Além do currículo regular, Darcy comprovaria a cepa de visionário acrescentando à grade uma inovadora sessão de tele-educação.
Com programação marcada pela pluralidade destinava-se a desenvolver nas crianças o senso crítico em relação à mídia, desde os primeiros anos escolares.
Enxergava longe o moço.
Contagiado pelo amigo, Brizola chegou a comprometer 50% da receita estadual ao sonho da educação emancipadora, que seus sucessores desmontariam.
Em primeiro lugar, por razões ideológicas nunca admitidas; secundariamente, pelo custo, demonizado, e de fato robusto.
Trintas anos, intercalados por uma década de neoliberalismo, separam os dois momentos. Intervalo suficiente para condenar ao ocaso uma geração inteira acossada pela violência, o tráfico, a semi-informação e a semi-afabetização.
Na sanção do Fundo do Pré-Sal, nesta 2ª feira, a Presidenta Dilma sublinhou a esperança de que o país possa caminhar agora, mais depressa, para implantar escolas de tempo integral.
Poderia ter dito, “aquilo que Darcy e Brizola chamavam de ‘os pais sociais’ da infância pobre”.
Quis o destino que o hiato entre esse sonho e a realidade da educação pública entre nós, viesse a ser calafetado agora por uma fonte de receita originária da mesma recusa em aceitar, como destino, o projeto conservador de um Brasil pequeno.
A regulação do pré-sal, em 2009, combatida pela conjunção de interesses internos e externos que Darcy conheceu, assim como Vargas enfrentou, respondeu ao fatalismo com o repto da lógica que criou a Petrobrás em 1953.
Normas soberanas, a contrapelo da lógica dos ‘livre mercados’ (leia-se, petroleiras internacionais), internalizam os encadeamentos da exploração dessa riqueza.
Entre elas, o regime de partilha, que destina à União 50% do óleo extraído; a alavanca industrializante a cargo dos índices de nacionalização de equipamentos; o programa de refinarias para exportação de valor agregado e não óleo bruto; a presença cativa da Petrobrás, operadora única dos campos, com no mínimo 30% de participação na exploração de cada poço; a elevação dos royalties pagos por barril, dos 10% atuais para 15%.
Mas, sobretudo, um diferencial de recorte político marca o divisor atual em relação ao nacionalismo dos anos 50: a criação do Fundo Social bilionário.
Sua receita cativa destina-se, predominantemente, à regeneração da esfera pública na qual, de forma mais bruta e desconcertante, calcificou-se a usina de reprodução do apartheid brasileiro entre nós: a escola republicana, teoricamente destinada a exercer o efeito inverso.
Acerca-se assim, organicamente, o interesse nacional e social de uma riqueza estimada entre 60 bilhões a 100 bilhões de barris de óleo: as maiores jazidas descobertas no século XXI.
Que, não por acaso, sabe-se agora, constituem o foco central da espionagem da CIA no país.
Não se trata de uma ficção, mas de recursos estratégicos e volume bilionário.
Para entender a pressão beligerante montada ao longo dessa nova fronteira econômica e geopolítica, basta reler os famoso despachos de dezembro de 2009 da embaixada norte-americana no Brasil.
Revelados pelo “WikiLeaks”, os telegramas elucidam as consequências, caso as urnas de 2010 tivessem dado a vitória ao tucano José Serra.
Segue-se a frase conhecida dita pelo próprio:
“Deixa esses caras [do PT] fazerem o que eles quiserem. As rodadas de licitações não vão acontecer, e aí nós vamos mostrar a todos que o modelo antigo funcionava… E nós mudaremos de volta”, disse Serra a Patricia Pradal, diretora de Desenvolvimento de Negócios e Relações com o Governo da petroleira norte-americana Chevron, segundo relato no telegrama. Questionado sobre o que as petroleiras fariam nesse meio tempo, Serra respondeu: “Vocês vão e voltam” (trechos da matéria da Folha de S. Paulo, de 13/12/2010, intitulada ‘Petroleiras foram contra novas regras para pré-sal’).
