Nas 36 horas que antecederam o início da votação do impeachment, a
Câmara dos Deputados pareceu mudar e um alinhamento com a luta de
trabalhadores de todo o País começou a acontecer. O ufanismo que cantava
vitória antecipada subiu no telhado. A crista da mídia que já dava como
favas contadas a deposição da presidente Dilma Rousseff e de todo o
arco de forças que a sustenta baixou.
A luta está aberta, mas as expectativas estão sensivelmente mais
equilibradas, com chances concretas retomadas pelo governo de vencer o
golpe contra o mandato presidencial obtido nas urnas, em eleições
democráticas e legítimas.
Inspirados e liderados pelo PDT, que escreveu mais uma brilhante página de sua história ao tomar posição unânime pela defesa da legalidade do mandato de Dilma, deputados de todos os partidos passaram a se dar conta do irreversível retrocesso social escondido na defesa do impeachment. Ou nem tanto escondido.
Inspirados e liderados pelo PDT, que escreveu mais uma brilhante página de sua história ao tomar posição unânime pela defesa da legalidade do mandato de Dilma, deputados de todos os partidos passaram a se dar conta do irreversível retrocesso social escondido na defesa do impeachment. Ou nem tanto escondido.
Neste sábado 16, reportagem da Folha mostra os planos do eixo
Fiesp-CNI-CNA-UDR para a economia e a sociedade. Começa pelo
baixo pagamento de impostos pelo grande capital e os grandes
devedores. Avança ao mesmo tempo sobre a malha da Previdência Social,
rasgando direitos adquiridos a duras penas, ao longo de décadas, pelos
trabalhadores. Queima-se, então, a CLT, carbonizada na garantia de que o
negociado, em quaisquer condições, especialmente as mais difíceis para
os empregados, prevaleça sobre a legislação. Um golpe na carta maior dos
direitos
trabalhistas.
Foi ficando cada vez mais clara, nos últimos dias, a discrepância
entre os rascunhos de programa de governo apresentado ora por Temer ora
por seus porta-vozes em relação aos anseios tanto de trabalhadores
quanto de empresários realmente interessados em alavancar a economia.
Nada é mais diferente das propostas do Compromisso pelo Desenvolvimento –
o foro pensado no Dieese que se concretizou na forma de propostas
concretas elaboradas pelo movimento sindical e representantes patronais –
do que a tal Ponte para o Futuro.
Enquanto o Compromisso frisa a importância de relançar a economia
pela execução de políticas de emprego e produção, aquela Ponte alarga
ainda mais o caminho de privilégios ao capital e à especulação.
Esse conteúdo embutido no impeachment começou a ser percebido
pelos deputados federais entre patos plagiados e a formação da frente de
atraso, à sombra sinistra de Temer, com DNA de extrema direita, haja
vista a liderança exercida, ali, por Jair Bolsonaro, Ronaldo Caiado et
caterva.
Na frente econômica, o mentor José Serra e o serviçal Paulo Skaf se encarregam da formulação e divulgação do plano antinacional.
Pelo impeachment, para citar um exemplo crucial, a política de
recuperação da Petrobras seria urgentemente trocada pela entrega pura e
simples do pré-sal ao grupo das cinco irmãs do petróleo global e, logo a
privatização, a venda de toda a estatal da qual o Brasil sempre se
orgulhou, estaria sendo consumada.
No campo político, uma prova das más intenções no futuro exercício
do poder foi divulgada pela jornalista Dora Kramer, do Estadão, que se
referiu ao estabelecimento do Estado de Defesa como um dos primeiros
atos do projetado governo Temer. Um instrumento à mão para tirar o povo
da rua, com direito a lançar a Força Nacional contra manifestações e
atos legítimos de qualquer democracia de qualquer lugar do mundo. A
ordem de baixar a repressão sobre o povo faz parte sim do arsenal de
maldades dos que espreitam, a favor do impeachment, a decisão da Câmara.
O que os deputados em número suficiente para barrar o impeachment
passaram a perceber, segundo prognósticos, o povo já sabia. Com todos os
avanços sociais conquistados nos últimos 20 anos, a partir da
estabilização da moeda e durante o formidável governo do presidente
Lula, a população não aceita quieta e calada um golpe dessas proporções.
A propósito, o clima de transe patriótico repentino da classe
média dos dias de manifestações em São Paulo simplesmente evaporou nas
vésperas do início da votação.
Por mais que a recessão, o desemprego e a carestia estejam
castigando duramente a todos, voltou a prevalecer a compreensão de que a
alternativa, disfarçada na tal Ponte para o Futuro, é infinitamente
pior ao que temos hoje. Economistas como Serra, Ilan Goldfajn
(economista-chefe do Itaú, cotadíssimo para assumir o Ministério da
Fazenda se Temer subir a rampa) e Murilo Portugal (tucano de quatro
costados transformado em presidente da Federação Brasileira dos Bancos e
pule de dez para chefiar o Banco Central) planejam fazer do Brasil uma
economia bem menor do que atual, mas totalmente afeita aos apetites da
tigrada financeira. Operam para o País voltar 30 anos no tempo, excluir
os pobres do jogo, massacrar a organização sindical e perenizar regras
que solapam qualquer chance de economia autônoma frente aos países ricos
como os EUA.
Politicamente, uma perseguição dura e crua ainda faz parte dos
planos não confessos dessa articulação ultraconservadora à volta de
Temer, na qual o juiz Sérgio Moro e os procuradores seletivos da
República de Curitiba se encarregariam de capturar a maior liderança
popular do Brasil, Lula, e destroçar seu partido, o PT.
A esses fatores se somou, a partir da sexta-feira, a vergonha de
ter de se reconhecer, lá na hora do voto aberto, que se estava votando,
ao chancelar o impeachment, a favor de Eduardo Cunha. Se há alguém, por
todas as provas apresentadas, que a opinião pública pode chamar sem medo
de estar sendo injusta de corrupto, este é Eduardo Cunha.
E ele seria, simplesmente, o maior beneficiário do impeachment. O novo vice-presidente da República de fato.
Na lama, ou fora do baralho, uma presidenta que todos, inclusive a
pior laia dos oposicionistas, reconhecem ser honesta seria sacrificada.
É correto isso, em nome do combate à corrupção?
A Câmara Federal, ao menos uma parte dela com votos suficientes
para barrar esse pesadelo, despertou – o impeachment não passará.
João Carlos Gonçalves, o Juruna, é metalúrgico, secretário-geral da
central Força Sindical e vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos
de São Paulo
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