André Singer*
Enquanto partidos e candidatos se arrumam de maneira previsível nos
boxes da corrida presidencial de 2014, um fato novo pode modificar o
programa da disputa. Na quarta-feira, 6 de março, as centrais sindicais
voltarão às ruas depois de três anos de silêncio.
A sétima marcha da classe trabalhadora a Brasília pretende mostrar
que o diálogo sobre os rumos do país não envolve apenas os empresários,
como vem ocorrendo, sobretudo, desde que a economia empacou.
Os organizadores da caminhada devem entregar a Dilma Rousseff extensa
pauta de reivindicações que vai do fim do fator previdenciário a
mudanças na política econômica, agregando às bandeiras específicas do
setor operário assuntos que dizem respeito à sociedade em geral, como a
reserva de 10% do PIB para a educação.
O momento é propício à iniciativa. Há no ambiente dos movimentos
sociais uma percepção difusa de que apenas a mobilização empurraria o
Executivo para além do combate à miséria. Acresce que a situação de
pleno emprego dá suporte material à ofensiva dos assalariados.
De outra parte, uma ausência estrutural dificulta a pretensão desses
de influir na direção do Estado. Seguindo trajetória que o afasta da
base, o PT não funciona mais como generalizador político das demandas
que emergem dos "de baixo". Ao contrário, há poucos dias dirigentes do
partido declaravam a intenção de aumentar o vínculo com o empresariado
("Valor", 13/2/2013).
Compreenda-se a dificuldade em que está metida aquela que é hoje a
mais sólida organização partidária do país. Enquanto o regime for
capitalista, e o será por um período largo e indeterminado até onde o
horizonte atual permite enxergar, não se pode prescindir dos
capitalistas para administrá-lo.
A ousadia de enfrentar o capital financeiro na questão dos juros e do
câmbio, mesmo que fosse para favorecer os industriais, sublevou o
empresariado e emparedou a equipe econômica, levando a uma série de
concessões e afagos para tentar "soltar" o investimento.
Ocorre que contradições de classe implicam prejudicar um lado ao
ajudar o outro. Exemplo típico é o da desoneração da folha de salários.
Os bilhões de reais poupados às empresas pressionarão as contas da
Previdência, que é instrumento indispensável para o empregado na
velhice.
Simpáticas ao governo, as centrais não estão livres das ambiguidades
que afligem o PT. Porém, por força do lugar que ocupam, precisam
expressar, em alguma medida, a inquietação que vem do chão da fábrica.
Já a alma que tomou conta da direção petista a partir de 2002 esqueceu a
dura lição de 1964: mesmo que pactos temporários possam ocorrer, a
oposição de classes é, no capitalismo, inevitável.
(*) Cientista político e professor da USP. Publicado originalmente na Folha de S.Paulo, edição de sábado (23)
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