O fracasso da Petrobrás e do pré-sal, portanto, conta com a torcida de uma teia organizada de interesses que inclui do PSDB, às petroleiras, passando pela CIA e a Casa Branca do beligerante cool, Barack Obama.
A cerimônia da 2ª feira afronta as profundezas desse cerco.
Ela vincula aspirações sociais seculares ao controle de uma riqueza ímpar na trajetória do país.
Agrega viabilidade política e orçamentária às diretrizes e plataformas de uma escola pública sonhada por gerações inteiras de brasileiros visionários.
Gente como Darcy Ribeiro que nunca aceitou reduzir a educação a um adestramento rudimentar para o mercado. Que lutou por uma universidade engajada na construção de um desenvolvimento independente e solidário.
Seu sonho agora ter o dinheiro que lhe faltou.
Resta saber quem irá sonhá-lo.
A ver.
‘Caro é a ignorância’, disse Dilma ao sancionar a lei que destina 75% da receita do Fundo do Pré-sal para a escola brasileira e 25% para a saúde pública.
Era exatamente assim que o educador, antropólogo, agitador e brizolista, Darcy Ribeiro (1922-1997), fuzilava o conservadorismo quando contestado em seus planos para a escola pública brasileira.
A carpintaria das rupturas foi uma especialidade desse mineiro que em 1961 ajudaria a fundar o Parque Nacional do Xingu, ao lado dos irmãos Villas Boas.
Sem elas, o país, no seu entender, não sairia do conformismo incremental diante do miserê a que fora condenado pelas elites.
A estupefação conservadora manifestou-se inconsolável diante do seu projeto de ruptura mais querido:a escola de tempo integral, os Cieps, ou Brizolões, que marcariam os dois governos de Leonel Brizola no Rio de Janeiro (83/87 e 91/94).
Antes que fosse arrebatada pelos interesses conservadores e conceituada no Banco Mundial como ferramenta de acomodação a frio dos conflitos sociais, a educação era vista assim pela geração de Darcy.
Como um espaço por excelência de ruptura com a miséria intergeracional
A paixão sanguíneo desse brasileiro pela construção de um povo que o fascinava levou-o, também, a conceber uma universidade inovadora para suprir essa finalidade.
Reinventar a educação superior e formar uma geração engajada na transformação das estruturas brasileiras foi a base de seu projeto para a UnB, a Universidade de Brasília.
O que não faria hoje Darcy diante dos desafios à universidade revelados pelo ‘Mais Médicos’?
Estar sempre bem acompanhado era um de seus trunfos. Na criação da UnB, o recheio pedagógico coube ao grande educador Anísio Teixeira; a viga estética, a Niemeyer.
Fundada em 1962, a universidade de Brasília teria em Darcy seu primeiro Reitor; cargo que deixou para assumir a Casa Civil do governo Goulart até o golpe de 64, quando foi cassado e se exilou no Uruguai.
No retorno ao país, sobretudo a partir de anistia , em 1980, apostou toda a energia na educação como espaço retificador da desigualdade histórico-metabólica entranhada na vida da sociedade.
Nos Brizolões, com aulas das 8 às 17 horas, os alunos faziam três refeições completas, dispunham de atendimento médico e odontológico.
Além do currículo regular, Darcy comprovaria a cepa de visionário acrescentando à grade uma inovadora sessão de tele-educação.
Com programação marcada pela pluralidade destinava-se a desenvolver nas crianças o senso crítico em relação à mídia, desde os primeiros anos escolares.
Enxergava longe o moço.
Contagiado pelo amigo, Brizola chegou a comprometer 50% da receita estadual ao sonho da educação emancipadora, que seus sucessores desmontariam.
Em primeiro lugar, por razões ideológicas nunca admitidas; secundariamente, pelo custo, demonizado, e de fato robusto.
Trintas anos, intercalados por uma década de neoliberalismo, separam os dois momentos. Intervalo suficiente para condenar ao ocaso uma geração inteira acossada pela violência, o tráfico, a semi-informação e a semi-afabetização.
