segunda-feira, 25 de março de 2013

EUA, um governo do 1%, para o 1% e pelo 1%

O texto abaixo é uma condensação de um artigo do Nobel de Economia Joseph E. Stiglitz publicado, originalmente, na revista Vanity Fair.
Não adianta fingir que não aconteceu nada porque de fato aconteceu. O 1% mais rico dos americanos tem agora quase um quarto da renda anual do país. Em termos de riqueza, o 1% controla 40 por cento. Sua vida tem melhorado consideravelmente. Vinte e cinco anos atrás, os números correspondentes eram 12 e 33. Uma resposta a isso poderia ser celebrar a criatividade esforçada que trouxe boa sorte para essas pessoas, e afirmar que a maré crescente  acaba elevando todos os barcos. Seria um equívoco.
Enquanto o 1% viu os seus rendimentos aumentarem 18 % na última década, aqueles que estão no meio da pirâmide viram a sua renda cair. Para os homens com apenas ensino médio, o declínio tem sido intenso – 12 %  apenas no último quarto de século. Todo o crescimento nas últimas décadas, e muito mais, foi para aqueles no topo. Em termos de igualdade social, os Estados Unidos perdem de qualquer país da “velha, ossificada” Europa, para usar uma expressão usada pelo presidente George W. Bush para ridicularizar os europeus. Competimos em desigualdade com a Rússia com seus oligarcas e o Irã.
Muitos dos antigos centros de desigualdade da América Latina, como o Brasil, têm se esforçado nos últimos anos, com sucesso, para melhorar a situação dos pobres e reduzir as disparidades de renda. Mas os Estados Unidos têm permitido que a desigualdade cresça.
Os economistas há muito tempo tentam justificar as vastas desigualdades que pareciam tão preocupantes em meados do século 19 – desigualdades que são apenas uma pálida sombra do que estamos vendo nos Estados Unidos de hoje.  Uma justificativa que surgiu foi chamada de “teoria da produtividade marginal”. Em poucas palavras, esta teoria associava rendimentos mais elevados a uma maior produtividade e maior contribuição para a sociedade. É uma teoria que sempre foi valorizada pelos ricos. As evidências de sua validade, no entanto, são escassas. Os executivos das empresas que ajudaram a trazer a recessão dos últimos três anos receberam grandes bônus em troca de uma contribuição maciçamente negativa para a sociedade – e para as suas próprias empresas.
Em alguns casos, as empresas ficaram tão envergonhadas que trocaram o nome das recompensas: “bônus por desempenho” viraram “bônus de retenção” (mesmo que a única coisa a ser retida tenha sido o mau desempenho). Aqueles que contribuíram com grandes inovações positivas para a sociedade, dos pioneiros da compreensão genética aos pioneiros da Era da Informação, receberam uma ninharia em comparação com os responsáveis pelas invenções financeiras que levaram a economia global à beira da ruína.
Algumas pessoas olham para a desigualdade e sacodem os ombros  O que importa, elas argumentam, não é como o bolo é dividido, mas o tamanho do bolo. Fundamentalmente, este argumento está errado. Uma economia em que a maioria dos cidadãos está pior ano após ano não se sustenta a longo prazo. Há várias razões para isso. Primeiro, a desigualdade crescente é o outro lado de uma outra coisa: oportunidades encolhendo. Sempre que a igualdade de oportunidades se reduz, isso significa que não estamos usando alguns dos nossos bens mais valiosos, o povo, da forma mais produtiva possível.
Ajuntamentos de
                barracas nos Estados Unidos: símbolo do crescimento da
                pobreza
Ajuntamentos de barracas nos Estados Unidos: símbolo do crescimento da pobreza
Segundo, muitas das distorções que levam à desigualdade — tais como aquelas associadas com o poder de monopólios e o tratamento fiscal preferencial desfrutado por grandes corporações – afetam a  eficiência da economia. Tudo isso cria novas distorções, prejudicando ainda mais a eficiência. Para dar apenas um exemplo, muitos de nossos jovens mais talentosos, vendo as recompensas astronômicas, vão trabalhar em finanças em vez áreas ligadas a uma economia mais produtiva e mais saudável.
Terceiro, e talvez o mais importante, uma economia moderna exige “ação coletiva”, que precisa do governo para investir em infraestrutura, educação e tecnologia. Os Estados Unidos e o mundo se beneficiaram muito de pesquisas patrocinadas por governos que conduziram à internet, a avanços na saúde pública, e assim por diante. Mas os Estados Unidos há muito tempo sofrem de subinvestimentos em infraestrutura (basta olhar para a condição de nossas estradas e pontes, nossas ferrovias e aeroportos), em pesquisa básica e na educação em todos os níveis. Mais cortes nessas áreas estão por vir.
Quando a distribuição de riqueza de uma sociedade fica desequilibrada, os efeitos colaterais são enormes. Os ricos se tornam mais relutantes em gastar dinheiro em coisas para o bem público. Eles não precisam do governo para educação, saúde ou segurança. Podem comprar todas essas coisas por si mesmos. No processo, eles se tornam mais distante das pessoas comuns, perdendo qualquer empatia com elas. Eles também temem que governos fortes possam  ajustar a balança, tirando um pouco da sua riqueza, e investindo-a no bem comum. O 1%  pode reclamar do governo que temos nos Estados Unidos, mas na verdade eles gostam muito do quadro: muita dificuldade para redistribuir renda e sem força para fazer qualquer coisa que não seja reduzir impostos.
O Nobel Stiglitz, autor
                deste ensaio
O Nobel Stiglitz, autor deste ensaio
Nas últimas semanas, temos visto milhões de pessoas sair às ruas no mundo árabe para protestar contra as condições políticas, econômicas e sociais em sociedades opressivas. Governos foram derrubados no Egito e na Tunísia. Protestos varreram Líbia, Iêmen e Bahrein. As famílias dominantes em outras partes da região olham nervosamente do ar condicionado de suas mansões: seremos os próximos? Elas têm razão para se preocupar. Estas são sociedades onde uma fração minúscula da população, menos de 1%, controla a maior parte da riqueza, onde o dinheiro é um fator determinante de poder e onde os ricos muitas vezes trabalham ativamente para evitar ações que melhorem a vida das pessoas em geral.
Quando é que isso vai acontecer nos Estados Unidos? De várias formas, o nosso país se tornou parecido com aqueles lugares remotos e iníquos.
Alexis de Tocqueville afirmou que a principal característica da sociedade americana era o “interesse pessoal bem compreendido”. As duas últimas palavras eram a chave. Todos possuem interesse pessoal no sentido estrito: quero o que é bom para mim agora! Interesse pessoal “bem compreendido” é diferente. Significa prestar atenção nos interesses pessoais dos outros, igualmente. Em outras palavras, o bem-estar comum é, de fato, uma condição prévia para o próprio  bem-estar. Tocqueville não estava sugerindo que havia qualquer coisa de sublime ou idealista no americano. Na verdade, estava sugerindo o contrário. Era uma marca do pragmatismo americano. Olhando para o outro não é apenas bom para a alma, é bom para os negócios.
Uma pequena elite de 1% tem as melhores casas, as melhores escolas, os melhores médicos, mas há uma coisa que o dinheiro não parece ter comprado: a compreensão de que seu destino está ligado com o dos outros 99%. Ao longo da história, isso é algo que o 1 % costuma tardar a aprender. Em geral, aprende tarde demais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário