O
especialista Milton Pomar lamenta a inexistência de um olhar
estratégico do governo brasileiro na direção do país asiático – e mostra
como esta visão se reflete no programa Ciência Sem Fronteiras
Por Pedro Pereira
Das
mais de 22 mil bolsas de estudo oferecidas pelo governo federal desde a
criação do programa Ciência Sem Fronteiras, apenas cinco foram para
estudantes
que se dirigiam à China. Enquanto isso, os Estados Unidos eram o
destino de 5.028 pesquisadores brasileiros. Para entender o porquê de
tamanha desproporção, AMANHÃ ouviu Milton Pomar, especialista em China e
editor da revista em chinês “Negócios com o Brasil”. Para ele, a falta
de interesse dos estudantes é apenas um
reflexo da mesma atitude demonstrada pelo Planalto.
“Se
não há a compreensão, no governo federal, da necessidade de agir
estrategicamente em relação à China, por que os estudantes
universitários o fariam?”, questiona Pomar. Os canais para que o governo
estabelecesse uma conexão mais próxima com os orientais, segundo ele,
seriam os ministérios e até mesmo a Agência Brasileira de Promoção de
Exportações e Investimentos (ApexBrasil).
Como exemplo, Pomar
cita o setor agropecuário. Ele lembra que a China é o maior comprador do
Brasil e que graças a essas compras, de valores e volumes
crescentes, o país mantém um superávit na balança comercial. “Quem
acompanha o setor sabe o quanto a China impactou favoravelmente nos
últimos dez anos, e o quanto ainda pode comprar de produtos como carne,
celulose, lácteos, soja, algodão, milho, frutas, etanol... Certamente
comprará”, projeta.
Pomar lamenta, entretanto, que mesmo diante
de um cenário que envolve um comércio de dezenas de bilhões de dólares
anuais, somente há cerca de quatro anos o governo brasileiro tenha
finalmente criado o cargo de adido agrícola para a Embaixada do Brasil
na China. “Foi enviado um veterinário, especialista em vigilância
sanitária, que conseguiu se ambientar rápido com a China e com o cargo
que desempenhava. Mas, não sei por qual razão, ficou pouco mais de um
ano e voltou para o Brasil, que então selecionou outro profissional”,
relata.
A Embrapa também enviou uma pesquisadora para a China,
para buscar parcerias com
instituições chinesas do setor agropecuário. Uma pessoa, segundo Pomar,
que até o ano passado, quando embarcou para a missão, não sabia nada
sobre o país asiático.
“Se o setor que responde por US$ 40
bilhões anuais de superávit na balança comercial brasileira não consegue
merecer uma equipe que permaneça pelo menos dez anos na China, para
conhecer o mercado de alimentos e o setor do agronegócio chinês, abrir e
manter abertos canais no maior mercado atual e de alto potencial para o
agronegócio brasileiro, por que mais do que cinco estudantes
pleiteariam bolsas do Ciência Sem Fronteiras para estudar lá?”, alfineta
Pomar.
Afinal, quem tem os olhos fechados?
Aliados no
bloco das maiores economias emergentes do mundo, o BRICS (integrado
também por Rússia, Índia e África do Sul), Brasil e China não parecem
distantes apenas no mapa. Segundo Pomar, o governo brasileiro carece de
informações sobre a
juventude chinesa, pois o único estudo realizado seria insuficiente.
“O
IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] realizou um estudo
sobre a juventude chinesa e a brasileira, entrevistando estudantes
universitários em Brasília, São Paulo e em uma universidade de Pequim e
outra de Shangai. E disseram que com essa amostra tinham conseguido
captar a média da opinião do acanhado universo de universitários
chineses”, exclama Pomar.
O especialista faz, ainda, um recorte
sobre a realidade vivida pela região sul. “Quais ações consequentes os
governos estaduais de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná
desenvolveram em relação à China em 2011 e 2012, que não apenas viagens
para contatos ligeiros? E o que farão este ano e em 2014?”, indaga.
Crise nos Estados Unidos
Pomar
ressalta o fato de os jovens brasileiros ainda considerarem os Estados
Unidos como “o farol do mundo”. Ele lembra
que os americanos estão enredados em uma gigantesca crise fiscal – e
sem uma perspectiva concreta de solução, já que um dos principais
complicadores foi o custo das guerras. E Washington insiste em manter
bases militares e tropas em diversos pontos do globo.
“Há, ainda
muito forte no Brasil, um enorme preconceito em relação à China, às
dificuldades de comunicação no país, ainda que os cursos de
pós-graduação que recebem estrangeiros sejam ministrados em inglês, como
nos Estados Unidos”, lamenta Pomar. Ele reconhece, no entanto, que
fatores subjetivos como a alimentação e a cultura pesem muito na escolha
dos jovens sobre onde viverão – e estudarão - nos dois ou três anos
seguintes.
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