terça-feira, 18 de setembro de 2012

As desonerações fiscais de 2013 e o superávit primário



O Governo anunciou um conjunto de desonerações fiscais para o próximo ano que soma bilhões de reais a serem deduzidos da receita orçamentária. Fica um problema: como fechar as contas do orçamento do próximo ano, na medida em que essa queda de receita teria de ser compensada por queda equivalente da despesa? O Governo tem dois caminhos para acomodar o conjunto de desonerações fiscais, fora a folha: um deles é pelo corte das despesas públicas. O outro é pela redução do superávit primário. O artigo é de J. Carlos de Assis.
Data: 16/09/2012
O Governo anunciou um conjunto de desonerações fiscais para o próximo ano que soma bilhões de reais a serem deduzidos da receita orçamentária. Parece muito bom para a economia tendo em vista a significativa redução de custos empresariais, desde o custo da eletricidade ao custo da Cide, até o custo da folha salarial. Fica um problema: como fechar as contas do orçamento do próximo ano, na medida em que essa queda de receita teria de ser compensada por queda equivalente da despesa?

Tome-se, por exemplo, a desoneração da folha salarial. Em mais de meio século, essa foi a fonte principal dos recursos para a Previdência Social. O Governo decidiu inicialmente eliminar essa fonte de receita previdenciária substituindo-a por uma contribuição de 1% a 2% sobre o faturamento. Em princípio, substituir a folha pelo faturamento como base da receita previdenciária favorece justificadamente as empresas trabalho-intensivas em comparação com as capital-intensivas.

Acontece que o faturamento é a base de cálculo da Cofins, e a Constituição veda explicitamente usar a mesma base de cálculo para dois tributos. Talvez por isso o Congresso tenha mudado a base para receita bruta. Uma alternativa seria se o Governo simplesmente aumentasse as alíquotas da Cofins em 1 ou 2 pontos percentuais para obter a mesma receita compensatória da folha.

O problema maior é de natureza macroeconômica, refletindo-se na economia política. O Governo tem dois caminhos para acomodar o conjunto de desonerações fiscais, fora a folha: um deles é pelo corte das despesas públicas. O outro é pela redução do superávit primário.

O corte das despesas públicas na Europa obedece ao receituário conservador, que matou as chances de crescimento em paises como Grécia, Irlanda, Espanha, Itália, Portugal e Inglaterra. É a ideia neoliberal recorrente do Estado mínimo, que está destruindo o Estado de bem estar social europeu. No nosso caso, para ter relevância, os cortes teriam que incidir sobre previdência, saúde,educação, Forças Armadas e Justiça, as rubricas que respondem pela parte maior da despesa pública. Seguir esse caminho, em nosso caso, seria suicídio.

Entretanto, se na Europa o corte forçado de despesas públicas parece ser a alternativa conservadora para liquidar com o Estado de bem estar social, no nosso caso, dado que temos uma confortável situação fiscal, cortar as receitas tributárias pode ser realmente um bom caminho para reduzir significativamente, ou simplesmente eliminar o superávit primário, por sua desnecessidade em momento de estagnação ou contração econômica. Se esse é o objetivo do Governo, é um golpe de mestre: compra com isenção tributária sonante a acomodação dos ortodoxos a uma política fiscal mais expansiva.

Essa opção se justifica sobretudo por causa da nossa situação fiscal. A relação dívida/PIB está abaixo de 40%, um dos menores índices do mundo. O déficit fiscal nominal está abaixo de 3%, o índice mágico máximo de Maastricht. Nessa circunstância, forçar um superávit primário muito alto, numa situação de queda do crescimento econômico, é contribuir para a contração da economia ainda mais e para a própria deflação, pois não há pressão inflacionaria pelo lado da demanda.

A grande confusão provocada pelos conservadores e ditos ortodoxos sobre superávit primário vem da mistificação das relações entre orçamento público e a economia como um todo. Eles apresentam o orçamento como estanque, desconectado da economia, e o gasto público como algo que expulsa o gasto privado. Trata-se de uma falácia. Gasto público é receita privada: na medida em que aumenta, estimula o crescimento da economia. Em situação de estagnação ou contração da economia, o gasto público deficitário é virtuoso, pois está mobilizando recursos ociosos do setor privado (poupança financeira) para financiar gastos e investimentos gerais.

Voltando às desonerações, é claro que não se deve esperar o financiamento deficitário delas para sempre: isso pode ser feito, sem risco de inflação, até um determinado nível da relação dívida/PIB, e desde que não haja pressão excessiva da demanda. O que se espera do déficit (ou da redução significativa do superávit primário) a curto prazo é que funcione como um estímulo à economia, ampliando a demanda, o investimento, o emprego e a própria receita tributária. Nesse contexto, a queda ou eliminação das alíquotas prometidas para o próximo ano poderão ser compensadas por receita tributária maior a partir de 2013.

(*) Economista e professor de Economia Internacional da UFPA, autor do recém lançado “A Razão de Deus”, pela Civilização Brasileira. Esta coluna sai também nos sites Rumos do Brasil e Brasilianas, e, às terças-feiras, no jornal carioca Monitor Mercantil.

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