sábado, 30 de abril de 2016

Adeus, Brasil cordial - José de Abreu

José de Abreu (ator)

A crise política que vivemos proporciona uma outra leitura sobre o nosso povo. De "homem cordial", o brasileiro passou a "homem troglodita". Sem escalas.
De que outra maneira explicar, por exemplo, a agressão ao ex-ministro da Fazenda Guido Mantega em um hospital, em fevereiro do ano passado? Não em um hospital qualquer, o que já seria intolerável, mas no Albert Einstein, instituição de referência no país.
Na ocasião, uma grita nacional deveria ter repreendido os que insultaram o ex-ministro em momento de extrema fragilidade, quando ele levava sua mulher, doente, para buscar atendimento.
Nada, contudo, aconteceu. Nada. Algumas notícias depois, o assunto morreu, mas o mau exemplo prosseguiu. Mantega foi hostilizado mais duas vezes, não em hospitais, mas em restaurantes.
Pouco depois, o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha foi insultado, também num restaurante. O mesmo ocorreu com o comediante Gregorio Duvivier. E também com Jaques Wagner, ministro-chefe do gabinete pessoal da presidente Dilma Rousseff. O álcool dá coragem.
O disparate chegou a tal ponto que até mesmo o velório de José Eduardo Dutra, ex-presidente nacional do PT, ficou tristemente marcado por ofensas. Panfletos com a inscrição "petista bom é petista morto" foram jogados no local onde o corpo era velado. Talvez em outro país tal ato fosse tratado como um escândalo nacional. Aqui, mais uma vez, nada aconteceu.
Insultaram ainda o ex-senador Eduardo Suplicy (acreditam nisso, o Suplicy?) na Livraria Cultura de São Paulo. E a livraria deixou. A Cultura.
No Rio, Chico Buarque, acompanhado de amigos (o escritor Eric Nepomuceno e os cineastas Cacá Diegues, Rui Solberg e Miguel Faria Jr.), foi hostilizado na saída de um restaurante por um grupo de jovens antipetistas. Um deles confessou depois ter ido perguntar ao pai quem era mesmo Chico Buarque. Aconteceu alguma coisa? Nada.
Poderia citar aqui muitos outros exemplos. Em todos eles, nada aconteceu aos agressores e preconceituosos. Nada.
Por ser um ator conhecido e eleitor do PT, sabia que era um alvo fácil e que minha vez não demoraria a chegar.
Até que chegou mesmo, em um restaurante (mais uma vez) de São Paulo. Reagi como deu, com um cuspe. Ser chamado de ladrão, ver sua mulher xingada de vagabunda e sua mãe de puta, isso não é muito legal. Usei a juridicamente chamada "retorsão imediata à injúria". O injuriante, que se dizia advogado, deve saber que vai ser processado civil e criminalmente e denunciado à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Os fascistas tentaram transformar os vândalos agressores em vítimas. Mas as "vítimas", caso inédito nos anais da criminalidade, fugiram. Nem eles acreditaram na mentira de seus defensores.
Todos esses casos já prefiguravam o golpe que estava por vir, escondido sob a aparente legalidade do processo de impeachment.
Eu sinto muito pelos menos favorecidos. Vão entregar o Brasil ao PMDB carioca. De Eduardo Cunha. Do secretário Pedro Paulo Carvalho Teixeira, que bateu na própria mulher. Do prefeito Eduardo Paes, que gastou quase R$ 45 milhões em uma ciclovia que desabou após três meses de uso. De Moreira Franco, talvez o pior governador que o Estado do Rio já teve em sua história.
E a outros políticos do mesmo calibre, de outros Estados, de outros partidos, mas muitos com a mesma marca: enroscados na Lava Jato.
E o que pesa contra Dilma? Pedaladas. As mesmas que muitos outros políticos também deram. E que, suspeita-se, Antonio Anastasia, agora relator do processo de impeachment de Dilma no Senado, também deu. É tanta hipocrisia, tanto desapego à democracia.

Adeus, Brasil cordial.

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