Escrito por Adriano Benayon
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Sexta, 14 de Setembro de 2012 |
I- 24 de agosto de 1954
1. Este aniversário é o da deposição do presidente
Getúlio Vargas, programada e dirigida pelos serviços
secretos estadunidense e britânico.
2. A quadra histórica era decisiva. O Brasil – desde
sempre dotado de colossais recursos naturais – havia, a
partir de 1930, acelerado o processo de substituição de
importações industriais, graças a três fatores principais:
a) a falta de divisas, advinda da crise financeira e
econômica mundial, com a queda da demanda por café e
outros produtos primários;
b) a tensão entre potências mundiais de 1933 a 1939, e
daí a 1945, a Segunda Guerra Mundial;
c) a Revolução de outubro de 1930 e os posteriores
eventos políticos no Brasil até a primeira deposição de
Getúlio Vargas, em 29/10/1945.
3. Os dois primeiros fatores são as condições de crise e
oportunidade. O terceiro é o papel das instituições
políticas geradas em resposta à crise, as quais
transformaram a estrutura econômica no sentido de reduzir
a dependência da exportação de matérias-primas. Além
disso, Vargas mandou proceder à auditoria da dívida e
liquidou os títulos no mercado secundário, com grande
desconto.
4. Ele se manteve na chefia do governo durante aqueles 15
anos, conquanto de novembro de 1937 a 1945 dependesse das
Forças Armadas, a fonte de poder instituidora do Estado
Novo.
5. Por terem as políticas de Getúlio Vargas desagradado
as potências anglo-americanas, era questão de tempo ele
ser apeado da presidência, terminada a Guerra Mundial
(maio de 1945),
6. Durante a Guerra, Vargas teve de colaborar com essas
potências, as quais, não mais precisando dele, teleguiaram
a oligarquia local, políticos, mídia e chefes militares
para depor o “ditador”, sob o pretexto de que queria ficar
no poder.
7. Isso não tinha cabimento, porque Vargas convocara
eleições e se dispunha a passar a presidência ao eleito. O
golpe de 1945 foi só vingança e tentativa de humilhar o
líder trabalhista.
8. Por ocasião do golpe de 1937, os chefes militares,
movidos pelo anticomunismo, estavam divididos entre
simpatizantes do imperialismo anglo-americano e
partidários das potências nazi-fascistas. Assim, Vargas
pôde atuar como fiel da balança e no interesse nacional
9. Os militares nacionalistas não ocupavam posições que
lhes habilitassem a imprimir rumos diferentes em 1937, e
menos ainda em 1945, quando os de tendência fascista
convergiram com os admiradores das potências
anglo-americanas.
10. Eleito em 1945, o Marechal Dutra (1946-1950), mentor
do golpe de 1937, reprimiu os comunistas, converteu-se,
mais que à “democracia”, à abertura irrestrita às
políticas do agrado de Washington.
11. Entretanto, Vargas ganhara a simpatia dos
trabalhadores, elegeu-se senador por vários estados, e
voltou à presidência em 1951, por grande maioria popular.
Criou a Petrobrás e deu passos para a fundação da
Eletrobrás. Apoiou os excelentes projetos de sua
assessoria econômica e cuidou de deter as abusivas
remessas de lucros ao exterior das transnacionais.
12. Se prosseguissem as realizações de Vargas, o Brasil
teria chances de se desenvolver, e esse foi o móvel do
golpe de agosto de 1954, organizado pelas potências
imperiais.
13. Os agentes externos postos por esse golpe na direção
da política econômica instituíram enormes subsídios em
favor dos investimentos das transnacionais, que operavam
em muitos mercados no exterior, cada um de dimensões muito
maiores que o brasileiro.
14. Em vez de proteger as indústrias de capital nacional
para viabilizar competirem com as transnacionais, aquelas
sofreram discriminação, com os imensos subsídios que só
podiam ser utilizados pelas corporações estrangeiras.
15. Eleito para o quinquênio 1956-1960, Juscelino manteve
esses subsídios e estabeleceu facilidades adicionais para
as empresas estrangeiras. Implantadas no país, estas
transferem ao exterior, de diversas maneiras, os enormes
lucros obtidos no mercado brasileiro, causando déficits no
Balanço de Pagamentos.
