A
política de desonerações e crédito subsidiado voltada à
indústria são mecanismos compensatórios que não resolveram a
questão da perda da competitividade, diz Luiz Gonzaga Belluzzo,
professor da Unicamp e da Facamp. As medidas, diz ele, fazem
parte de uma política industrial "muito defensiva e pouco
eficaz".
A
saída, diz o economista, seria investir em inovação e em um
esforço ainda maior de desvalorização cambial. Para ele, entre o
câmbio atual e o que chama de "competitivo" há um déficit de 25%
a 30%. Para chegar lá, reconhece que será preciso lidar com os
impactos sobre a inflação, mas rebate: "o problema começou lá
atrás, quando se decidiu pela valorização".
Interlocutor
frequente do governo, Belluzzo avalia que é preciso escolher
quais são os setores-chave da economia a estimulá-los. Como
forma de lidar com as pressões sobre os salários, reconhece que
é preciso rediscutir os reajustes salariais de maneira
"democrática", de modo que acompanhem os avanços da
produtividade. E faz uma recomendação: "Temos que olhar para
frente, e não para políticas que foram eficazes em outras
ocasiões, mas não são mais". A seguir, trechos da entrevista:
Valor: A recuperação da
indústria foi volátil em 2013, com forte recuo em dezembro. O
que houve?
Luiz
Gonzaga Belluzzo: Quando
se olha um período mais longo, o desempenho é muito ruim e aí a
valorização do câmbio tem papel importante. Ao longo do tempo
tivemos perda de posição da indústria brasileira, que em 2004
era 18% do PIB e hoje pesa 12%. E o pessoal ainda acha que não
houve desindustrialização.
Valor: Onde erramos?
Belluzzo: Nos últimos
20 ou 30 anos, ficamos fora da evolução da indústria global. Não
estamos nos setores que tiveram uma transformação tecnológica
mais intensa, sobretudo o que estão relacionados com as
inovações mais recentes. A indústria brasileira ficou atrasada
e, nesse sentido, tivemos, sim, uma desindustrialização. Também
por conta da apreciação cambial tivemos uma perda de elos nas
cadeias industriais. Perdemos muito o miolo da indústria e
também o setor de bens finais, é ilusão achar que não. Vivo em
uma região industrial, que tem empresas grandes e pequenas, e
sei que muitas delas estão substituindo a produção doméstica.
Não temos mais articulação com o que está acontecendo na
indústria global.
Valor: Mas a indústria
recebeu desonerações do governo. O desempenho indica certo
esgotamento?
Belluzzo: Se a intenção
é acabar de vez com a indústria, tira os empréstimos do BNDES!
São mecanismos compensatórios, que não resolvem o problema da
perda da competitividade da indústria. Segurou minimamente o que
tinha razoável para segurar. Mas o que querem? Que se aumente os
juros para a indústria também?
Valor: Mas deu certo?
Belluzzo: Precisa olhar
o conjunto da obra. A indústria vem sofrendo um declínio há pelo
menos 20 ou 30 anos. Perdemos competitividade justamente no
momento em que a China vinha diversificando a sua indústria. O
Brasil nesse tempo todo usou medidas pouco eficazes para retomar
o processo de industrialização. Os juros mais baixos são uma
arma do Brasil, assim como as desonerações. E não deu certo do
ponto de vista de que é uma política industrial muito defensiva
e pouco eficaz. Especialmente em um mundo que sofre uma
transformação das localizações da indústria de manufatura. O
Japão tinha 80% das exportações globais de televisores, hoje tem
30%. Perdeu para China. E o Brasil tem uma das situações mais
dramáticas.
Valor: No curto prazo, a
alta dos juros pode ter atrapalhado?
Belluzzo: Existem duas
coisas: a alta de juros, que afeta a taxa interna de retorno do
investimento; e a desvalorização cambial, que é insuficiente
para dar impulso à indústria. Ademais há uma pressão de
salários, com aumento real de salários que se formou no setor de
serviços, mas vem afetando também a indústria. E isso danifica o
investimento industrial. Temos que olhar para frente, e não para
políticas que foram eficazes em outras ocasiões, mas não são
mais.
Valor: O que poderia ser
eficaz?
Belluzzo: Não pode ter
câmbio valorizado em um mundo de competidores ferozes. E é
preciso fazer um esforço para ajudar as empresas inovarem. O
pessoal fala muito em produtividade e competitividade, mas o
conceito é vazio. Na verdade, tem que escolher quais são os
setores-chave da economia industrial que serão estimulados. Por
exemplo, não é possível não cuidar do setor de bens de capital.
Tem que adequá-lo às mudanças tecnológicas discutidas.
Valor: O dólar perto de R$
2,45 ajuda?
Belluzzo: Melhorou, mas
temos um déficit ainda de 25% a 30% para ter um câmbio
competitivo.
Valor: Mas e a inflação?
Belluzzo: É verdade que
vai impactar [a inflação]. Sobretudo porque se mudou a
localização da maior parte da produção de peças e componentes,
uma desvalorização abrupta seria muito difícil. Mas o problema
não começa quando se percebe que tem que desvalorizar. Começa lá
atrás, quando se decidiu pela valorização. Enquanto ela dura, é
agradável, pois se toma recursos mais baratos no mercado
externo, as empresas estrangeiras remetem lucros e dividendos
para fora, se vai viajar para o exterior. Valorizar o câmbio é a
decisão de política econômica mais perigosa e, ao mesmo tempo,
mais difícil de reverter. Eu já assisti esse filme várias vezes.
Valor: O sr. citou os altos
custos do trabalho. A rediscussão do reajuste do mínimo é
importante?
Belluzzo: Acho que o
governo tinha que chamar sindicatos e empresários e rediscutir
isso, da maneira como ocorre em países democráticos. Se bem que
com o PIB mais baixo dos últimos anos, o reajuste vai ser menor.
Mas tem que ser algo concertado. Tem que ser como na Europa,
durante a recuperação do pós-guerra, em que os salários
acompanharam a produtividade. Isso é uma regra que não pode ser
violada em uma economia em que se tem competição e concorrência
externa.
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