Os intelectuais do PT, os formuladores de
ideias dentro do nosso Partido - nesta época que se abrirá depois das
eleições - depois do “Fantástico” (em todos os aspectos) julgamento do
“mensalão”, quando se aprofunda a crise européia e os tucanos afiam suas
garras ajudados pela mídia complacente com os seus mensalões, - nossos
intelectuais e formuladores - deveriam ler e reler Carlos Nelson
Coutinho. Sua contribuição teórica é um bom antídoto contra o
pragmatismo e uma boa vacina contra a acomodação burocrática. Bravo
Carlos Nelson Coutinho. Vai fazer muita falta. O artigo é de Tarso
Genro.
Tarso Genro
Data: 22/09/2012
A morte de Carlos Nelson Coutinho abre um vazio
em toda uma geração. Autor de uma vasta bibliografia sobre o pensamento
socialista e a questão democrática -promotor no Brasil dos debates mais
fecundos sobre Gramsci, Rousseau e Lukács, ouso dizer, também o
pensador provavelmente mais credenciado sobre os vínculos do socialismo
com a democracia.
Analista herege de Marx e antiestalinista ferrenho, Carlos Nelson também foi um ser humano excepcional. Foi do velho “partidão” ao Psol, passando pelo PT, sem romper uma relação pessoal, sem desrespeitar um amigo ou qualquer pessoa que divergisse das suas posições e, mais do que isso, sem qualquer resquício de sectarismo ou pretensão de ser tornar paradigma. Tenho uma dívida pessoal com Carlos Nelson, por ter aprendido muito com ele, seja nas nossas conversas ou no intercâmbio de opiniões por escrito, seja pela leitura dos seus livros: um grande intelectual, sem afetação e sem medo de enfrentar os temas mais complexos da esquerda contemporânea.
Em março de 79, na antiga revista “Encontros com a Civilização Brasileira” (n..9) Carlos Nelson publica uma brilhante artigo, “A democracia como valor universal”, que começa assim: “A questão do vínculo entre socialismo e democracia marcou sempre, desde o início, o processo de formação do pensamento marxista; e, direta ou indiretamente, esteve na raiz das inúmeras controvérsias que assinalaram e assinalam a história da evolução desse pensamento.”
Era uma bomba. A luta armada derrotada no Brasil, a transição controlada pelos políticos centristas -acordados com os militares que viam o modelo econômico da ditadura ruir- Carlos Nelson parecia ajudar a transição promovida pelas elites, que apenas abririam um espaço mais generoso para o povo sete anos depois, com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte, aliás não originária. Mais adiante, seu artigo teve uma resposta respeitosa e de alto nível do meu irmão, já falecido, Adelmo Genro Filho, (n.17, da mesma revista).
Vale a pena transcrever o início do texto de Adelmo, que discuti com o próprio autor na época e o secundei com algumas opiniões: “Carlos Nelson Coutinho pensa grande.(...) Seu combate às tendências estruturalistas e neopositivistas que vicejam nas cátedras universitárias, tanto na Europa como no Brasil, em alguns momentos tornou-o quase um solitário. E o reconhecimento da persistência na solidão de teses justas é tributo mínimo que lhe devemos. Assim, é Carlos Nelson Coutinho, um pensador com “R” (de razão dialética) maiúsculo.”
O debate travado, naquela oportunidade, por Carlos Nelson e Adelmo, ainda mantém sua atualidade, mas, creio, não mais a partir da dúvida se a democracia -como forma de organização do Estado e de organização das liberdades públicas- tem ou não valor universal. A atualidade do debate está mais centrada na questão de “qual a democracia?”, capaz de expandir as liberdades públicas e organizar o Estado, de tal forma que dele derivem políticas que reduzam crescentemente as desigualdades sociais e as dominações de classe. Que uma ditadura não faz isso -qualquer ditadura- isso a crise dos modelos do Leste já demonstrou.
