sexta-feira, 29 de abril de 2016

O lucro dos rentistas está escrito nas estrelas?




                                                                                            *José Álvaro de Lima Cardoso

       A luta dos trabalhadores pelos seus direitos não cessa nunca. Os avanços regulatórios nas leis do trabalho, obtidos sempre a duríssimas penas, quando nas crises cíclicas do capitalismo, ficam na berlinda. Sua revogação, ou enfraquecimento, surgem como “solução” para a crise. Estamos assistindo no Brasil neste momento, a propagação avassaladora desse tipo de discurso. Os programas sociais, da mesma forma, vêm sendo impiedosamente bombardeados, como sendo também responsáveis pelas mazelas, fiscais e outras.
        É o caso do Programa Bolsa Família que, apesar de utilizar meros 0,5% do PIB para retirar 55 milhões de brasileiros do flagelo da fome, é alvo permanente de pesadas críticas, inclusive dos mais pobres. Alguns analistas estão falando em focalizar o referido programa, limitando a 5% dos brasileiros mais pobres, o que representa algo em torno de 10 milhões de compatriotas que receberiam o benefício. Só que o programa atende atualmente 14 milhões de famílias, o que representa no mínimo 50 milhões de pessoas. O benefício concedido em média às famílias é de R$ 163,57, valor extremamente modesto, mas que reconhecidamente ajudou, juntamente contra outras iniciativas, a retirar o Brasil do Mapa da Fome da ONU, em 2014 (a melhor notícia em muitas décadas).
        Há mais de 20 anos que o Brasil destina aos rentistas cerca de 6% do PIB, em função do país praticar as mais altas taxas de juros do planeta (cerca de 4% em termos reais atualmente), enquanto nos países ricos essa taxa é negativa, e nos países em desenvolvimento, está em torno de 2% reais. Não há nenhuma explicação de ordem técnica que justifique taxas de juros reais nesses patamares. A dívida pública federal consome R$ 500 bilhões (ou mais) por ano, mais de 8% do PIB e o país não discute o assunto. A dívida pública brasileira é como se fosse obra e graça do Espírito Santo. Não se discute a sua formação e a sua gênese.
       O gasto com a dívida em 12 meses é quase 18 vezes os investimentos com o Bolsa Família, programa que está sendo apontado por alguns, neste momento, como um dos causadores do desajuste fiscal. Nos últimos 15 anos, R$ 221,7 bilhões foram destinados para transferência de renda às famílias mais carentes do país, através do Bolsa Família. Esse valor equivale a 5 meses de pagamento dos serviços da dívida pública. Qual é a lógica, a racionalidade disso? É a lógica da rendição ao rentismo. Se mexe em tudo, inclusive em programas baratos e de extrema eficiência no combate à pobreza. Mas não se mexe no lucro dos rentistas, pois é como se o pagamento da dívida pública, em valores exorbitantes, estivesse “escrito nas estrelas”. Não há justificativa técnica para esse tipo de opção, que é exclusivamente política.

                                        *Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina. 

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