16. Primeira cena dessa tragicomédia: eleito, antes de
tomar posse, JK viajou ao exterior para atrair
investimentos estrangeiros, com notórios entreguistas na
comitiva. Segunda cena: sai JK, entra Jânio Quadros, e
este envia ao exterior missão chefiada por Roberto Campos
para rolar dívidas externas vencidas, contratadas durante
o governo de JK.
17. Depois do conturbado período entre a renúncia de
Jânio e o golpe de 1964, derrubando Goulart, o primeiro
governo militar, a pretexto de fazer face à alta da
inflação e à crise externa, adotou, sob a direção de
Roberto Campos, políticas fiscal, monetária e de crédito
restritivas, eliminando grande número de empresas
nacionais.
18. As lições econômicas disso tudo são importantes, como
também as lições políticas. Entre elas avulta esta: prevalece
sobre a Constituição escrita a regra constitucional, não
escrita, de que os governos em regime “democrático” só
concluem seus mandatos se se curvarem às pressões das
potências imperiais.
19. Vargas e João Goulart realizaram políticas que
visavam gerar maior autonomia econômica para o país,
embora fizessem concessões ao poder imperial.
20. Diferentemente, Dutra cedera aos interesses das
potências estrangeiras, e JK deu-lhes plena satisfação no
essencial: a abertura aos investimentos estrangeiros,
escancarada pela outorga de privilégios que permitiram as
transnacionais, a médio prazo, assenhorear-se do mercado
brasileiro.
21. Até a proteção tarifária e não-tarifária aos bens
duráveis produzidos no Brasil significou uma vantagem a
mais às multinacionais, ampliada, quando, em 1969-1970,
Delfim Netto estabeleceu vultosos subsídios para a
exportação de manufaturados, entre os quais créditos
fiscais no valor do imposto de importação dos bens de
capital e dos insumos.
22. Os governos militares de 1967 a 1978 tentaram
redinamizar a economia sem alterar o modelo dependente,
nem garantir espaço às empresas nacionais em face da então
já dominante ocupação do mercado pelas transnacionais. O
resultado disso nos leva a outro aniversário.
II - Agosto/setembro de 1982
23. Em 16/08/1982, o México declarou moratória. Em
seguida, o setembro negro, em que os gestores da política
econômica brasileira, sob o espectro da inadimplência,
imploraram aos banqueiros internacionais refinanciar as
dívidas.
24. A crise de 1982 foi muito maior que a de 1961, gerada
pelas políticas de 1954 a 1960. A causa essencial de ambas
foi a mesma: a ocupação dos mercados pelas transnacionais,
intensificada de 1964 a 1982.
25. JK recebeu a dívida externa de US$ 1,4 bilhão em
1955. Ao sair, deixou US$ 3,5 bilhões. Em 1964
ela fechou com US$ 3,1 bilhões,
pulando para US$ 43,5 bilhões em 1978, e para US$
70,2 bilhões em 1982, tendo-se avolumado ainda
mais pela elevação das taxas de juros e comissões, em
1979, além da composição desses encargos arbitrários.
26. As altas taxas de crescimento do PIB de 1967 a 1978
foram pagas pelo povo brasileiro, não só com a queda do
PIB, de 1980 a 1984, mas na estagnação nas duas décadas
perdidas (anos 80 e 90). Em 1984, o Brasil
transferiu para o exterior 6,24% do PIB e mais 5,54% em
1985.
27. Mas o dano maior – e irreversível sob as
presentes instituições – é a deterioração estrutural. Essa
prossegue até hoje e se caracteriza pela infraestrutura
deficiente e pela produção quase totalmente
desnacionalizada, inclusive através das privatizações de
1990 a 2002.
28. Há um processo cumulativo em que a
desnacionalização faz crescer a dívida, e esta é usada
como pretexto para desnacionalizar mais. Tudo
isso faz prever novas e piores crises, em que cresce a
desindustrialização.
29. As débâcles, como a de 1982, ilustram a mentalidade
servil diante dos “conselhos” e pressões imperiais, pois o
Estado brasileiro curvou-se às imposições dos credores,
aceitando a integralidade de dívidas questionáveis, depois
de tê-las alimentado, subsidiando a ocupação estrangeira
da economia e inviabilizando a tecnologia nacional.
