DECANTAÇÃO
DOS FATOS
(Veiculado
pelo “Correio
da Cidadania” a partir de 06/03/13)
Por Paulo
Metri, conselheiro do Clube de Engenharia
“Eric
Hobsbawm, no início do livro “Era dos
Extremos”, lançado em 1994, pede desculpas ao leitor por analisar o século
XX antes de terminado. É preciso ter certo dom para conseguir identificar a
relevância de um fato no momento em que ele acontece, ou seja, se é revelador
de futuro. O tempo é o reagente natural que, atuando sobre os fatos, os revela
como relevantes ou não. O que não for será, naturalmente, despejado no ralo da
história.
Sem ser
um Hobsbawm e, portanto, sem as lentes que permitem ver através da poeira de
irrelevâncias históricas suspensa no momento presente, com a nitidez do que é
importante, sou capaz de apostar que nosso país irá permanecer “em
desenvolvimento” por longo período ainda —
o que, aliás, é um enorme eufemismo, pois significa, na verdade, “em atraso”.
Lamento
profundamente pelos nossos descendentes, que irão enfrentar situações cada vez
mais dramáticas.
E por
que isso irá acontecer? A resposta pode ser encontrada olhando-se o passado.
Hoje, estamos estacionados no “em atraso” porque alguns governos irresponsáveis
atuaram mirando um Brasil subdesenvolvido.
Com
tanto esforço, conseguiram fazer o país permanecer neste patamar vergonhoso,
com sofrimento para toda sociedade. Faria exceções, nitidamente, aos governos
Vargas e Geisel. No entanto, durante muitos anos, seguimos com esse modelo de
dependência, que só é bom para as empresas estrangeiras, os países estrangeiros
e uns poucos nativos prepostos delas.
Não há
um projeto nosso de crescimento como nação, o que acarretaria máximo bem-estar
social.
Para alguns,
pode parecer estranho, mas os governos do PT também serão vistos, por um
observador do futuro, como administradores de economia periférica adaptada à
imposição do capitalismo mundial dominante à época, sem lutar por condição de
melhor participação da sociedade brasileira na divisão internacional das
riquezas produzidas. Assim, não haverá diferenças, nesse aspecto, em nível
desejável, em relação aos governos de FHC.
Escrevo
estas linhas com a pretensão de conseguir alertar uma considerável parcela da esquerda
para o fato de que, sem nacionalismo, não se consegue atingir um novo patamar
de satisfação da sociedade. Sinto angústia porque acho que há erro de rumo,
ontem e hoje, que, contudo, forças midiáticas poderosas negam.
Nacionalismo
não é “coisa de militares”, como procuram caracterizar, se bem que deve ser
“coisa de todos”, inclusive de militares. Nacionalismo não significa também o
país buscar se isolar do mundo, o que nos é incutido. Significa o país só
aceitar a inserção internacional que beneficie sua sociedade.
Antes
que alguns leitores passem para outro artigo, apresso-me a dizer que não estou
me atendo à atuação do PT na distribuição interna da renda. Nesse tópico, esses
governos se sobressaíram sobre todos dos últimos 49 anos.
Entretanto,
infelizmente, faltam no nosso país um partido e um eleitorado que identifiquem
na atuação soberana a única possibilidade de grande satisfação da sociedade.
Paradoxos
que mostram nosso erro estratégico existem aos montes na nossa sociedade. Por
exemplo, somos o único dos BRIC que não possui um carro inteiramente projetado
e produzido no país. Em 1974, a Hyundai lançou seu primeiro carro e, até então,
a Coréia do Sul não possuía um carro nacional. No entanto, agora, o Brasil cria
uma reserva de mercado para a indústria montadora estrangeira instalada na
nossa economia.
O
próprio BNDES tem como diretriz o modelo dependente de desenvolvimento ao
financiar empresas estrangeiras aqui instaladas, sem nenhum constrangimento por
parte dos dirigentes e do corpo técnico do banco pela opção antissocial tomada.
O Brasil é mesmo um paraíso para as empresas estrangeiras.
Queria
que, aqui, um executivo governamental, que concedesse uma benesse para uma
empresa estrangeira, pelo menos sentisse vergonha e remorso, não precisando
chegar ao extremo de praticar um haraquiri.
Desde as
décadas de 1960 e 1970, excetuando os recursos aplicados na Petrobras, Embrapa,
Embraer, Manguinhos e algumas outras poucas exceções, muitos recursos foram
gastos visando ao “desenvolvimento tecnológico
nacional” sem grande sucesso.
À
primeira vista, se recursos para o desenvolvimento tecnológico forem aplicados
fora do eixo estatal, têm grande chance de ser infrutíferos.
Assisti
a uma apresentação do presidente da Embraer, na qual ele mostrou um gráfico
relativo ao Brasil, com o tempo no eixo horizontal e o índice “US$ por tonelada
de produto exportado” no eixo vertical.
