*Juliano G. Goularti
**José Álvaro Cardoso
Em 2012
a arrecadação de impostos em Santa Catarina, diminuiu o seu ritmo de
crescimento em relação ao que vinha mantendo nos últimos anos. A Receita Corrente
Líquida (RCL), por exemplo, do mês de junho (R$ 14,1 bilhões), cresceu 9,65%
nos últimos 12 meses (até o mês), uma queda do ritmo de expansão em comparação
com os 19,90% verificados no mesmo período de 2011. A desaceleração do ritmo de
arrecadação fez com que o governo estadual contingenciasse gastos nas diversas
secretarias, órgãos do governo, Universidade Estadual, etc. Inicialmente é
importante considerar que qualquer comparação da receita com 2011 é sempre
complicada porque a mesma apresentou um crescimento excepcional em relação ao
ano anterior, acima dos 16%. Entretanto se compararmos o comportamento da
arrecadação tributária do primeiro semestre de 2012 com o mesmo período
passado, registra-se um crescimento de R$ 484 milhões.
A RCL
de 2011, em termos nominais é 33% superior à RCL de 2008, o que representa um
ganho real muito expressivo no período. Este aumento de receita muito superior
à inflação do período citado vem ocorrendo, apesar da profunda crise que se
instalou na economia mundial a partir de 2007, e que perdura até os dias de
hoje. Inclusive com reflexos importantes sobre a economia brasileira,
demonstrados, por exemplo, na própria arrecadação de Santa Catarina que, em
2009, apresentou queda real (com pequena evolução nominal). No que condiz à
arrecadação estadual – todas as fontes – mesmo registrando um crescimento
quando comparado com o período anterior, a programação financeira ficou R$
327,7 milhões abaixo da meta programada. Eis os motivos dos cortes até então
anunciados na UDESC.
Além da
desaceleração da arrecadação, houve também em Santa Catarina (o que
provavelmente ocorreu nos demais estados da federação) um descompasso entre a
estimativa de crescimento da economia, na definição da Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) de 2011 e as mudanças no cenário econômico mundial e
nacional, que piorou muito a partir de 2011, especialmente na Europa, que
passou a ser o epicentro da crise. Diferentemente do que ocorreu no segundo semestre de 2009, o Brasil não
conseguiu no ano passado, com a piora da crise na Europa, engatar uma marcha de
crescimento com base no mercado interno, que compensasse a perda de dinamismo
da economia mundial. Um dado resume bem a situação: após um crescimento
de 7,5% em 2010, os crescimentos do PIB de 2011 e 2012, somados, não irão alcançar
5%.
Em outras palavras, a base para a
arrecadação pública em Santa Catarina, utilizada na Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) no ano passado, estava projetada para um cenário de
crescimento elevado (em torno dos 5%) e o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá
2% neste ano, no máximo. Ao contrário dos anos 1970, 1980 e 1990, o problema é agravado pelo fato de que Santa Catarina vem
crescendo menos que a média nacional nos últimos dez anos. O que é muito grave,
considerando que, na década analisada, a própria economia brasileira cresceu pouco
quando comparada com os demais países emergentes.
Como a indústria tem
sido o calcanhar-de-aquiles da economia brasileira em 2011/2012, aquilo que pode ser considerado uma virtude
para qualquer economia - o fato de exportar produtos de maior valor agregado,
em média - é o que tem penalizado a economia catarinense, em termos de
crescimento econômico. Além disso, uma parte dos
principais países compradores dos produtos catarinenses, são os mais atingidos
pela crise econômica mundial, como é o caso dos EUA, do Japão, e de alguns
países europeus. Através do comércio, Santa Catarina sofre diretamente os
efeitos da crise mundial.
Além do problema geral de desaceleração da
arrecadação pública por conta do menor crescimento do Produto Interno Bruto (PIB),
há um problema mais estrutural, relacionado à destinação do próprio orçamento. Enquanto se
repassa para a Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC), por exemplo,
que produz ensino gratuito e conhecimento de qualidade, 2,49% da RLD, o repasse
para o pagamento do serviço da dívida pública representa 13% da RLD. Este ano,
enquanto a previsão de repasse para a UDESC é de R$ 232 milhões (um corte
profundo de cerca de 7,2% do orçamento do ano passado), para o serviço da dívida
o gasto poderá chegar a R$ 1,7 bilhão (7 vezes mais), e isenções fiscais R$ 4,6
bilhões (20 vezes mais). Importante destacar que as isenções fiscais diminuem a
base de cálculo do duodécimo que é repassado a Universidade. Em 2011, enquanto
o Estado investiu em Santa Catarina, pouco mais de R$ 1 bilhão, os recursos
destinados à dívida pública chegaram a R$ 1,5 bilhão e a isenções fiscais R$
4,2 bilhões.
