*José Álvaro de Lima Cardoso (economista e técnico do Dieese)
Há algum tempo os mercados financeiros
latino americanos vêm sendo sacudidos por turbulências cambiais. Na Argentina,
no final de janeiro a desvalorização do peso foi drástica, com queda da cotação
da moeda em 11% em um só dia, a maior desvalorização ocorrida nos últimos 12
anos no país. Em dois dias a cotação oficial do dólar saltou de 6,8 pesos para
8 pesos. O governo vinha, nos dois anos anteriores,
endurecendo no controle do câmbio. Em outubro de 2011 definiu que quem quisesse
adquirir dólares na Argentina teria de pedir autorização à Administração
Federal de Ingressos Públicos (Afip), e comprovar que tinha pesos suficientes
para realizar a troca. Limitando ainda mais as operações de câmbio, em 2012 o
governo definiu que só podia comprar dólares quem viajasse ao exterior.
Posteriormente, apertou ainda mais com a proibição de uso dos cartões de débito
argentinos exterior e taxando em 35% as operações com cartão de crédito no exterior.
Para enfrentar as turbulências,
no dia 24 de janeiro o governo argentino liberalizou algumas
das mencionadas medidas de controle de câmbio, que havia tomado nos últimos
dois anos para controlar a fuga de dólares. As medidas de janeiro procuram aliviar
um pouco as mencionadas restrições adotadas nos últimos anos. O governo liberou
a compra de dólares por argentinos pelo câmbio oficial, que havia sido proibida
em julho de 2012 e reduziu o imposto incidente nas compras com cartão de
crédito no exterior, que passou de 35% para 20%.
A crise cambial na Argentina impacta as relações comerciais com os
vizinhos, sobretudo com o Brasil, pela magnitude do comércio entre os dois
países. Com a desvalorização de janeiro, tem-se uma série de impactos sobre a
economia argentina, a começar pelo risco de elevação da inflação, que já é um
grave problema no país vizinho. Ademais, a desvalorização, de imediato torna a
produção local mais competitiva internacionalmente, em função da redução dos
preços em dólar. Por outro lado as importações ficam imediatamente mais caras,
o que pode causar uma substituição de importados por produtos argentinos. O que
é complicado para o Brasil, que exporta grande quantidade de produtos
industriais para a Argentina.
Apesar da Argentina, neste momento, estar no olho do furacão, nos
últimos meses a pressão cambial ocorreu em vários países da América Latina. No
ano passado o real se desvalorizou 12,96%. No Chile, o peso desvalorizou 8,97%; na
Colômbia, 8,63% e no Peru o sol caiu 9,21%. Em parte, o problema está
relacionado à queda do preço das commodities, que ocorre com os metais e com os
produtos agrícolas, e que afeta o subcontinente como um todo. A crise é
continuidade do estouro financeiro de 2007/2008 e o centro da turbulência é a
expectativa de alta dos juros nos EUA. Com a expectativa desta alta, os
capitais especulativos que haviam se alojado nos países emergentes para
especular com as taxas de juros e a cotação das moedas, retornam para os papeis
do Tesouro estadunidense. Nos últimos anos, com a rentabilidade negativa nos
produtos de renda fixa dos EUA, os capitais acorreram em massa nos mercados de
países emergentes e passaram também a investir no mercado de commodities. Com a
possibilidade de maior rentabilidade no mercado financeiro dos EUA, esta
tendência mudou.
Nesta
altura dos acontecimentos não se pode prever exatamente os efeitos da crise sobre o Brasil. É
possível que grandes empresas, que vinham se financiando com crédito
internacional, tenham problemas, em decorrência da elevação súbita da dívida.
Mas a retomada do crescimento na economia dos EUA, e a ainda discreta
recuperação de algumas economia da Europa, são aspectos importantes, na medida
em que a economia brasileira costuma reagir bem à retomadas do crescimento na
economia mundial. Ademais, a desvalorização cambial ocorrida em 2013 (de quase
13%), melhorou a posição relativa da indústria de manufaturados, que vinha
sofrendo com a sobrevalorização cambial, que, dentre outras razões, tem
implicados em grandes déficits na balança comercial industrial.
A crise cambial atual eclodiu num período
ruim para a economia brasileira, do ponto de vista das transações com o
exterior. O saldo na balança comercial poderia ter sido negativo no ano passado
se o Brasil não tivesse contabilizado a exportação das 7 plataformas e
navio-plataformas de exploração de petróleo e gás para empresas sediadas no
exterior. Nas transações correntes do balanço de pagamentos o Brasil
fechou 2013 com déficit de US$ 81,3 bilhões, 3,66% do PIB. Além do déficit em
serviços não parar de crescer desde 2008, o déficit comercial na área de
produtos industriais, alcançou US$ 105 bilhões no ano passado, o mais elevado
da história.
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