quarta-feira, 27 de abril de 2016

O PLC 257 e a nação brasileira




                                                                                      *José Álvaro de Lima Cardoso.
         Tramita no Senado, em caráter de urgência, o Projeto de Lei Complementar 257/2016, que trata de um plano de enfrentamento do grave problema fiscal nos estados e Distrito Federal. O Dieese publicou há poucos dias uma excelente Nota Técnica sobre o assunto (nº 158: “O Projeto de Lei Complementar 257/2016 e os Trabalhadores no Serviço Público”).
        O Projeto é bastante polêmico pois propõe mudanças profundas na regulamentação da questão fiscal nos estados, que impactam significativamente salários e direitos dos servidores públicos.  Se está tentando mudar aspectos extremamente complexos da regulamentação fiscal dos estados, que afetam conquistas históricas obtidas à duras penas pelos trabalhadores. Tais propostas precisariam ser muito bem discutidas, por todos os segmentos envolvidos, e com muita calma. Tenta-se aprovar, quase sem discussão, um conjunto de leis que irão deixar, por exemplo, os servidores estaduais dos estados que assinarem o acordo de alongamento da dívida, dois anos sem aumento salarial, o que muito grave num contexto de inflação alta como o que estamos atravessando.
        É importante também entender o Projeto num contexto mais geral. O sistema capitalista atravessa uma das mais graves crises da história e, no mundo todo, se tenta transferir os principais ônus da crise para os trabalhadores. O projeto afeta as estruturas do Estado, com rigoroso ajuste fiscal que, se aprovado, irá impor sacrifícios à sociedade, especialmente no seu lado mais fraco, ou seja, os servidores públicos e a população mais pobre, que necessita mais dos serviços do Estado. Compõe ainda o projeto, privatizações, reforma da previdência dos estados e o congelamento de salários dos servidores.
     É importante lembrar que o projeto surge num contexto em que os ataques aos direitos ocorrem também em outras frentes, como no Congresso Nacional. O Diap (Departamento Intersindical de assessoria parlamentar) selecionou 55 ameaças a direitos dos trabalhadores, que estão com possibilidade iminente de retirada, flexibilização ou até mesmo sua eliminação. Se aprovados alguns destes pontos, irá ocorrer uma desorganização de todo o sistema de direitos do trabalho e sociais, fruto de décadas de luta. Mas o problema não está somente no parlamento ou no executivo. O documento intitulado 'UMA PONTE PARA O FUTURO' por exemplo, defende: a) acabar com as vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com Saúde e Educação. b) execução de uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por meio da transferência de ativos que se fizerem necessários. No referido documento há um trecho que diz que o Brasil gasta muito com políticas públicas, porém obtém com resultados piores do que a maioria dos países. Na prática, esse tipo de afirmação visa preparar os cidadãos para remédios amargos que vêm por aí. Estes programas, por mais que tentem, não conseguem disfarçar que o seu verdadeiro objetivo é retirar direitos dos trabalhadores, reduzindo assim o custo da força de trabalho.
        Um dos aspectos do Projeto de Lei 257/2016 é a possibilidade dos estados refinanciarem suas dívidas, resolvendo um problema imediato de fluxo de caixa.  Alongar a dívida, melhorando o fluxo de caixa que piorou muito em função da queda da arrecadação, em princípio seria uma boa ideia. Significaria gastar menos com o serviço da dívida. No ano passado o governo catarinense gastou com a folha de servidores ativos, inativos e pensionistas: R$ 13,47 bilhões. E com a o serviço da dívida pública gastou R$ 1,79 (13,3% da folha). O dinheiro da folha é muito bem empregado: representa o ganha pão de 146.000 servidores (são quase 600 mil catarinenses que se beneficiam desse recurso). Significa consumo de produtos básicos, movimenta a economia, gera empregos. Já os quase 2 bilhões para o pagamento dos serviços da dívida, é dinheiro sem efeito social, que, ao fim e ao cabo, será esterilizado na mão de rentistas.  Os estados no Brasil, não tem um problema de sustentabilidade da dívida e sim de fluxo de caixa. A dívida em Santa Catarina corresponde hoje a cerca de 80% da receita líquida real. Em 1999 essa relação era de 2,6%. Não há problema de insustentabilidade, e sim fluxo imediato, por causa da recessão. Alongar significaria sobrar mais dinheiro para investimentos, melhorias salariais, etc.
