“Um dos maiores especialistas brasileiros em relações internacionais, o professor [Moniz Bandeira] não tem meias palavras para classificar a tensa situação criada pela proposta norte-americana de intervenção militar na Síria. Para ele, trata-se de uma "bravata" de Barack Obama, que criou uma armação para tentar justificar a entrada do país em mais uma guerra.
Por Nicolau Soares, na “Rede Brasil Atual”
"Já morreram mais de cem mil pessoas nessa guerra civil, que eles, EUA, Inglaterra, França, Arábia Saudita, Qatar e outros emirados, Israel, Turquia, estão incentivando. Já tinha havido um episódio antes, em que a oposição, comprovadamente, até pela ONU, usou armas químicas, em março. Quem forneceu essas armas? Pode ter sido Israel, pode ter sido a CIA. Ninguém sabe, mas foram os rebeldes que usaram. Aí Obama estabelece, depois, as armas químicas como “marco para intervir", questiona [Moniz Bandeira].
"É tudo uma armação, porque os EUA não querem perder mais uma guerra. Obama quer salvar sua face, deu um marco, fez uma bravata. Como Kennedy, antes da crise dos mísseis (com Cuba, um dos episódios mais tensos durante a Guerra Fria), fez uma bravata e depois teve que recuar. Agora, Obama não, quer mostrar que é homem, essa coisa de americano", afirma [Moniz Bandeira].
Doutor em ciência política, professor aposentado da Universidade de Brasília (UNB), Moniz Bandeira destaca que Obama não só manteve as guerras iniciadas por seu antecessor, George W. Bush, como ampliou a presença militar norte-americana, aderindo ao projeto de "dominação mundial" dos Estados Unidos. "Nenhum país quer se prejudicar numa guerra. Os Estados Unidos estão fazendo, mas vão se quebrando e vão se quebrar cada vez mais. O caminho pelo qual todos os impérios se suicidam é a guerra, o militarismo exacerbado", afirma. "Pode levar décadas ainda, mas estão em declínio. São um país dependente de tudo no mundo, até de capitais. A cada governo tem que viver de endividamento, com autorização do Congresso, que resiste, não pode um país viver de tomar empréstimo", analisa.
Moniz Bandeira lança, no próximo mês, mais um livro sobre relações internacionais, “A Segunda Guerra Fria - Geopolítica e Dimensão Estratégica dos EUA”, em que analisa a atuação da superpotência no Oriente Médio.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Moniz Bandeira
Rede Brasil Atual: Qual sua opinião sobre a situação na Síria, que vive um acirramento das posições de Estados Unidos e Rússia?
Luiz Alberto Moniz Bandeira: Os Estados Unidos estão buscando essa guerra de qualquer modo, ou melhor, Obama está buscando. O que está acontecendo na Síria posso dizer que tenho certeza que é uma armação. Primeiro, Obama estabelece uma "linha vermelha": armas químicas. Já morreram mais de cem mil pessoas nessa guerra civil, que eles, EUA, Inglaterra, França, Arábia Saudita, Qatar e outros emirados, Israel, Turquia, estão incentivando. Já tinha havido um episódio antes, em que a oposição, comprovadamente até pela ONU, usou armas químicas, em março. Quem forneceu essas armas? Pode ter sido Israel, pode ter sido a CIA. Ninguém sabe, mas foram os rebeldes que usaram.
Aí Obama estabelece, depois, as armas químicas como “marco para intervir”. Ele está sofrendo pressão interna dos republicanos e da mentalidade dele também. Ele não é muito diferente de Bush. Todo governo americano segue aquele esquema que eles têm lá, ele não faz o que quer, faz o que a correlação de forças determina. Então, ele estava buscando um pretexto para entrar e armou essa linha. Há poucas semanas, um depósito de mísseis russos perto de Latakia foi explodido por um foguete Tomahawk disparado de um submarino, por Israel. Destruiu foguetes antimísseis que lá estavam depositados pela Rússia, que mandou mais esses dias. Depois, surge esse negócio de armas químicas.
Nem o cínico secretario de Estado Kerry ousa afirmar com toda certeza que a inteligência dos EUA comprova que as armas químicas agora foram usadas pelo governo. Ele sempre diz, no máximo, que tem confiança de que foi, não afirma, e não mostra provas. E quer atacar de qualquer maneira. É tudo uma armação, porque os EUA não querem perder mais uma guerra. Obama quer salvar sua face, deu um marco, fez uma bravata. Como Kennedy, antes da crise dos mísseis (com Cuba, um dos episódios mais tensos durante a Guerra Fria), fez uma bravata e depois teve que recuar. Agora, Obama não, quer mostrar que é homem, essa coisa de americano. Mas a maioria do povo americano não quer mais saber dessas guerras. Os EUA estão atolados em duas guerras terríveis, no Afeganistão e no Iraque, aliás em todo o Oriente Médio. Estou agora para lançar um livro até o final do mês em que estudo toda a situação do Oriente Médio, onde eu mostro, com base em um informe de um instituto da Universidade de Heidelberg (Alemanha), que Obama aumentou muito o número de guerras que havia no tempo de Bush. Ele só tem feito ampliar o número de guerras e essa na Síria certamente vai escalar.
O senhor acredita então que os EUA vão cumprir isso que o senhor classificou de bravata?