Quem “ganhou” o debate naquela época não importa, mas que a democracia -o oposto de qualquer ditadura- que garanta as liberdades públicas e as mesmas condições de concorrer para chegar o poder (o que ainda é muito relativo na atual democracia brasileira), tem um valor universal -como dizia Coutinho- parece não haver dúvida na ampla maioria da esquerda pensante. Em grande parte, devemos a integração deste pensamento antidogmático a Carlos Nélson Coutinho, sua persistência no debate, sua capacidade de inovar dentro do marxismo, sua postura permanentemente “revisionista” das ideias positivistas-naturalistas, que estiveram no cerne do marxismo-leninismo da Academia de Ciências da URSS.
No prefácio que Carlos Nelson fez do meu livro ”Utopia Possível” (Artes e Ofícios, 1994), no qual inclusive diverge de algumas abordagens críticas que faço, do marxismo “realmente existente”, ele diz com a sua sinceridade e clareza lapidar: “Tenho insistido na idéia -com a qual Tarso talvez concorde- de que a essência do método marxista é o revisionismo, o empenho permanente em aprender dialeticamente as novas determinações do real.
Na ampla gama de intelectuais que acompanharam e participaram das lutas do nosso povo nos últimos 50 anos lá está, luminosa, a coerência e a profundidade intelectual de Carlos Nelson. Alguns, originários da mesma época, organizaram-se em torno dos pensamentos liberais (mais propriamente neoliberais), que hoje formam o grande conglomerado do conservadorismo político nacional, cuja ocupação predileta é inconformar-se com as conquistas sociais, educacionais e políticas, dos últimos dez anos. Até nisso Carlos Nelson foi mais brilhante do que eles: suas divergências com o PT e com os governos Lula, ocorreram porque ele entendeu que estas mudanças foram pouco profundas e também modestas, em termos sociais e econômicos. Rompeu com o PT -concorde-se ou não com as suas razões- pela esquerda, não pelo udenismo fundamentalista ou pelas ideias do Consenso de Washington.
Os intelectuais do PT, os formuladores de ideias dentro do nosso Partido - nesta época que se abrirá depois das eleições - depois do “Fantástico” (em todos os aspectos) julgamento do “mensalão”, quando se aprofunda a crise européia e os tucanos afiam suas garras ajudados pela mídia complacente com os seus mensalões, - nossos intelectuais e formuladores - deveriam ler e reler Carlos Nelson Coutinho. Sua contribuição teórica é um bom antídoto contra o pragmatismo e uma boa vacina contra a acomodação burocrática. Bravo Carlos Nelson Coutinho. Vai fazer muita falta.
Analista herege de Marx e antiestalinista ferrenho, Carlos Nelson também foi um ser humano excepcional. Foi do velho “partidão” ao Psol, passando pelo PT, sem romper uma relação pessoal, sem desrespeitar um amigo ou qualquer pessoa que divergisse das suas posições e, mais do que isso, sem qualquer resquício de sectarismo ou pretensão de ser tornar paradigma. Tenho uma dívida pessoal com Carlos Nelson, por ter aprendido muito com ele, seja nas nossas conversas ou no intercâmbio de opiniões por escrito, seja pela leitura dos seus livros: um grande intelectual, sem afetação e sem medo de enfrentar os temas mais complexos da esquerda contemporânea.
Em março de 79, na antiga revista “Encontros com a Civilização Brasileira” (n..9) Carlos Nelson publica uma brilhante artigo, “A democracia como valor universal”, que começa assim: “A questão do vínculo entre socialismo e democracia marcou sempre, desde o início, o processo de formação do pensamento marxista; e, direta ou indiretamente, esteve na raiz das inúmeras controvérsias que assinalaram e assinalam a história da evolução desse pensamento.”
Era uma bomba. A luta armada derrotada no Brasil, a transição controlada pelos políticos centristas -acordados com os militares que viam o modelo econômico da ditadura ruir- Carlos Nelson parecia ajudar a transição promovida pelas elites, que apenas abririam um espaço mais generoso para o povo sete anos depois, com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte, aliás não originária. Mais adiante, seu artigo teve uma resposta respeitosa e de alto nível do meu irmão, já falecido, Adelmo Genro Filho, (n.17, da mesma revista).
