sábado, 30 de março de 2013

Por que não estudamos na China?

O especialista Milton Pomar lamenta a inexistência de um olhar estratégico do governo brasileiro na direção do país asiático – e mostra como esta visão se reflete no programa Ciência Sem Fronteiras

Por Pedro Pereira
Das mais de 22 mil bolsas de estudo oferecidas pelo governo federal desde a criação do programa Ciência Sem Fronteiras, apenas cinco foram para estudantes que se dirigiam à China. Enquanto isso, os Estados Unidos eram o destino de 5.028 pesquisadores brasileiros. Para entender o porquê de tamanha desproporção, AMANHÃ ouviu Milton Pomar, especialista em China e editor da revista em chinês “Negócios com o Brasil”. Para ele, a falta de interesse dos estudantes é apenas um reflexo da mesma atitude demonstrada pelo Planalto.

estudantes-china-pomar-350“Se não há a compreensão, no governo federal, da necessidade de agir estrategicamente em relação à China, por que os estudantes universitários o fariam?”, questiona Pomar. Os canais para que o governo estabelecesse uma conexão mais próxima com os orientais, segundo ele, seriam os ministérios e até mesmo a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil).

Como exemplo, Pomar cita o setor agropecuário. Ele lembra que a China é o maior comprador do Brasil e que graças a essas compras, de valores e volumes crescentes, o país mantém um superávit na balança comercial. “Quem acompanha o setor sabe o quanto a China impactou favoravelmente nos últimos dez anos, e o quanto ainda pode comprar de produtos como carne, celulose, lácteos, soja, algodão, milho, frutas, etanol... Certamente comprará”, projeta.

Pomar lamenta, entretanto, que mesmo diante de um cenário que envolve um comércio de dezenas de bilhões de dólares anuais, somente há cerca de quatro anos o governo brasileiro tenha finalmente criado o cargo de adido agrícola para a Embaixada do Brasil na China. “Foi enviado um veterinário, especialista em vigilância sanitária, que conseguiu se ambientar rápido com a China e com o cargo que desempenhava. Mas, não sei por qual razão, ficou pouco mais de um ano e voltou para o Brasil, que então selecionou outro profissional”, relata.

A Embrapa também enviou uma pesquisadora para a China, para buscar parcerias com instituições chinesas do setor agropecuário. Uma pessoa, segundo Pomar, que até o ano passado, quando embarcou para a missão, não sabia nada sobre o país asiático.

“Se o setor que responde por US$ 40 bilhões anuais de superávit na balança comercial brasileira não consegue merecer uma equipe que permaneça pelo menos dez anos na China, para conhecer o mercado de alimentos e o setor do agronegócio chinês, abrir e manter abertos canais no maior mercado atual e de alto potencial para o agronegócio brasileiro, por que mais do que cinco estudantes pleiteariam bolsas do Ciência Sem Fronteiras para estudar lá?”, alfineta Pomar.

Afinal, quem tem os olhos fechados?
Aliados no bloco das maiores economias emergentes do mundo, o BRICS (integrado também por Rússia, Índia e África do Sul), Brasil e China não parecem distantes apenas no mapa. Segundo Pomar, o governo brasileiro carece de informações sobre a juventude chinesa, pois o único estudo realizado seria insuficiente.

“O IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] realizou um estudo sobre a juventude chinesa e a brasileira, entrevistando estudantes universitários em Brasília, São Paulo e em uma universidade de Pequim e outra de Shangai. E disseram que com essa amostra tinham conseguido captar a média da opinião do acanhado universo de universitários chineses”, exclama Pomar.

O especialista faz, ainda, um recorte sobre a realidade vivida pela região sul. “Quais ações consequentes os governos estaduais de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná desenvolveram em relação à China em 2011 e 2012, que não apenas viagens para contatos ligeiros? E o que farão este ano e em 2014?”, indaga.

Crise nos Estados Unidos
Pomar ressalta o fato de os jovens brasileiros ainda considerarem os Estados Unidos como “o farol do mundo”. Ele lembra que os americanos estão enredados em uma gigantesca crise fiscal – e sem uma perspectiva concreta de solução, já que um dos principais complicadores foi o custo das guerras. E Washington insiste em manter bases militares e tropas em diversos pontos do globo.

“Há, ainda muito forte no Brasil, um enorme preconceito em relação à China, às dificuldades de comunicação no país, ainda que os cursos de pós-graduação que recebem estrangeiros sejam ministrados em inglês, como nos Estados Unidos”, lamenta Pomar. Ele reconhece, no entanto, que fatores subjetivos como a alimentação e a cultura pesem muito na escolha dos jovens sobre onde viverão – e estudarão - nos dois ou três anos seguintes.

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