Tudo é possível, é difícil prever o que vai acontecer, mas é possível que Obama realmente cumpra essa bravata. É difícil prever até que ponto vai a insanidade dessa gente. E o cinismo... Kerry falar em obscenidade do uso de armas químicas por Assad, de que eles não têm nem prova, quando os EUA já lançaram dezenas de vezes gás mostarda, em todas as guerras que fez. O que é o napalm, a bomba atômica? Quem matou gente mais em guerra que os EUA? E as bombas atômicas lançadas contra o Japão, em Hiroshima e Nagasaki? E as bombas de napalm lançadas no Vietnã? E as armas químicas lançadas contra guerrilheiros na Nicarágua? E as armas químicas fornecidas (e isso está no meu livro “A formação do Império americano”, com todas as informações) a Saddam Hussein na guerra contra o Irã? Os EUA forneceram, nos anos 1980, e quem negociou foi o Ronald Rumsfeld, que foi depois secretário de guerra de George Bush. Agora, vem com essa de obscenidade. Esse secretário de Estado é que é um obsceno, cínico. Isso é jogar pimenta nos olhos da humanidade. Isso que eles vão fazer agora só vai estimular outros países a produzirem armas atômicas. Porque os EUA só atacaram o Iraque porque eles não tinham armas atômicas, eles sabiam disso. Mas não atacam a Coreia do Norte porque sabem que tem poder de retaliação. Não atacam o Irã porque é difícil também, tem poder de retaliação. Eles só atacam os fracos.
Apareceram declarações do governo russo de que iria se contrapor. Existe algum país que pode se contrapor hoje aos EUA em termos militares?
A questão não é o problema militar, porque uma bomba atômica já faria um estrago terrível nos EUA. O problema é a retaliação. Agora, os interesses são muito grandes, porque a economia mundial é um todo. A Rússia tem interesses enormes, ninguém quer entrar numa guerra com os EUA, ser destruído. Destrói os EUA, mas se destrói também. A China a mesma coisa, tem interesses comerciais muito grandes. Nenhum país quer se prejudicar numa guerra. Os Estados Unidos estão fazendo, mas vão se quebrando e vão se quebrar cada vez mais. O caminho pelo qual todos os impérios se suicidam é a guerra, o militarismo exacerbado.
O senhor vê isso num futuro próximo?
Não se pode dizer quanto tempo isso dura. Pode levar décadas ainda, mas que estão em declínio, estão. São um país dependente de tudo no mundo, até de capitais. A cada governo, têm que viver de endividamento, com autorização do Congresso, que resiste. Não pode um país viver de tomar empréstimo. Os EUA continuam com esse militarismo à custa de empréstimos que a China, o Brasil e outros países fazem comprando bônus do tesouro americano. Porque o grande segredo do império ainda é o fato de que eles conseguiram estabelecer o dólar como única moeda de reserva internacional, mas isso tem um limite. Quando estavam à beira de quebrar, em 1970, por causa da guerra do Vietnã, o dólar estava vinculado ao ouro. Nixon desvinculou e aí não respeitou mais nada. Em 1993, desvinculou ainda mais e aí ficou o dólar flutuando como única moeda de reserva internacional. Mas estão em declínio, e as guerras não cessam. A dominação completa é o projeto. Isso eu escrevo bastante em meu livro que vai sair agora, é o projeto dos "neocons", os neoconservadores de Bush e agora continua com Obama.
Dominação completa?
Sim, dominação completa do mundo, por ar, terra e mar. Eles têm capacidade de intervenção em qualquer lugar do globo, mas armamentos têm limites também. Se agora a Síria, num desespero, lança o que tem de armas químicas contra Israel – eles não podem lançar contra os EUA porque não têm misseis para isso –, acaba com Israel. Não sei se vai fazer isso, mas pode. É um risco. Pode atacar bases americanas no Iraque, no Afeganistão, Bahrein e outros emirados. Não sei se vai fazer isso, mas podem fazer, são possibilidades que têm que ser levadas em conta.
Agora, dizer que vão atacar precisamente! O projeto deles enviado ao Congresso dando prazo de uma guerra por 60 dias, podendo prorrogar por 30, guerra com prazo determinado. E sem enviar soldados, só com bombardeio. Estão destruindo um patrimônio histórico da humanidade, que é a Síria. Um sítio arqueológico inestimável, já está destruído, em grande parte.
Sobre o caso de espionagem contra o Brasil, qual sua avaliação?
Isso não me surpreendeu, porque eu já conhecia e tratei desse sistema em meu livro “A Formação do Império Americano”. Eu tenho muitos livros sobre os Estados Unidos, meu primeiro livro chama-se “Presença dos Estados Unidos no Brasil” e foi publicado em 1973. Estava preso pela Marinha. Fui preso por um americano que estava no pelotão da Marinha, em 1969. A CIA trabalhava com a Marinha. Eles se metem em tudo.
Então não é novidade?
Espionagem eles sempre fizeram, não é de hoje, não. Em meu livro “A formação do Império americano” eu já abordo o “Echelon” (sistema de interceptação, coleta e análise de telecomunicações que seria operado pela NSA). Eles têm esse esquema em tudo que é embaixada, consulado, base americana, até em navios por aí espalhados. Eles espionam o Brasil, sim. Em 2009, quando recebi o título de doutor honoris causa da UFBA, eu adverti que uma potência é mais perigosa quando está declinando do que quando começa a formar o seu império. E que o Brasil sofria ameaças e era necessário se preparar, armar-se. O Brasil não está no Conselho de Segurança da ONU ainda porque Collor de Mello fechou o buraco para experimentos atômicos e depois Fernando Henrique assinou o tratado de não-proliferação nuclear. Eles só respeitam quem tem poder.
FONTE: texto de Nicolau Soares, na “Rede Brasil Atual”. Retirado do blog Democracia & Política.
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