Só de 2008 até meados deste ano já foram
gastos R$ 4,11 bilhões com os serviços da dívida, sendo que 2/3 deste valor vai
para o pagamento de juros, e aproximadamente R$ 15 bilhões com isenções fiscais.
O saldo devedor da dívida pública é corrigido com juros de 6% ao ano, mais a
variação do Índice Geral de Preços- Disponibilidade Interna (IGP-DI/FGV), que apresenta
variação superior à inflação oficial do governo, o Índice de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA-IBGE). De julho de 1994 até agosto/12 o IPCA acumulou 309%
e o IGP-DI chegou a 553%. Quando o contrato da renegociação desta dívida foi
feito entre o Governo FHC e os estados, o cenário econômico era outro. O país
tinha saído de uma situação de super inflação com o Plano Real em 1994 e a taxa
de juros beirava níveis absurdos. Hoje a inflação está sob controle e o país
pratica a menor taxa de juros real da sua história recente. As dívidas dos
estados, no entanto, continuam indexadas ao IGP-DI.
Entre 2006 e 2011 houve redução
da dívida de Santa Catarina em relação à RCL, em função do crescimento da
arrecadação acima da inflação e também em decorrência da variação negativa do
IGP-DI em 2009. Em 2006 o comprometimento da RCL com a dívida era de 211,16% e
atualmente está em torno dos 45%. No entanto, o problema não é
necessariamente o tamanho da dívida em relação à receita do estado e sim os
custos desta dívida, que consome 13% da RCL anual, como vimos.
Todo o arrocho fiscal que o Governo
do Estado vem fazendo para enfrentar a desaceleração da arrecadação (com
contingenciamento de despesas, arrocho salarial, cortes de gastos
para o ensino, a pesquisa e a extensão, etc.) está sendo consumido para pagar os
serviços da dívida para a concessão de incentivos fiscais, tirando a
oportunidade de melhorar a infraestrutura e fazer investimentos para o
desenvolvimento do estado. A destinação da RCL em 2011 revela isso claramente:
Custeio dos serviços
públicos em SC: R$ 3,452 bilhões
Folha de pagamento: R$
6,855 bilhões
Investimentos: R$ 1
bilhão
Pagamento da dívida
pública: R$
1,501 bilhão
Pode-se dizer que é uma parcela significativa
do esforço do povo catarinense, das famílias, dos pequenos empresários, é toda
destinada a transferir para o governo federal um valor fabuloso na forma de
juros, bem como ao capital privado na forma de isenções fiscais. O Governo do Estado acaba de anunciar o fim progressivo da
Hora Plantão – ou hora extra – e o imediato da hora sobreaviso, para os
trabalhadores do setor de saúde. Muitos trabalhadores do setor, que têm
salários médios modestos, complementam o sustento de suas famílias com a
prática destas horas. Um salário-base de técnico de enfermagem, de R$ 1.200,00,
pode chegar a R$ 2.500 com a hora plantão. Para alguns trabalhadores o fim da
hora plantão pode significar um corte de 75% do salário. É possível que haja
uma greve no setor por conta dessa decisão. O governo admite que os salários
são baixos mas diz que não tem como resolver o problema em função da “redução”
do orçamento para este ano. Em nenhum momento, neste debate, se discute porque se
corta salário de serviço e, ao mesmo tempo, se transfere 13% da RCL para pagar
compromissos financeiros e renuncia-se 1/3 da arrecadação estadual, sem nenhum
questionamento. São a financeirização e a guerra fiscal da economia brasileira ao
vivo e em cores.
Um argumento importante na
renegociação das bases da dívida pública catarinense é o de que o governo
federal, que também gasta uma fábula com juros
– no acumulado em doze meses foram R$ 226,6 bilhões (5,26% do PIB) – ao
reduzir a taxa Selic, está mudando as bases de seu desembolso com a dívida
pública. A estimativa é de que, com os cortes
promovidos pelo Banco Central na Selic, o governo federal economizará R$ 56
bilhões com a rolagem da dívida pública federal até o final de 2012. O valor é
maior do que todo o investimento federal realizado no último ano, algo em torno
de 1% do PIB. O montante de investimentos em 2011 chegou a R$ 43 bilhões. Isso
significa que o investimento do governo federal pode dobrar, apenas com a
redução da Selic.
É importante ainda lembrar
que a diminuição dos gastos com a dívida pública e a cautela com as isenções
fiscais poderão se tornar mais fundamentais ainda, caso se confirme as
previsões de alguns analistas de que teremos uma crise longa na Europa, que
pode durar entre cinco e dez anos.
*Economista e mestrando em Desenvolvimento Regional pela FURB.
**Economista e supervisor técnico do DIEESE em
SC.
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