Por Antonio
Delfim Netto
É
impossível chegar a um consenso sobre o Brasil que gostaríamos de legar à
geração que amadurecerá em 2030. Há fatos demográficos já inscritos que, com
toda a probabilidade, se realizarão, a não ser que sejamos atropelados por uma
improvável invasão marciana.
Graças ao
processo civilizatório, que, felizmente, foi introjetado pela mulher
brasileira, que hoje estuda mais, gera menos filhos (e um pouco mais tarde) e
aumenta a participação na força de trabalho, vivemos uma revolução demográfica
e econômica. Há menos de quatro décadas, temia-se que o Brasil, com sua então
fantástica taxa de fecundidade, estaria condenado a ser um país miserável. A
tabela abaixo dá alguns números que revelam a preocupação então existente.
É preciso
fazer justiça a alguns economistas e aos demógrafos mais recatados, que nunca
aceitaram aquele crescimento exponencial. Seus modelos eram um pouco
sofisticados. Implicavam a aceitação de uma função logística com assíntotas
precariamente determinadas. De qualquer forma, a situação parecia mesmo muito
preocupante. Na década de 60 do século passado, a média de filhos por mulher
era de 6,3!
Não foi,
sem alguma razão, que naquele momento o Brasil namorou com um processo de
"controle da natalidade", que sofreu forte oposição do Vaticano. Pois
bem. Foi o processo civilizatório da mulher brasileira que reduziu em menos de
duas gerações a sua taxa de fecundidade para 1,94, abaixo da taxa de reposição
populacional de 2,1 filhos.
Qual o
seu resultado? O Censo de 2010 revelou que a população brasileira era de 191
milhões, praticamente 65% do propalado terrorismo demográfico dos anos 60! O
Brasil é hoje um país com pequeno crescimento populacional e com aumento
significativo da expectativa de vida ao nascer. Esses fatos estão registrados
no gráfico 1, abaixo.
Como se
vê, vamos passar por um máximo populacional em 2040, acompanhado de um
envelhecimento significativo. A pirâmide etária, revelada no gráfico 2, mostra
que o aumento da população não será apenas quantitativo, mas também, e
principalmente, qualitativo, com uma mudança profunda na estrutura da demanda
de bens e serviços: menos crianças para serem educadas e mais idosos para serem
cuidados...
É esse
fato demográfico insuperável que coloca, na minha opinião, o mais importante
problema que temos de deixar solucionado para a próxima geração. Hoje, temos
130 milhões de pessoas entre 15 e 64 anos. Em 2030, teremos 150 milhões:
cidadãos mais velhos, mais educados e, tudo sugere, mais exigentes com relação
à administração do país.
O mais
importante problema nacional é este: como vamos organizar a sociedade
brasileira para propiciar empregos, de boa qualidade e salários adequados, a
150 milhões de pessoas que constituirão a população em idade ativa em 2030? A
resposta não é simples, nem clara.
O que é
simples e claro é que isso não se fará simplesmente aprofundando a estrutura
produtiva atual, apoiada na sofisticadíssima e produtiva agroindústria
nacional, que agrega mais valor do que em geral se quer admitir, mas que é
poupadora de mão de obra. E muito menos com a exploração mineral (inclusive o
petróleo), atividades altamente capital-intensivas, com altíssima tecnologia e
trabalho superespecializado.
Se
quisermos ter em 2030 algo parecido com o nível de renda per capita em paridade
de poder de compra de Portugal de hoje, temos de crescer em torno de 5% ao ano
(mais ou menos 4% do PIB per capita), em média, nos próximos 18 anos. Isso
pedirá cuidadosa e rigorosa política fiscal, capaz de sustentar a política
monetária (que produzirá o equilíbrio interno), e adequada política cambial
(que produzirá o equilíbrio externo).
Nas
condições atuais de pressão e temperatura, isso exigirá um investimento bruto
anual, até 2030, da ordem de 25% do PIB (com talvez um déficit em conta
corrente de não mais do que 1,5% ao ano). O nosso Estado forte,
constitucionalmente controlado, precisa cooptar, com regulação segura e
amigável, o nosso eficiente setor privado!
É preciso
superar a desconfiança mútua, ainda existente entre eles, com a transferência -
por concessão ou parcerias - do investimento em infraestrutura para o setor
privado, através de leilões bem projetados, que determinem as justas taxas de
retorno para garantirem a quantidade e a qualidade dos serviços no presente e
no futuro.
Antonio
Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda,
Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
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