*José Álvaro de Lima Cardoso
No dia
20 de abril tive o privilégio de participar, na condição de palestrante, do 1º
Encontro Nacional Sobre a Cultura da Maçã, realizado dentro da programação da XX Festa
Nacional da Maçã, entre 20 e 24 de abril, no município catarinense de São
Joaquim. A Festa é realizada há mais de 60 anos em São Joaquim, maior produtor
da fruta do país, responsável por 30% da produção total brasileira. Foi
bastante incomum, é verdade, um profissional de Economia do Trabalho discorrer sobre
Maçã para uma plateia de exímios especialistas no assunto, formada de pequenos
produtores e técnicos das empresas estatais de pesquisa agrícola. Aprendi,
claro, muito mais do que aportei ao evento, e pude usufruir das conhecidas
hospitalidade e simpatia serranas, marca indelével do povo de toda aquela Região.
A cadeia produtiva da maçã é fundamental.
Com produção mundial de cerca de 80 milhões de toneladas anuais, o fruto é
essencial para a segurança alimentar de muitos países. É importante também para
a diversidade nutricional e a saúde de muitos povos, em todos os continentes.
Como ocorre com outros produtos agrícolas, há grande concentração da produção,
em cerca de 20 países, que respondem por 85% da produção mundial. Os principais
exportadores são: China, Itália, França, Estados Unidos e Chile.
A China é o principal produtor e
consumidor mundial de maçã, responsável por cerca de 38 milhões de toneladas,
metade da produção mundial atual. Estes números, por si só, tornam a China uma
referência central de todos os países do mundo, na produção e no consumo de maçã.
O sucesso da China no setor não caiu do céu. Decorre de forte ação estatal nas
políticas voltadas para o setor, com a mobilização de todos os atores
envolvidos na cadeia produtiva e realização de políticas de incentivos. Além
disso, a China mantém sempre políticas gerais adequadas aos seus interesses,
nas áreas do câmbio, crédito e preços. Nos últimos anos este país avançou em
produção, área plantada e expandiu exportações da maçã, fazendo
simultaneamente, um esforço pesado e permanente de agregação de valor ao processo.
A combinação de alguns fatores elevou o
Brasil, nas últimas três décadas, à condição de importante produtor mundial,
figurando entre os 10 maiores. O país, além de ter disponibilidade de terras
(como nenhum outro grande produtor de maçãs), investiu em pesquisas, disponibilizando
novas variedades da fruta, adequadas às nossas condições climáticas e culturais.
Além disso o Brasil dispõe de regiões com condições climáticas bastante
favoráveis à produção de maçã (fundamentalmente na Região Sul), como terras de altitude,
frio, variação de temperatura entre o dia e a noite, etc. Os investimentos em
pesquisas possibilitaram também a elevação da densidade de plantio, com maior
número de plantas por unidade de área. Hoje
é possível colher muito mais toneladas por hectare, do que há alguns anos.
Durante muito tempo o consumo de
maçã no Brasil foi sustentado pelas importações (geralmente da Argentina). Segundo
a Organização da ONU para Alimentação e Agricultura (FAO), em 1975 o Brasil
absorveu 7% de toda a maçã importada no mundo, com um custo de mais de U$ 81
milhões. A fruta chegou a ser o oitavo produto mais representativo nas
importações do país. Hoje o Brasil está entre os 10 maiores produtores, porém
só responde por 1,8% da produção mundial, o que revela o enorme potencial de
crescimento. Em 2015, o setor faturou R$ 2,1 bilhões com a comercialização da
fruta in natura no mercado interno e, ademais faturou com exportações de frutas
frescas, US$ 32 milhões e US$ 22 milhões em exportações de suco concentrado. O
consumo no Brasil (6,6kh/hab./ano), que cresceu nos últimos em decorrência da
melhoria da renda, é o mais baixo entre os produtores (na Áustria, por exemplo,
é de 32,8 kg/hab./ano). Isso mostra o enorme
potencial de expansão do consumo no país.
No Brasil a produção de maçãs é
praticamente toda concentrada na Região Sul, que responde por 99% da produção
nacional. O Sul tem todos os requisitos da natureza para liderar a produção no Brasil,
mencionados acima. O volume produzido nos municípios polo do
Sul garante o abastecimento do mercado interno a ainda possibilita a exportação
de uma parte do produto. Envolve cerca de 3.500 produtores e gera na cadeia
produtiva, estimativamente, pelo menos 150 mil empregos diretos e indiretos.
Não só na produção da maçã propriamente dita, mas também nas atividades
relacionadas com o turismo de observação da florada e da colheita da
maçã. Segundo técnicos da Empresa de Pesquisa Agropecuária e
Extensão Rural de Santa Catarina, Epagri, em função da alta tecnologia, a
produtividade dos pomares da Região Sul se encontra em patamares semelhante aos
da Europa.
Quem se debruça sobre o assunto, mesmo que minimamente, rapidamente entende
as razões pelas quais o Brasil tem que ter políticas para preservar e ampliar a
cadeia da produção da maçã. A atividade gera emprego e renda em toda a cadeia,
produz saldos na balança comercial, melhora a segurança alimentar e a saúde dos
brasileiros (combatendo a obesidade e uma série de outras doenças), gera
tecnologia e estimula outros segmentos econômicos ligados ao setor terciário.
Mas o setor enfrenta desafios não triviais.
A começar pela ausência de um projeto nacional de desenvolvimento, e de políticas
bem definidas de preservação das cadeias produtivas nacionais. Nos últimos
anos, intensificaram-se os fenômenos meteorológicos adversos (granizo, geada em
excesso, etc.). Além disso, há grande informalidade no trabalho, as médias
salariais são baixas, e a rotatividade é bastante alta. Tudo isso, neste
momento se torna ainda mais grave, em decorrência de virmos enfrentando uma das
piores recessões da história.
No campo dos desafios da cadeia
produtiva, um dos maiores é a possibilidade de o Brasil fechar acordo
fitossanitário com a China, o que possibilitaria a importação de maçãs daquele
país. Ocorre que somente a exportação chinesa para o mundo já é superior a toda
a produção de maçãs do Brasil. Com uma produção muitas vezes superior à do
Brasil, é possível que, com a liberação da importação, a maçã chinesa chegue às
gôndolas dos supermercados do país com um preço inferior ao custo de produção. Qual
é o sentido de arriscar esmagar uma cadeia produtiva que, em algumas cidades de
Santa Catarina, representa mais de 70% da movimentação econômica, exatamente em
meio a uma das piores recessões da história do país? Nesse tipo de negociação
comercial de alto nível é fundamental negociar com respeito aos interlocutores,
mas sem perder o norte da negociação, que deve ser primordialmente os
interesses do Brasil e seu povo.
*Economista e supervisor
técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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