Vale a pena transcrever o início do texto de Adelmo, que discuti com o próprio autor na época e o secundei com algumas opiniões: “Carlos Nelson Coutinho pensa grande.(...) Seu combate às tendências estruturalistas e neopositivistas que vicejam nas cátedras universitárias, tanto na Europa como no Brasil, em alguns momentos tornou-o quase um solitário. E o reconhecimento da persistência na solidão de teses justas é tributo mínimo que lhe devemos. Assim, é Carlos Nelson Coutinho, um pensador com “R” (de razão dialética) maiúsculo.”
O debate travado, naquela oportunidade, por Carlos Nelson e Adelmo, ainda mantém sua atualidade, mas, creio, não mais a partir da dúvida se a democracia -como forma de organização do Estado e de organização das liberdades públicas- tem ou não valor universal. A atualidade do debate está mais centrada na questão de “qual a democracia?”, capaz de expandir as liberdades públicas e organizar o Estado, de tal forma que dele derivem políticas que reduzam crescentemente as desigualdades sociais e as dominações de classe. Que uma ditadura não faz isso -qualquer ditadura- isso a crise dos modelos do Leste já demonstrou.
Quem “ganhou” o debate naquela época não importa, mas que a democracia -o oposto de qualquer ditadura- que garanta as liberdades públicas e as mesmas condições de concorrer para chegar o poder (o que ainda é muito relativo na atual democracia brasileira), tem um valor universal -como dizia Coutinho- parece não haver dúvida na ampla maioria da esquerda pensante. Em grande parte, devemos a integração deste pensamento antidogmático a Carlos Nélson Coutinho, sua persistência no debate, sua capacidade de inovar dentro do marxismo, sua postura permanentemente “revisionista” das ideias positivistas-naturalistas, que estiveram no cerne do marxismo-leninismo da Academia de Ciências da URSS.
No prefácio que Carlos Nelson fez do meu livro ”Utopia Possível” (Artes e Ofícios, 1994), no qual inclusive diverge de algumas abordagens críticas que faço, do marxismo “realmente existente”, ele diz com a sua sinceridade e clareza lapidar: “Tenho insistido na idéia -com a qual Tarso talvez concorde- de que a essência do método marxista é o revisionismo, o empenho permanente em aprender dialeticamente as novas determinações do real.
Na ampla gama de intelectuais que acompanharam e participaram das lutas do nosso povo nos últimos 50 anos lá está, luminosa, a coerência e a profundidade intelectual de Carlos Nelson. Alguns, originários da mesma época, organizaram-se em torno dos pensamentos liberais (mais propriamente neoliberais), que hoje formam o grande conglomerado do conservadorismo político nacional, cuja ocupação predileta é inconformar-se com as conquistas sociais, educacionais e políticas, dos últimos dez anos. Até nisso Carlos Nelson foi mais brilhante do que eles: suas divergências com o PT e com os governos Lula, ocorreram porque ele entendeu que estas mudanças foram pouco profundas e também modestas, em termos sociais e econômicos. Rompeu com o PT -concorde-se ou não com as suas razões- pela esquerda, não pelo udenismo fundamentalista ou pelas ideias do Consenso de Washington.
Os intelectuais do PT, os formuladores de ideias dentro do nosso Partido - nesta época que se abrirá depois das eleições - depois do “Fantástico” (em todos os aspectos) julgamento do “mensalão”, quando se aprofunda a crise européia e os tucanos afiam suas garras ajudados pela mídia complacente com os seus mensalões, - nossos intelectuais e formuladores - deveriam ler e reler Carlos Nelson Coutinho. Sua contribuição teórica é um bom antídoto contra o pragmatismo e uma boa vacina contra a acomodação burocrática. Bravo Carlos Nelson Coutinho. Vai fazer muita falta.
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