quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Para Belluzzo, política industrial foi 'muito defensiva e pouco eficaz'


Por Flavia Lima | De São Paulo

A política de desonerações e crédito subsidiado voltada à indústria são mecanismos compensatórios que não resolveram a questão da perda da competitividade, diz Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp e da Facamp. As medidas, diz ele, fazem parte de uma política industrial "muito defensiva e pouco eficaz".
A saída, diz o economista, seria investir em inovação e em um esforço ainda maior de desvalorização cambial. Para ele, entre o câmbio atual e o que chama de "competitivo" há um déficit de 25% a 30%. Para chegar lá, reconhece que será preciso lidar com os impactos sobre a inflação, mas rebate: "o problema começou lá atrás, quando se decidiu pela valorização".
Interlocutor frequente do governo, Belluzzo avalia que é preciso escolher quais são os setores-chave da economia a estimulá-los. Como forma de lidar com as pressões sobre os salários, reconhece que é preciso rediscutir os reajustes salariais de maneira "democrática", de modo que acompanhem os avanços da produtividade. E faz uma recomendação: "Temos que olhar para frente, e não para políticas que foram eficazes em outras ocasiões, mas não são mais". A seguir, trechos da entrevista:
Valor: A recuperação da indústria foi volátil em 2013, com forte recuo em dezembro. O que houve?
Luiz Gonzaga Belluzzo: Quando se olha um período mais longo, o desempenho é muito ruim e aí a valorização do câmbio tem papel importante. Ao longo do tempo tivemos perda de posição da indústria brasileira, que em 2004 era 18% do PIB e hoje pesa 12%. E o pessoal ainda acha que não houve desindustrialização.
Valor: Onde erramos?
Belluzzo: Nos últimos 20 ou 30 anos, ficamos fora da evolução da indústria global. Não estamos nos setores que tiveram uma transformação tecnológica mais intensa, sobretudo o que estão relacionados com as inovações mais recentes. A indústria brasileira ficou atrasada e, nesse sentido, tivemos, sim, uma desindustrialização. Também por conta da apreciação cambial tivemos uma perda de elos nas cadeias industriais. Perdemos muito o miolo da indústria e também o setor de bens finais, é ilusão achar que não. Vivo em uma região industrial, que tem empresas grandes e pequenas, e sei que muitas delas estão substituindo a produção doméstica. Não temos mais articulação com o que está acontecendo na indústria global.
Valor: Mas a indústria recebeu desonerações do governo. O desempenho indica certo esgotamento?
Belluzzo: Se a intenção é acabar de vez com a indústria, tira os empréstimos do BNDES! São mecanismos compensatórios, que não resolvem o problema da perda da competitividade da indústria. Segurou minimamente o que tinha razoável para segurar. Mas o que querem? Que se aumente os juros para a indústria também?
Valor: Mas deu certo?
Belluzzo: Precisa olhar o conjunto da obra. A indústria vem sofrendo um declínio há pelo menos 20 ou 30 anos. Perdemos competitividade justamente no momento em que a China vinha diversificando a sua indústria. O Brasil nesse tempo todo usou medidas pouco eficazes para retomar o processo de industrialização. Os juros mais baixos são uma arma do Brasil, assim como as desonerações. E não deu certo do ponto de vista de que é uma política industrial muito defensiva e pouco eficaz. Especialmente em um mundo que sofre uma transformação das localizações da indústria de manufatura. O Japão tinha 80% das exportações globais de televisores, hoje tem 30%. Perdeu para China. E o Brasil tem uma das situações mais dramáticas.
Valor: No curto prazo, a alta dos juros pode ter atrapalhado?
Belluzzo: Existem duas coisas: a alta de juros, que afeta a taxa interna de retorno do investimento; e a desvalorização cambial, que é insuficiente para dar impulso à indústria. Ademais há uma pressão de salários, com aumento real de salários que se formou no setor de serviços, mas vem afetando também a indústria. E isso danifica o investimento industrial. Temos que olhar para frente, e não para políticas que foram eficazes em outras ocasiões, mas não são mais.
Valor: O que poderia ser eficaz?
Belluzzo: Não pode ter câmbio valorizado em um mundo de competidores ferozes. E é preciso fazer um esforço para ajudar as empresas inovarem. O pessoal fala muito em produtividade e competitividade, mas o conceito é vazio. Na verdade, tem que escolher quais são os setores-chave da economia industrial que serão estimulados. Por exemplo, não é possível não cuidar do setor de bens de capital. Tem que adequá-lo às mudanças tecnológicas discutidas.
Valor: O dólar perto de R$ 2,45 ajuda?
Belluzzo: Melhorou, mas temos um déficit ainda de 25% a 30% para ter um câmbio competitivo.
Valor: Mas e a inflação?
Belluzzo: É verdade que vai impactar [a inflação]. Sobretudo porque se mudou a localização da maior parte da produção de peças e componentes, uma desvalorização abrupta seria muito difícil. Mas o problema não começa quando se percebe que tem que desvalorizar. Começa lá atrás, quando se decidiu pela valorização. Enquanto ela dura, é agradável, pois se toma recursos mais baratos no mercado externo, as empresas estrangeiras remetem lucros e dividendos para fora, se vai viajar para o exterior. Valorizar o câmbio é a decisão de política econômica mais perigosa e, ao mesmo tempo, mais difícil de reverter. Eu já assisti esse filme várias vezes.
Valor: O sr. citou os altos custos do trabalho. A rediscussão do reajuste do mínimo é importante?
Belluzzo: Acho que o governo tinha que chamar sindicatos e empresários e rediscutir isso, da maneira como ocorre em países democráticos. Se bem que com o PIB mais baixo dos últimos anos, o reajuste vai ser menor. Mas tem que ser algo concertado. Tem que ser como na Europa, durante a recuperação do pós-guerra, em que os salários acompanharam a produtividade. Isso é uma regra que não pode ser violada em uma economia em que se tem competição e concorrência externa.

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