sábado, 16 de abril de 2016

Anunciando o pior para que nunca aconteça


por J. Carlos de Assis, no GGN

Costumo dizer que economistas de credibilidade, quando predizem males econômicos do futuro, estão anunciando o que não deve acontecer. O mesmo se aplica a cientistas políticos: se acontecerem as desgraças que previram é que não foram levados a sério pelos que tinham poderes para evitar o pior. É nesse espírito que, na qualidade de economista político e também como cientista político, verifico a alta probabilidade de uma guerra civil no Brasil no rastro de convulsões sociais em protesto contra o eventual impeachment de Dilma.
Não é para acontecer. Mas todos nós, situação e oposição, devemos encarar as consequências das decisões a serem tomadas a partir de domingo no Congresso Nacional. Peço que todas as pessoas que tem responsabilidade política e social observem o quadro adiante. Na hipótese de não ocorrer o impeachment, o pior que poderia acontecer é a continuidade de um governo medíocre que foi incapaz de tirar o Brasil do caminho da depressão. Isso é ruim, mas é politicamente tolerável numa democracia.
Mas há, ainda na hipótese de que seja evitado o impeachment, a possibilidade de uma considerável melhora do governo Dilma depois do tremendo susto de perder o mandato por que a Presidenta terá passado. Ela será mais humilde, menos arrogante, mais temperada e capaz de ouvir conselhos relevantes, notadamente do ex-presidente Lula. O mais provável é que a realidade dessa que seria uma nova fase do governo Dilma se revele em algum ponto intermediário entre essas duas hipóteses, em todos os casos sem nenhum risco institucional.
Vejamos agora a hipótese do impeachment. Nas classes médias é provável que nada ocorra exceto uma explosão inicial de alegria do mesmo tipo que costuma ser manifestado pelos torcedores do Fla x Flu com o resultado do jogo. Os jornalões e a tevê estimularão as comemorações tentando massificar argumentos com as razões presumidas do afastamento de uma presidenta legitimamente eleita. Por alguns dias, todo o ressentimento contra o governo afastado servirá de compensação psicológica pelos males presentes, quaisquer que sejam, sem outras consequências.
E as reações nas classes baixas e na parte das classes médias solidárias com elas? Consideremos, inicialmente, que a eventual oposição a certas medidas de Dilma desapareceram como passe de mágica no momento em que ela foi ameaçada pelo impeachment. Raras vezes se viu uma mobilização por parte dos movimentos sociais tão grande como ocorreu nas últimas semanas. Essas pessoas viram seu projeto representado pela Presidenta e o impeachment como ameaça a ele.
Contudo, o conflito em torno do impeachment despertou a luta de classes no Brasil na medida em que o grande conciliador pela esquerda, o ex-presidente Lula, foi atacado de forma covarde pela Justiça e pela política, enquanto a direita escalou na voracidade para eliminar ou descaracterizar direitos sociais. É evidente que a usurpação do poder pela classe dominante e pela espúria elite dirigente não será aceita sem resistência pelas classes baixas. Elas são classes baixas, mas não são classes dominadas. Elas podem reagir, inicialmente na democracia, e posteriormente, dependendo de seu grau de frustração, sem ela.
Insista-se que os trabalhadores e as classes despossuídas brasileiras veem no governo Dilma o seu governo. Diante do golpe lutarão por recuperá-lo. Essas massas aprenderam a ser bem comportadas durante décadas porque lhes prometeram que, numa democracia, teriam chances de chegar ao poder se se comportassem dentro das instituições. É claro que, na hipótese do impeachment, esse pacto terá sido rompido. Não adianta que camuflem o golpe numa roupagem institucional. Todos aprenderam nos últimos dias, graças à internet, que impeachment sem crime de responsabilidade, o que é o caso, é golpe.
Na hipótese do impeachment, o que farão os movimentos dos sem terra, os movimentos dos sem teto, os movimentos das favelas, os movimentos de índios e quilombolas, os movimentos sindicais, e todos os inconformados com injustiças do lado das classes médias não manipuladas pela mídia? É uma ilusão achar que ficarão quietas. Teremos um gradiente de convulsões sociais, ataques a propriedades e a pessoas, que, na pior das hipóteses, nos levará a uma guerra civil; e, na melhor delas, a uma fragmentação do Brasil a exemplo do que aconteceu na Líbia sob inspiração do mesmo monstro que está por trás de nossa crise, os EUA dos tucanos.

*Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 20 livros sobre economia política brasileira.

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