A curva
resultante é acentuadamente declinante, ou seja, com o passar do tempo as
exportações brasileiras passaram a ser cada vez mais concentradas em minérios e
grãos, em detrimento de produtos com algum conteúdo tecnológico.
Para
mim, esse gráfico mostra a falência do sistema de desenvolvimento tecnológico
do país. Além disso, mostra também que o Brasil está no grupo dos países que,
cada vez mais, auferem menos lucro no comércio internacional por ser grande
supridor de minérios e grãos aos desenvolvidos, proporcionando a eles padrões
de vida bem acima dos nossos.
Incrivelmente,
damos recursos públicos para empresas estrangeiras gerarem tecnologia.
Portanto, não é por existirem poucos recursos que não se desenvolve tecnologia.
A aplicação das arrecadações dos fundos sociais precisa ser repensada, porque
não está dando certo.
Só um
país com um povo alienado permite que seu petróleo seja levado para o exterior
por empresas estrangeiras sem deixar quase nenhum usufruto para a sociedade. É
o que acontecerá com o petróleo resultante da décima primeira rodada de leilões
da Agência Nacional do Petróleo (ANP), marcada para os dias 14 e 15 de maio. E
o povo não se indigna, porque não foi informado pela mídia venal do capital.
Todos
nós conhecemos a dificuldade de um governante para armar o quebra-cabeça
composto pelas nomeações dos cargos de governo. Por exemplo, hoje, o Ministério
da Integração Nacional está nas mãos do PSB. A Educação está com o PT.
O
Mantega é da cota pessoal da presidente, e por aí vai. Entretanto, tem-se a
impressão que, para as diretorias das agências reguladoras, só opinam os
agentes econômicos a serem regulados. As decisões que essas agências tomam
corroboram essa afirmação.
Em 1995,
durante o governo FHC [PSDB/DEM], acabaram [em absurda lei antinacional, dadivosa para as empresas estrangeiras] com a proteção à empresa
genuinamente nacional, antes contida no Artigo 171 da Constituição. Outros países do
mundo, inclusive desenvolvidos, protegem as suas empresas. Na França, as
empresas genuinamente francesas gozam de privilégios, tanto que, durante as
privatizações que ocorreram por lá, saíam em vantagem com relação às empresas
estrangeiras, em qualquer leilão.
Graças a
desrespeitos para com as empresas nacionais genuínas e devido à ausência de um
projeto nacional, ocorreram a desnacionalização da nossa economia e,
simultaneamente, a desindustrialização. Muitas vezes, afirmam que a empresa
estrangeira instalada no Brasil também paga impostos e salários, o que é
verdade.
Contudo,
o fluxo de caixa de médio prazo de uma multinacional será sempre deficitário
para o país hospedeiro e superavitário para o país onde está a sua matriz.
Além
disso, a nacional genuína tem mais propensão a comprar localmente, a
desenvolver tecnologia no país e a empregar mais brasileiros. Por tudo isso,
deve-se privilegiar a empresa nacional genuína, a de capital brasileiro.
Só a
aprovação de acordos internacionais de comércio, patentes e outros, nos moldes
dos que foram aprovados no [nefasto] período neoliberal [FHC/PSDB/DEM], mostra o grau de
submissão a que chegou nosso país. Até hoje, não conseguiu se soerguer. Para um
espectador distante, parece que há medo do confronto e das eventuais
retaliações por se ser soberano.
Entretanto,
para haver algum substancial crescimento, há necessidade de certo enfrentamento
nos campos diplomático, comercial e ideológico. O desenvolvimento é sempre
conquistado, nunca recebido. Por outro lado, é primordial existir um
planejamento estratégico do crescimento e do enfrentamento, o que, salvo
engano, não há no Brasil.
O
capital internacional e sua mídia servil, que infelizmente é a que desinforma a
grande massa brasileira, estão em campanha para ampliar a dominação sobre nossa
economia e sociedade. Neste momento, um deputado e um senador, ambos do PMDB,
entraram nas suas casas legislativas com dois projetos de lei para destruir o
pouco que foi conquistado com a edição do novo marco regulatório da área do
Pré-sal (lei nº 12.351 de 2010).
Querem
que a exploração dessa área seja feita de forma tão ruim para o povo brasileiro
quanto é a exploração das áreas fora do Pré-sal, onde é utilizada a lei nº 9.478
de 1997.
Outro
ataque para a quebra da nossa resistência consiste do lançamento de informações,
na maioria das vezes tendenciosas, sobre a Petrobras. O objetivo é tê-la
privatizada para o seu lucro cair nas empresas que a arrematarem, e que ela não
mais atenda aos interesses da nossa sociedade.
Todos esses
fatos — juntos de mais informações como,
por exemplo, a pouca importância dada pela presidente à entrega do petróleo
nacional na décima primeira rodada (pois foi por ela aprovada) – são
definidores de um futuro nada promissor que nos espera e, principalmente, a
nossos descendentes.”
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