segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Crise cambial na Argentina: algumas observações



        
                  *José Álvaro de Lima Cardoso (economista e técnico do Dieese)                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      
        Há algum tempo os mercados financeiros latino americanos vêm sendo sacudidos por turbulências cambiais. Na Argentina, no final de janeiro a desvalorização do peso foi drástica, com queda da cotação da moeda em 11% em um só dia, a maior desvalorização ocorrida nos últimos 12 anos no país. Em dois dias a cotação oficial do dólar saltou de 6,8 pesos para 8 pesos. O governo vinha, nos dois anos anteriores, endurecendo no controle do câmbio. Em outubro de 2011 definiu que quem quisesse adquirir dólares na Argentina teria de pedir autorização à Administração Federal de Ingressos Públicos (Afip), e comprovar que tinha pesos suficientes para realizar a troca. Limitando ainda mais as operações de câmbio, em 2012 o governo definiu que só podia comprar dólares quem viajasse ao exterior. Posteriormente, apertou ainda mais com a proibição de uso dos cartões de débito argentinos exterior e taxando em 35% as operações com cartão de crédito no exterior.
        Para enfrentar as turbulências, no dia 24 de janeiro o governo argentino liberalizou algumas das mencionadas medidas de controle de câmbio, que havia tomado nos últimos dois anos para controlar a fuga de dólares. As medidas de janeiro procuram aliviar um pouco as mencionadas restrições adotadas nos últimos anos. O governo liberou a compra de dólares por argentinos pelo câmbio oficial, que havia sido proibida em julho de 2012 e reduziu o imposto incidente nas compras com cartão de crédito no exterior, que passou de 35% para 20%.
     A crise cambial na Argentina impacta as relações comerciais com os vizinhos, sobretudo com o Brasil, pela magnitude do comércio entre os dois países. Com a desvalorização de janeiro, tem-se uma série de impactos sobre a economia argentina, a começar pelo risco de elevação da inflação, que já é um grave problema no país vizinho. Ademais, a desvalorização, de imediato torna a produção local mais competitiva internacionalmente, em função da redução dos preços em dólar. Por outro lado as importações ficam imediatamente mais caras, o que pode causar uma substituição de importados por produtos argentinos. O que é complicado para o Brasil, que exporta grande quantidade de produtos industriais para a Argentina.
     Apesar da Argentina, neste momento, estar no olho do furacão, nos últimos meses a pressão cambial ocorreu em vários países da América Latina. No ano passado o real se desvalorizou 12,96%. No Chile, o peso desvalorizou 8,97%; na Colômbia, 8,63% e no Peru o sol caiu 9,21%. Em parte, o problema está relacionado à queda do preço das commodities, que ocorre com os metais e com os produtos agrícolas, e que afeta o subcontinente como um todo. A crise é continuidade do estouro financeiro de 2007/2008 e o centro da turbulência é a expectativa de alta dos juros nos EUA. Com a expectativa desta alta, os capitais especulativos que haviam se alojado nos países emergentes para especular com as taxas de juros e a cotação das moedas, retornam para os papeis do Tesouro estadunidense. Nos últimos anos, com a rentabilidade negativa nos produtos de renda fixa dos EUA, os capitais acorreram em massa nos mercados de países emergentes e passaram também a investir no mercado de commodities. Com a possibilidade de maior rentabilidade no mercado financeiro dos EUA, esta tendência mudou. 
     Nesta altura dos acontecimentos não se pode prever exatamente os efeitos da crise sobre o Brasil. É possível que grandes empresas, que vinham se financiando com crédito internacional, tenham problemas, em decorrência da elevação súbita da dívida. Mas a retomada do crescimento na economia dos EUA, e a ainda discreta recuperação de algumas economia da Europa, são aspectos importantes, na medida em que a economia brasileira costuma reagir bem à retomadas do crescimento na economia mundial. Ademais, a desvalorização cambial ocorrida em 2013 (de quase 13%), melhorou a posição relativa da indústria de manufaturados, que vinha sofrendo com a sobrevalorização cambial, que, dentre outras razões, tem implicados em grandes déficits na balança comercial industrial.
     A crise cambial atual eclodiu num período ruim para a economia brasileira, do ponto de vista das transações com o exterior. O saldo na balança comercial poderia ter sido negativo no ano passado se o Brasil não tivesse contabilizado a exportação das 7 plataformas e navio-plataformas de exploração de petróleo e gás para empresas sediadas no exterior. Nas transações correntes do balanço de pagamentos o Brasil fechou 2013 com déficit de US$ 81,3 bilhões, 3,66% do PIB. Além do déficit em serviços não parar de crescer desde 2008, o déficit comercial na área de produtos industriais, alcançou US$ 105 bilhões no ano passado, o mais elevado da história.                                                                                                               

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