30. “O Globo” veicula a desculpa de Delfim Netto, de que
o colapso de 1982 decorreu da elevação dos preços do
petróleo. Isso não procede: a Argentina não importava
petróleo, e o México era grande exportador. O denominador
comum das maiores economias latinoamericanas é o modelo
dependente.
31. Nos anos 70, a Petrobrás já substituía razoável
quantidade de petróleo importado, e as importações eram
pequena fração das de Alemanha, Japão, França.
32. O primeiro choque do petróleo deu-se em 1973. Daí a
1982 são nove anos. Tempo suficiente para medidas na
estrutura produtiva, com resultados em seis anos, antes,
portanto, do segundo choque do petróleo em 1979.
33. Tecnologia não faltava para substituir as importações
de petróleo. O Brasil havia adotado, durante a Segunda
Guerra Mundial, uma solução que funcionou muito bem: o
gasogênio, para mover os veículos, com equipamentos que
usavam carvão mineral do Sul, carvão e óleos vegetais. Foi
abandonado após a Guerra, mas poderia ter sido retomado em
1973.
34. Geisel apoiou Severo Gomes e Bautista Vidal no
Programa do Álcool. Mas este não prosseguiu na forma
planejada, nem se avançou nos óleos vegetais, que oferecem
ao Brasil grande campo – até hoje inaproveitado – para
produzir excelentes óleos e fabricar motores próprios para
eles.
35. O dendê, na Amazônia e no sul da Bahia, pode render
mais de 6 mil litros hectare/ano. Para produzir
quase tanto como a Arábia Saudita, ou seja, mais
de cinco vezes o consumo brasileiro da época, bastaria
plantar dendê em 60 milhões de hectares, ou seja, 12% da
Amazônia Legal, associado a culturas
alimentares. Em outras regiões a macaúba dá 4 mil
litros ha/ano.
36. Essas opções são mil vezes melhores para a ecologia
que extrair madeira para exportar, enquanto as ONGs
vinculadas ao poder mundial fazem demagogia a respeito do
desmatamento da Amazônia.
37. O óxido de carbono só é absorvido pelas plantas
quando crescem. A Amazônia, com a floresta estável, não é
pulmão do mundo. Esse papel cabe aos oceanos, que as
petroleiras mundiais poluem de modo brutal.
38. É fácil e praticado, há muito, na Alemanha, produzir
kits para adaptar motores ao uso de óleo vegetal. Melhor
seria, mas o sistema de poder nunca o permitiu – produzir
motores para esse óleo, o verdadeiro diesel. Biodiesel é
um dos golpes do sistema para impedir o desenvolvimento
dessas tecnologias, bem como as da química dos óleos
vegetais e da alcoolquímica.
39. A deterioração das contas externas no final dos anos
70 serviu de gazua para a penetração do Banco Mundial no
Programa do Álcool, desvirtuando-o, pois foi desvinculado
da produção alimentar e tocado no sistema de plantations e
mega-usinas, hoje, na maior parte, desnacionalizadas.
40. Moral: se houvesse autonomia
política, coragem e discernimento, ter-se-ia aproveitado
o choque do petróleo para desenvolver produções agrárias
e industriais com tecnologia própria e adequada aos
recursos naturais. Resultaria em prosperidade
social incalculável com a energia renovável, além de esse
padrão de desenvolvimento autônomo estender-se a outros
setores.
41. Em suma, o mega-entreguismo de Collor e FHC não teria
sido possível sem as políticas inauguradas em 1954 e
continuadas de 1956 a 1960 e de 1964 até hoje. Por quê?
Porque essas políticas engendraram a relação de forças
econômica e política determinante das desastrosas eleições
daqueles dois.
III - 7 de setembro de 1822
Está, pois, claro que o povo brasileiro precisa de real
independência e que esta não existe. Não merece crédito o
argumento de que há autonomia política, embora falte a
econômica, porquanto uma não é possível sem a outra. Não
se confunda a independência formal com a real.
Adriano Benayon é doutor em Economia e autor de Globalização
versus Desenvolvimento. |
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