Luís Costa Pinto, no El País (trecho)
Não há chance de o Brasil de 2016 se
unir em torno de Michel Temer, o vice-presidente que deve assumir o
posto de presidente interino da República nas próximas três ou quatro
semanas. Ao contrário de Itamar, o paulista Temer é o centro de uma
vasta rede de raposas políticas que compartilham ambições semelhantes,
porém cada um deles guarda no bolso direito dos paletós bem cortados
fórmulas divergentes para o exercício do poder. Hábil operador político,
Michel Temer carpiu a armadilha que capturou a presidente no processo
de impeachment. Mas os 146 votos dados contra o impeachment (137 “não”, 7
abstenções e duas ausências) e uma incipiente adesão à tese de
antecipação das eleições presidenciais, mesmo entre integrantes do bloco
majoritário que aprovou a abertura do processo, são obstáculos sólidos à
construção tranquila e rápida de um eventual “Governo Temer”. A chave
para o sucesso de Temer certamente será a recusa em buscar a difícil
unanimidade em torno de si. Caso a busque, não a encontrará e ficará
tentando dialogar com quem lhe imporá monólogos.
A partir de hoje Michel Temer será
instado a dar opiniões e a esgrimir soluções para o país nos campos da
economia interna, das relações externas e da segurança pública, do
combate à corrupção e da saúde, por exemplo. Um eventual governo sob sua
liderança, contudo, só se iniciará depois que o Senado confirmar a
abertura do processo admitido na Câmara. Para isso terá de transpor duas
votações por maioria simples (em que vence quem tem 50% mais um dos
votos dos senadores presentes às sessões). Em 1992 o Senado admitiu o
processo e afastou Collor num prazo de 48 horas. Agora, serão
transcorridos cerca de 20 dias em que o país conviverá com uma
presidente virtualmente afastada, um presidente interino virtualmente
sagrado e um Senado povoado por biografias astutas e prontuários
experientes sedentos por impor seus ritmos e ritos à evolução do
calendário – ampliando ou reduzindo o prazo da posse de Temer. Divisões
de poder e o desencadeamento de novas e esperadas fases da Operação Lava
Jato, além da publicidade de novos e cada vez mais constrangedores
detalhes de delações premiadas, também turvarão a cena política das
próximas semanas e conferirão pitadas ainda mais dramáticas ao enredo
político do Brasil.
Frio, dono de um sorriso cínico e
“usufrutuário” de polpudas contas na Suíça, investigado como
beneficiário de empresas offshores no Panamá, o deputado Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), presidente da Câmara e elemento decisivo na escalada que pode
levar Temer à cadeira de Dilma no Palácio do Planalto, poderia ser o
herói destinado a ter sua saga narrada num obelisco improvável na Praça
dos Três Poderes. Não o será: em que pese o Brasil figurar como o único
país que ergueu um obelisco para celebrar uma derrota – o do Ibirapuera,
em São Paulo, construído para eternizar o levante constitucionalista de
1932 esmagado sem dó por Getúlio Vargas – obeliscos costumam ser
planejados para marcar triunfos gloriosos. Nem Cunha é herói, uma vez
que possui o DNA dos vilões e o olhar frio dos psicopatas, nem o triunfo
da oposição sobre um governo abúlico, no último domingo, foi um épico
glorioso. A Nação que assistiu serem dados 367 votos a favor da abertura
do processo de impeachment de uma presidente eleita com mais de 54
milhões de sufrágios há menos de 18 meses está dividida e sem
perspectiva de se unir. Está sem líderes no horizonte, sem projetos que
amalgamem a sociedade, carente de base onde assentar a pedra fundamental
de qualquer monumento. E construir futuros é um desafio monumental.
Temer tem contra si, agora, a marcha implacável do tempo para evitar que
a História, ao fim e ao cabo, termine escrita pelos vencidos na batalha
de 17 de abril. Afinal, a guerra não acabou ali.
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