Da Folha de S. Paulo
Por Janio de Freitas
Mesmo que não console, deve reconfortar
os vencidos que os criticados pelo "espetáculo vergonhoso e deprimente"
do seu cretinismo, na votação do pré-impeachment, são os autores da
vitória dada ao empresariado, à imprensa e aos derrotados nas eleições.
Esses vencedores são muitos, porque beneficiários do resultado, mas o
arquiteto da vitória, que fez a luta direta contra o governo, com atos e
não palavras, foi um só: Eduardo Cunha, chefe de fato e de direito de
todos os vencedores dentro e fora do Congresso. Quem perdeu pode ter o
orgulho, também, de não integrar tal milícia.
Clara nos números do placar, a vitória
nem por isso se assenta neles. Outros números precederam aqueles, no
dizer menos ou mais discreto de muitos. São os dados como artífices de
viradas traidoras do contra para o pró-impeachment, de pessoas e de
partidos. O governismo operava no balcão de cargos e liberações de
verbas orçamentárias. O balcão de seus adversários não operava menos,
embora, à falta de cargos, por outros meios. E também em outras horas:
reuniões, de preferência, nas madrugadas em casas de parlamentares e
lobistas, inclusive a residência oficial da presidência da Câmara.
No dia seguinte à votação, o jornalista
José Casado ("O Globo") escrevia: "Deputados comentavam as 'cotações' do
relativismo ético: R$ 1 milhão por ausência, R$ 2 milhões pelo voto no
plenário". De cotações nada ouvi, como não ouvi resposta para a questão
de maior importância: quem forneceu o dinheiro? O pato do Paulo Skaf há
de saber, mas é parte interessada, muito. E, conquanto se trate de um
dos mais graves tipos de corrupção –corrupção do Congresso– já se viu
que não sensibiliza a Polícia Federal, desinteressada até quando houve
confissão de corrompido para aprovar a reeleição de Fernando Henrique.
É Michel Temer quem agora opera o balcão
de cargos. É a sua especialidade. Não só a comprovou no governo Dilma,
como detém uma marca pessoal expressiva: o PMDB nunca foi tão
fisiológico, chegando mesmo a chantagens explícitas antes de votações,
quanto nos últimos cinco para seis anos sob a presidência de Michel
Temer.
Nesse negócio de cargos, aliás, Temer
tornou-se o primeiro responsável pela eleição de Eduardo Cunha para a
presidência da Câmara. Como presidente do partido, tinha plenas
condições de mover os comandos e demover a candidatura, sabendo de quem
se tratava, inclusive pelo noticiário policial. Considerou mais
conveniente a conquista do cargo por quem parecia favorito, assim
aumentando a força para obtenção de outros cargos no governo e na
Câmara. A cobertura a Eduardo Cunha nunca esteve abalada.
O crescimento, entre os vencedores, das
opiniões pessimistas sobre Michel Temer e seu possível governo tem
velocidade surpreendente. Nisso evidencia que não é constatação feita em
24 ou 48 horas. Já existia, com muitas razões para existir. E apesar da
consciência de um agravamento perigoso da situação, a vontade de
regressão se sobrepôs à causa do país. O PSDB, com a imediata recusa a
se incorporar a um governo Temer, atesta sua convicção antecipada de
desastre.
É isso: o predomínio do desejo de
regressão. Tanto e tão amplo, que já trouxe de volta à imprensa o ponto
de exclamação em manchete, extinto há mais de meio século. Só que nem
houve "impeachment!". E se vier mesmo, o que dirá o título? O jornalismo
regressivo mostrará. Talvez a volta à manchete legada à história pela
"Gazeta" de São Paulo, há umas seis décadas: "Oba! Oba!"
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