Na sanção do Fundo do Pré-Sal, nesta 2ª feira, a Presidenta Dilma sublinhou a esperança de que o país possa caminhar agora, mais depressa, para implantar escolas de tempo integral.
Poderia ter dito, “aquilo que Darcy e Brizola chamavam de ‘os pais sociais’ da infância pobre”.
Quis o destino que o hiato entre esse sonho e a realidade da educação pública entre nós, viesse a ser calafetado agora por uma fonte de receita originária da mesma recusa em aceitar, como destino, o projeto conservador de um Brasil pequeno.
A regulação do pré-sal, em 2009, combatida pela conjunção de interesses internos e externos que Darcy conheceu, assim como Vargas enfrentou, respondeu ao fatalismo com o repto da lógica que criou a Petrobrás em 1953.
Normas soberanas, a contrapelo da lógica dos ‘livre mercados’ (leia-se, petroleiras internacionais), internalizam os encadeamentos da exploração dessa riqueza.
Entre elas, o regime de partilha, que destina à União 50% do óleo extraído; a alavanca industrializante a cargo dos índices de nacionalização de equipamentos; o programa de refinarias para exportação de valor agregado e não óleo bruto; a presença cativa da Petrobrás, operadora única dos campos, com no mínimo 30% de participação na exploração de cada poço; a elevação dos royalties pagos por barril, dos 10% atuais para 15%.
Mas, sobretudo, um diferencial de recorte político marca o divisor atual em relação ao nacionalismo dos anos 50: a criação do Fundo Social bilionário.
Sua receita cativa destina-se, predominantemente, à regeneração da esfera pública na qual, de forma mais bruta e desconcertante, calcificou-se a usina de reprodução do apartheid brasileiro entre nós: a escola republicana, teoricamente destinada a exercer o efeito inverso.
Acerca-se assim, organicamente, o interesse nacional e social de uma riqueza estimada entre 60 bilhões a 100 bilhões de barris de óleo: as maiores jazidas descobertas no século XXI.
Que, não por acaso, sabe-se agora, constituem o foco central da espionagem da CIA no país.
Não se trata de uma ficção, mas de recursos estratégicos e volume bilionário.
Para entender a pressão beligerante montada ao longo dessa nova fronteira econômica e geopolítica, basta reler os famoso despachos de dezembro de 2009 da embaixada norte-americana no Brasil.
Revelados pelo “WikiLeaks”, os telegramas elucidam as consequências, caso as urnas de 2010 tivessem dado a vitória ao tucano José Serra.
Segue-se a frase conhecida dita pelo próprio:
“Deixa esses caras [do PT] fazerem o que eles quiserem. As rodadas de licitações não vão acontecer, e aí nós vamos mostrar a todos que o modelo antigo funcionava… E nós mudaremos de volta”, disse Serra a Patricia Pradal, diretora de Desenvolvimento de Negócios e Relações com o Governo da petroleira norte-americana Chevron, segundo relato no telegrama. Questionado sobre o que as petroleiras fariam nesse meio tempo, Serra respondeu: “Vocês vão e voltam” (trechos da matéria da Folha de S. Paulo, de 13/12/2010, intitulada ‘Petroleiras foram contra novas regras para pré-sal’).
O fracasso da Petrobrás e do pré-sal, portanto, conta com a torcida de uma teia organizada de interesses que inclui do PSDB, às petroleiras, passando pela CIA e a Casa Branca do beligerante cool, Barack Obama.
A cerimônia da 2ª feira afronta as profundezas desse cerco.
Ela vincula aspirações sociais seculares ao controle de uma riqueza ímpar na trajetória do país.
Agrega viabilidade política e orçamentária às diretrizes e plataformas de uma escola pública sonhada por gerações inteiras de brasileiros visionários.
Gente como Darcy Ribeiro que nunca aceitou reduzir a educação a um adestramento rudimentar para o mercado. Que lutou por uma universidade engajada na construção de um desenvolvimento independente e solidário.
Seu sonho agora ter o dinheiro que lhe faltou.
Resta saber quem irá sonhá-lo.
A ver.
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