        O problema, no entanto, são as contrapartidas previstas no Projeto, que os estados terão que oferecer. Para acessar o chamado Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal as unidades federativas devem cumprir algumas exigências, tanto no curto quanto no longo prazos, que afetarão profundamente o serviço público e seus servidores diretamente. Estas contrapartidas passam por: a) não conceder reajustes aos servidores públicos, suspender admissão de pessoal, reduzir em 10% despesas com cargo de livre provimento, instituir sistema de previdência complementar, submeter-se a uma avaliação periódica de suas políticas públicas, elevar a alíquota previdenciária cobrada dos servidores, limitar o acréscimo da despesa orçamentária em 80% da receita, e assim por diante.
        O projeto tem que ser analisado com muita atenção. No caso de todos os estados firmarem aditivos renegociando a dívida, através do Plano de Auxílio aos Estados, o impacto financeiro projetado pelo governo federal, em termos de redução do valor do serviço da dívida entre 2016 e 2018, é de R$ 45,5 bilhões, se adotado ainda em julho deste ano. Se o governo reduzisse em 1 ponto percentual o nível da taxa Selic, certamente a economia do ente público como um todo já seria superior aos R$ 15 bilhões anuais aliviados das dívidas dos estados. Ou seja, se reduzisse a Selic o governo teria margem para “perdoar” uma parte da dívida dos estados, sem precisar submetê-los ao conjunto de sacrifícios previstos pelo Plano de Auxílio.
        Existe uma questão central nesse debate, que não quer calar. A dívida pública federal consome R$ 500 bilhões por ano, mais de 8% do PIB e o país não discute o assunto. Ao invés disso se faz um plano para enfrentar o grave problema da dívida dos estados, que, em troca de um alongamento da mesma, submete os entes federados a um conjunto enorme de sacrifícios. A dívida pública brasileira é como se fosse obra do espírito santo. Não se discute a sua formação e a sua gênese.
        A questão central é que o problema do déficit público é a dívida pública. O Brasil pratica as maiores taxas de juros do mundo e gastou R$ 500 bilhões com a dívida pública no ano passado (quase 18 vezes os investimentos com o Bolsa Família). Nos últimos 15 anos, R$ 221,7 bilhões foram destinados para transferência de renda às famílias mais carentes do país. Isso equivale a 5 meses de pagamento dos serviços da dívida pública. Qual é a lógica, a racionalidade disto? É a lógica da subserviência ao rentismo. Se mexe em tudo, inclusive em direitos históricos dos servidores, vindos com a Constituição de 1988, mas não se mexe no lucro dos rentistas. É como se o pagamento da dívida pública estivesse escrito nas estrelas.
        O Brasil deixa de arrecadar aos cofres da União, por ano, cerca de R$ 500 bilhões somente por conta da sonegação. Seria o momento no Brasil, também, de tornar a estrutura tributária mais justa, cobrando mais impostos de quem pode pagar mais, uma urgência no Brasil. O desemprego e a recessão, do ponto de vista econômico, são as verdadeiras causas da instabilidade social. Como vamos encaminhar medidas que desempregam, em meio a uma das piores recessões da história? O Brasil tem que fazer o contrário e colocar a geração de emprego e renda como o centro da política econômica. Não há como negar que o comportamento da sociedade brasileira em relação à dívida pública diz muito do que somos enquanto nação.
Economista e supervisor técnico do Dieese em Santa Catarina.

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