Flávio Aguiar na Carta Maior
A escória comandada por Cunha arrastou o Brasil à vergonha universal. Não tenhamos ilusões: somos motivos de chacota pelo mundo inteiro.
Ontem, atravessando a madruga
em Berlim, devido ao fuso horário, assistindo ao deprimente espetáculo
que a Câmara de Deputados proporcionou - não a mim - ao mundo inteiro,
me assomou a lembrança de Castro Alves, no “Navio Negreiro - Tragédia no
Mar”:
Existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!…
Meu Deus! Meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
…
Auri-verde pendão da minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as divinas promessas da esperança…
Tu, que da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis à lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!
Não
sei o que aquela escória comandada por Cunha está pensando. Em termos
éticos, não importa. Eles arrastaram o Brasil à vergonha universal. Não
tenhamos ilusões: somos motivos de chacota pelo mundo inteiro, inclusive
nas imagens das vivandeiras de ocasião lavando lágrimas de crocodilo na
nossa bandeira, que percorrem as primeiras páginas dr todo o mundo.
O
que importa é pensar no que está por trás disto. Não me refiro à mídia
golpista. Ora, ora, ela cospe todo o santo dia na bandeira brasileira.
Não me refiro à coleção de gângsters que invocava o nome de filhos,
mamães, papais, médicos, para cometer o ato assassino de condenar uma
presidenta honesta. Eles cospem na própria memória todo o santo dia.
Também não me refiro aos capitalistas malignos (porque, apesar de tudo,
há os que não são), que esfregam as mãos pensando no quanto mais vão
arrancar do nosso povo - classe média iludida aí dentro.
O
que me vem à mente é a corriola de idiotas que a face empresta pra
cobrir aquela infâmia que ontem ocorreu, sob as mais variadas máscaras.
As máscaras corporativas, as máscaras supostamente éticas que, em nome
de arrepiar a corrupção, convivem com os Al Capones do Congresso como se
isto fosse o normal da vida, em nome de apresentarem uma fachada de
probidade, admitem chafurdar no pântano das falsidades. Preferem isto a
botar em risco os seus privilégios, que pensam ser direitos in natura,
como se direitos não fossem universais, mas atestados de nascença
reservados em cartório.
Fico
pensando onde esta gente estará. Pode ser no círculo infernal de Dante
destinado aos hipócritas. Vestem roupas de cores brilhantes e bonitas,
mas que pesam como chumbo, e que os impedem de se movimentar. Ou quem
sabe estarão no círculo onde os condenados têm a cabeça voltada para
trás, não conseguindo nunca olhar para frente, o que os faz contundir-se
constantemente. Ou ainda podem estar no círculo dos corruptos,
mergulhados no pixe fervente, ou na própria merda: se levantam a cabeça,
são impiedosamente espancados pelos demônios, para que mergulhem de
novo no poço ignominioso de sua submissão. Ou então, e muitos estarão
neste plano, ficam detidos no portal do Inferno, perseguidos por mutucas
e vespas implacáveis. São os que não pecaram por serem tão covardes que
nem a isto tiveram coragem de chegar: são os omissos, os “deixa pra
lá”, os “isto não é comigo”, que tanta alegria fizeram aos Hitlers,
Stalins, McCarthys e - por que não dizer - aos pequenos Cunhas da vida.
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