quinta-feira, 28 de abril de 2016

Estelionato político

Arnaldo César, no blog do Auler

Dois dos mais aguerridos veículos empenhados na campanha pelo impeachment (Veja e Folha de S.Paulo) já destacaram em seus editoriais que o processo de destituição da presidente Dilma é fruto de um ato de vingança. Furioso com o fato do PT na ter votado com ele na Conselho de Ética da Câmara Federal, presidente da Casa, Eduardo Cunha, resolveu detonar o governo.
No esforço para salvar sua pele a qualquer custo, o ardiloso Cunha convocou o seu exército de 250 pigmeus (composto por parlamentares evangélicos, ruralistas, oposicionistas espertalhões e toda a sorte de proxenetas da coisa pública) e foi para a guerra.
Antes, porém, se encarregou de convencer o seu subordinado Michel Temer a assumir a cadeira, na hipótese, de Dilma ser catapultada. Também se encarregou de unir forças com todas as demais agremiações que fazem oposição ao governo, em especial, o PSDB e o DEM.
Dai a galvanizar o ódio das classes mais endinheiradas de todos os quadrantes do País foi um pulo. Afinal, a “República de Curitiba” com a sua “Operação Lava Jato” já havia, há dois anos,  instaurado um clima de desconfiança contra o governo e o seu partido, o PT.
Cunha não teve ainda maiores dificuldades em cativar a simpatia daqueles que ocupam cadeiras estratégicas na mais alta corte da Justiça. Não se esquecendo, neste caso, da trinca de ases formada pelo “jagunço” Gilmar Mendes, o “menino” Toffoli e o decano Celso Mello. Os três fizeram questão inclusive de vir a público para dizer que “o golpe não era golpe”.
Canoa furada – Eduardo Cunha, a figura acusada, em seis processos, pela Procuradoria Geral da República (PGR) de corrupção, recebimento de propina, traficância de influência, desvio de dinheiro público, remessas ilegais de divisa e sonegação de impostos para se proteger de tantas acusações passou a cometer o mais devastador estelionato político da história desta República.
O dantesco e vergonhoso espetáculo do domingo dia 17/04 nem bem havia acabado e o deputado Paulinho da Força (SD/SP) já corria atrás de jornalistas no Congresso para defender a tese de que “Cunha pelo enorme serviço que acabara de prestar à Nação merecia ser anistiado das denúncias da qual era vítima”.
Algo mais claro, impossível. Tanto que cabeças coroadas dentro do PSDB já perceberam a trama. Recusavam indicar nomes para ministros num eventual governo Cunha/Temer. Alegavam que, se mergulhassem nessa aventura, não teriam nenhuma chance na próxima eleição de 2018. Pressionados, acabaram cedendo e deverão ter em José Serra seu representante no ministério.
Motivo inócuo – Enquanto a encrenca ganha desdobramento no Senado Federal, Cunha não abandonou o posto de “marechal de campo”. Dentro do seu território providenciou, a custa de muitas intimidações e ameaças, para que seu processo não tenha curso no Conselho de Ética. Articulações também estão sendo feitas nos bastidores do STF para que o dito sobre os seis processos fique pelo não dito.
Há seis meses desde que esse jogo de ameaças, chantagens e golpes baixos teve início o País vive em estado de agonia. Dividido ideologicamente, seus cidadãos minimamente politizados passaram a se agredir com cusparada na cara, chutes, tapas e até pauladas. Por sorte, ainda não se tem registro em que as diferenças política foram resolvidas a bala. Mesmo leves, essas agressões evidenciam que estamos no limiar de uma perigosíssima convulsão social.
Com apenas 30 anos de existência a democracia brasileira é uma criança. Talvez, estejamos experimentando aqueles momentos de privação da razão, típico do jovens. Vá lá que seja isso. Mas como explicar aos 8 milhões de pessoas – sejam elas mortadelas ou coxinhas – que foram à rua protestar contra ou a favor do atual governo que toda a mobilização deles só serviu para uma coisa: livrar a cara do Cunha de ser condenado como corrupto?
“Privação da razão”, talvez, explique a barafunda em que nos empurraram. Mas, não nos livrará do caos. A sorte é que ainda há tempo para que a inteligência volte a prevalecer.

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